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Fechamento de mercado de insumos como teoria do dano concorrencial em integrações verticais e conglomerais: o que analisar?

Passamos agora para o aprofundamento em uma das principais teorias do dano nesse tipo de operação: fechamento de mercado de insumos.

11/9/2023

Conforme mencionado nos três artigos anteriores,1 que trataram do conceito de integrações verticais e conglomerais, do seu fluxo de análise e das principais teorias do dano, passamos agora para o aprofundamento em uma das principais teorias do dano nesse tipo de operação: fechamento de mercado de insumos.

A versão preliminar do chamado “Guia V+” do Cade consolida os melhores procedimentos e práticas usualmente adotados pela autarquia na análise de efeitos não horizontais em atos de concentração.2 Como se trata de uma análise voltada para relações verticais e conglomerais, as análises concentram-se no potencial lesivo à concorrência a jusante (ou seja, no elo seguinte da cadeia produtiva) e na cadeia a montante (ou seja, no elo anterior da cadeia produtiva).

fechamento de mercado de insumos, também chamado de input foreclosureé uma das hipóteses possíveis de fechamento de mercado, classificado na categoria de teorias do dano de efeitos não coordenados/unilaterais.3 Pode ocorrer quando uma eventual operação entre empresas verticalmente relacionadas resultar em restrição ou supressão de acesso a um ou mais insumo(s) relevante(s) – produtos ou serviços – para o seu processo produtivo, por parte dos concorrentes (efetivos ou potenciais) a jusante (downstream), que seriam fornecidos normalmente na inexistência do ato de concentração. Com essa conduta, a empresa integrada elimina ou eleva os custos de seus rivais no mercado, tornando mais difícil ou impedindo a obtenção do fornecimento do(s) insumo(s) a preços e em condições semelhantes às existentes na ausência da operação.

 

Fonte: Guia V+, elaboração Consultoria PNUD.

Para essa análise, devem ser levados em consideração: (1) capacidade4, (2) incentivo5 e (3) efeitos6.

Quando da análise da (1) capacidade de fechamento de mercado de insumos, verifica-se se a empresa integrada, ao reduzir total ou parcialmente o acesso a seus próprios produtos ou serviços a montante (upstream), consegue afetar negativamente a disponibilidade geral de insumos para o mercado downstream em relação a preço ou qualidade.

A capacidade de implementação do fechamento pode ser verificada a partir, por exemplo: da recusa direta de contratar com concorrentes atuais ou potenciais no mercado verticalmente relacionado; da restrição do fornecimento do(s) insumo(s) pela redução da quantidade e/ou da qualidade dos insumos fornecidos; do aumento de preços do(s) insumo(s) aos concorrentes no mercado a jusante, tornando as condições de fornecimento menos favoráveis do que as que prevaleceriam na ausência da concentração;  da redução da qualidade ou os níveis de serviço e da limitação de acesso aos dados. Segundo o Guia V+, algumas premissas tendem a ser relevantes para a análise de capacidade, conforme se passa a apresentar, entre os quais se destacam: a importância do insumo, o poder de mercado a montante, o realinhamento dos padrões de compra e o reforço do poder de mercado de terceiros a montante.

Quando da análise do (2) incentivo de fechamento de mercado de insumos, é preciso que, anteriormente, tenha-se constatado que a empresa tinha capacidade de fechá-lo. Ou seja, a existência da capacidade de fechamento de insumos é condição precedente à análise de incentivos, e esse tende a ser um gargalo importante nas análises realizadas pelo Cade. Recentemente, por exemplo, quando da análise do Ato de Concentração envolvendo a formação de uma joint-venture entre HLAG e Starnav no mercado de transportes marítimos5, nem se alcançou a análise de incentivos para dois mercados relevantes. A SG/Cade indicou que, no mercado relevante de serviços de transporte marítimo de contêineres de longo curso e de agenciamento de frete bem como no mercado de cabotagem e cabotagem feeder de contêineres, a participação das empresas “não supera a referência de 30% em termos de participação de mercado. Assim sendo, nos termos do inciso IV, do art. 8º da Resolução Cade nº 33/2022, tem-se por desnecessário aprofundar as investigações sobre tais mercados, posto que, com base na participação de mercado detida [pelas empresas], entende-se que tais Partes não seriam capazes de fechá-los.”.

Quando há, portanto, capacidade, e passa-se à análise de incentivos, deve-se analisar uma série de fatores, entre os quais se destaca: o grau de rentabilidade nos elos a montante e a jusante e o aumento de vendas a jusante, a taxa de desvio para a empresa integrada, e o aumento de vendas a jusante assim como a perda de vendas a montante. Neste mesmo caso mencionado, envolvendo o mercado de transportes marítimos7, a SG/Cade entendeu que, no mercado relevante de reboque portuário, “os dados mostraram que um possível direcionamento dos serviços de apoio portuário [...] apenas para a JV (em prejuízo aos demais players no segmento de cabotagem e cabotagem feeder de contêineres, concorrentes da JV) não constituiria uma estratégia economicamente vantajosa [...] no pós-Operação, [...]. Assim, conclui-se pela ausência de incentivos e de racionalidade econômica em eventual tentativa nesse sentido, o que torna improvável tal possibilidade.”

Caso haja, por fim, tanto capacidade quanto incentivos, passa-se, então, à análise dos (3) efeitos do fechamento de mercado de insumos. Ou seja, se a Operação efeitos à concorrência, ao reduzir o acesso aos seus próprios produtos ou serviços no mercado a montante, afeta de forma negativa a disponibilidade global de bens e serviços no mercado a jusante, em preço ou qualidade.

O Guia V+ sinaliza que o efeito do fechamento de mercado de insumos sobre a concorrência deve ser avaliado à luz dos fatores de compensação. Isto é, caso haja um número suficiente de concorrentes no mercado a jusante, cujos custos não sejam suscetíveis a serem aumentados por eventual fechamento de insumos a montante (ex., se eles próprios estão integrados verticalmente ou porque têm condições de mudar de fornecedores de insumos alternativos adequados), a concorrência exercida por essas empresas pode constituir uma pressão concorrencial suficiente sobre a entidade resultante da concentração, impedindo, assim, que os preços aumentem para níveis superiores aos verificados antes da concentração. Outros fatores de contraposição podem ser a presença de poder negocial dos compradores ou a probabilidade de que a entrada de novos concorrentes a montante preserve a concorrência efetiva.

A mesma lógica apresentada sob a lente das integrações verticais segue quanto às integrações conglomerais. Em outras palavras, avalia-se se a combinação de produtos em mercados relacionados poderia proporcionar à entidade resultante da concentração a capacidade e o incentivo para utilizar, por meio da alavancagem, a sua posição dominante em um determinado mercado para reforçar sua posição em outro mercado. Tais efeitos seriam mais significativos em setores em que se verificam economias de escala e nos quais a estrutura da procura em um determinado momento teria repercussões dinâmicas nas condições futuras de abastecimento do mercado, bem como se houver externalidades de rede (ou seja, quando os clientes ou produtores se beneficiam do fato de outros clientes ou produtores utilizarem os mesmos produtos). Apesar disso, o incentivo para adotar uma estratégia de exclusão dos concorrentes em integrações conglomerais dependerá do grau de rentabilidade de tal estratégia. Assim, apenas quando uma proporção suficientemente elevada da produção no mercado é afetada pelo fechamento resultante da concentração conglomeral é que a operação estaria suscetível a restringir significativamente a concorrência. Se permanecessem vários fabricantes de um dos produtos apenas com presença efetiva em qualquer mercado, não seria provável que a concorrência se deteriorasse na sequência de uma concentração conglomeral.

Em resumo, pode-se apresentar o seguinte quadro consolidado com os principais elementos de análise quando do aprofundamento da teoria do dano de efeitos não coordenados/unilaterais de fechamento de mercado de insumos:

(Imagem: Divulgação)

Nos próximos artigos, continuaremos avaliando cada uma das teorias do dano em fusões verticais e conglomerais.

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1 Leia mais: (1) ATHAYDE, Amanda. Fusões verticais e conglomerais: O que são e como isso pode impactar a atuação das empresas no Brasil? Portal Migalhas, 22.8.2023. Disponível em: . (2) ATHAYDE, Amanda. Fluxo de análise concorrencial de fusões verticais e conglomerais: o que muda? Portal Migalhas, 28.8.2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/392490/fluxo-de-analise-concorrencial-de-fusoes-verticais-e-conglomerais. (3) ATHAYDE, Amanda. Teorias do dano concorrencial em integrações verticais e conglomerais: quais os riscos? Portal Migalhas, 4.9.2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/392957/teorias-do-dano-concorrencial-em-integracoes-verticais-e-conglomerais.

2 Contribuições podem ser apresentadas na plataforma Participa+ Brasil. Acesso em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/guia-v

3 Entre os (1) efeitos não coordenados/unilaterais estão aqueles que podem ser decorrentes da atuação de uma única empresa, individual e unilateralmente. Seria o caso de analisar se a empresa resultante da operação, com posição dominante, poderia implementar determinadas práticas comerciais que teriam o efeito de prejudicar o mercado. Recorda-se, como exemplo de práticas unilaterais, a exigência de exclusividade, a recusa de contratar, a discriminação, a criação de dificuldades à atividade de concorrentes, entre outros.

4 Na análise de (1) capacidade, a pergunta que se faz é a seguinte: existe capacidade de implementação de estratégias anticoncorrenciais por parte da empresa integrada? Existe capacidade para isso?

5 Na análise de (2) incentivos, a pergunta que se faz é a seguinte: a integração gera alterações na estrutura de incentivos para a prática de estratégias anticoncorrenciais? Ainda que as requerentes possuam capacidade (vide tópico anterior), há geração de incentivos para implementação de tais estratégias?

6 Na análise de (3) efeitos, a pergunta que se faz é a seguinte: em caso de existência de capacidade e de incentivos, a implementação de tais práticas gera impactos efetivos à concorrência, com prejuízos aos consumidores finais? Há efeitos anticoncorrenciais? Assim, para todas as teorias do dano, sempre será seguido esse tripé de análise.

7 Ato de Concentração HLAG/Starnav. 08700.002769/2023-81. “Integrações verticais envolvendo, de um lado, o mercado de cabotagem de contêineres e cabotagem feeder de contêineres, e de outro, os mercados de (i) transporte marítimo regular de contêineres de longo curso; (ii) serviços de reboque portuário; e (iii) agenciamento de frete”.

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2023. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS.

Amanda Athayde
Professora doutora adjunta na UnB de Direito Empresarial, Concorrência, Comércio Internacional e Compliance, consultora no Pinheiro Neto. Doutora em Direito Comercial pela USP, bacharel em Direito pela UFMG e em administração de empresas com habilitação em comércio exterior pela UNA, ex-aluna da Université Paris I - Panthéon Sorbonne, autora de livros, organizadora de livros, autora de diversos artigos acadêmicos e de capítulos de livros na área de Direito Empresarial, Direito da Concorrência, comércio internacional, compliance, acordos de leniência, anticorrupção, defesa comercial e interesse público.

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