Enfim aprovada na Câmara dos Deputados, a reforma promovida pela PEC 45-A/19 trará um novo desenho às competências tributárias da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, alterando profundamente a tributação sobre o consumo no país, mediante a introdução do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em substituição ao ICMS e ISS, e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição ao PIS e à COFINS, unificando as materialidades em bases mais amplas, prevendo a não cumulatividade plena, cálculo por fora e tributação no destino. Além do Imposto Seletivo (IS), em substituição ao IPI, de caráter extrafiscal.
Mas para além da tributação sobre o consumo, a reforma também acabou trazendo mudanças relevantes na tributação do patrimônio pelo ITCMD, incidente sobre as heranças e doações, de competência dos Estados e do Distrito Federal, com destaque para três pontos importantes que devem impactar planejamentos sucessórios.
O primeiro ponto, diz respeito à alteração do artigo 155, § 1º, II, da CF/88, por meio da qual se modificou a competência do ITCMD-causa mortis para o Estado do domicílio do falecido, cuja vigência se dará para as sucessões abertas após a publicação da PEC 45.
Isso se fez com o fim de eliminar diversos conflitos tributários nos casos de inventário extrajudicial, já que pela regra anterior, a competência do ITCMD era do Estado onde se processasse o inventário. Assim, com a livre escolha de forma legítima pela lavratura da escritura de inventário em qualquer tabelionato do país, acabava-se gerando o deslocamento da competência para Estados com menores alíquotas e, ao mesmo tempo, os Estados onde o de cujos mantinha residência continuavam exigindo o imposto.
Note-se que a regra de competência ao Estado onde se processasse o inventário, foi veiculada pela CF/88 em período em que não existia a possibilidade de inventário extrajudicial, sendo que o processamento do inventário se dava no local do domicílio do falecido, de modo que local do processamento do inventário era sinônimo de domicílio do falecido.
Com a mudança na PEC 45, permanece a livre escolha pelo tabelionato de notas que lavrará a escritura de inventário, em qualquer Estado do país, porém sem que isso implique modificação da competência tributária do ITCMD, que a partir de então seguirá com o Estado do domicílio do de cujus.
O segundo ponto importante de alteração na PEC 45, se refere à previsão obrigatória da progressividade do ITCMD, mediante a inserção do inciso VI, no § 1º, do art. 155, da CF/88. É verdade que tal progressividade já é praticada em diversos Estados brasileiros (vide AC, BA, CE, DF, GO, MA, MT, PA, PR, RJ, RS, RO, SC, SE e TO), mas isso deverá ser estendido, de forma obrigatória, para todos os Estados, sendo que a alíquota máxima continuará sendo fixada pelo Senado Federal (essa regra consta do inciso IV, não tendo sido alterada).
Nesse aspecto, destaque-se que a atual alíquota máxima é de 8%, tal qual fixada pela Resolução do Senado 9 de 05/5/92, mas é objeto de proposta de alteração, como se vê do Projeto de Resolução do Senado (PRS) 57/19, o qual prevê a elevação da alíquota máxima para o dobro (16%).
Veja-se que já houve, no passado, proposta de criação de um adicional do ITCMD de até 27,5%, de competência da União (PEC 96/15), bem como proposta do CONFAZ sugerindo aumento para 20% (Ofício Confaz 11/15). Portanto, não se sabe ao certo qual será a majoração ao final incorporada pelo Senado, alinhado com os Estados.
Aliás, alguns Estados possuem previsões em suas legislações locais no sentido de que suas alíquotas acompanhem de forma automática as alterações do Senado (exemplo de PE), o que representa absoluta inconstitucionalidade, na medida em que qualquer majoração de alíquota do ITCMD depende de lei própria de cada Estado, devendo ainda observar a anterioridade anual.
Por fim, o terceiro ponto relevante de alteração foi trazido pelo art. 16 da PEC 45, o qual veiculou uma regulamentação provisória ao chamado ITCMD-exterior, até que sobrevenha a lei complementar nacional sobre o tema, cobrindo com isso uma lacuna existente desde o julgamento do TEMA 825 pelo STF em 2021, no qual se fixou a seguinte tese:
“É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no artigo 155, parágrafo 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional.”
O julgamento do TEMA 825 foi modulado no tempo, de modo a afastar a incidência do ITCMD os fatos geradores (heranças e doações) ocorridos após 20/4/21 (data da publicação do acórdão).
Após, a PGR ajuizou 27 ADIs em face das legislações locais de cada ente federado, de modo a conferir eficácia vinculante do entendimento do STF também às administrações fazendárias, bem como a ADO 67. No julgamento dessa ADO 67, o STF veio a reconhecer a omissão legislativa em torno da edição da competente lei complementar e conferiu o prazo de 12 meses (encerrado exatamente em julho/23), para que o Congresso suprisse a omissão, matéria então objeto de propostas em andamento (PLPs 37/21 e 67/21).
Dessa forma, conforme disposto na PEC 45, foi veiculada regra provisória de competência por meio da qual: i) em relação ao ITCMD-doação: quando o doador tiver domicílio no exterior, fixou-se a competência ao Estado onde tiver domicílio o donatário e, se este também tiver domicílio no exterior, ao Estado em que se encontrar o bem. Ficou ainda uma lacuna no caso de doação de bens imóveis situados no exterior, visto que, a rigor, nessa hipótese não haveria competência, já que o imposto seria devido no local da situação do bem. E ii) em relação ao ITCMD-causa mortis: nas heranças com bens situados no exterior, a competência será do Estado onde era domiciliado o de cujus ou, caso domiciliado no exterior, onde tiver domicílio o herdeiro. Persiste a mesma lacuna no caso de imóveis situados no exterior.