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A solidariedade passiva nas relações familiares à luz da jurisprudência

Dentre os diversos institutos abordados pelo Código Civil, no que tange ao cumprimento das obrigações, a solidariedade passiva figura como um importante conceito que estabelece obrigações conjuntas entre devedores e credores em determinadas situações.

3/9/2023

1. Introdução

Este artigo tem como objetivo explorar algumas hipóteses previstas na lei, em que a solidariedade passiva se aplica, compreendendo suas definições, implicações, relevância jurídica e entendimento jurisprudencial, especialmente em algumas hipóteses de solidariedade passiva nas relações familiares, que geram dúvidas no momento de definir a legitimidade passiva em ações de cobrança ou execução civil.

Ressalte-se que o presente artigo não esgota as possibilidades e entendimentos sobre o tema, trazendo apenas algumas hipóteses para instigar o aprofundamento no estudo sobre a matéria.

2. Solidariedade passiva: conceito e fontes.

A solidariedade passiva pode ser definida como uma relação obrigacional em que há multiplicidade de devedores, sendo cada um deles obrigado integralmente ao pagamento da dívida. Isto quer dizer que o credor tem a faculdade de escolher se acionará todos os devedores ou apenas alguns.

As duas fontes da solidariedade passiva são: a lei, na qual o vínculo solidário decorre de previsão legal expressa; ou, da vontade das partes (convencional), pactuada em contrato ou negócio jurídico unilateral. Há necessidade de que a solidariedade seja expressa, mas não se exigem palavras sacramentais, desde que fique clara a vontade de se obrigar solidariamente.

Frise-se que a solidariedade jamais será presumida, nos exatos termos do art. 265 do Código Civil. Na dúvida se há ou não solidariedade, a inteligência é de que não há.

3. Solidariedade passiva entre os cônjuges.

Para tratar da responsabilidade patrimonial dos cônjuges se faz necessário entender como é composto o patrimônio de cada um e o patrimônio comum. Isto ocorre de acordo com o regime de bens escolhido pelo casal.

No regime da comunhão parcial de bens cada cônjuge tem o seu patrimônio particular e há o patrimônio comum. Já no regime da comunhão universal de bens há apenas o patrimônio comum, salvo as hipóteses legais que indica o patrimônio particular. Em relação ao regime da participação final nos aquestos há massas particulares de bens incomunicáveis durante o casamento, que se tornam comuns no momento da dissolução do casamento. E, por fim no regime da separação de bens só existem os bens particulares de cada cônjuge.

Assim, nos termos do art. 1.663, § 2º do Código Civil, os bens comuns, só responderão por dívidas contraídas apenas por um dos cônjuges, se restar comprovado o proveito que houver auferido.

Do mesmo modo, o art. 1.644 do Código Civil, aponta que as dívidas contraídas para aquisição de coisas necessárias à economia doméstica, obrigam solidariamente os cônjuges.

Some-se ainda, no mesmo sentido, o art. 1.664 do Código Civil que prescreve que “os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal”. Desta feita, é possível concluir-se que se a obrigação contraída por apenas um dos cônjuges não foi para atender uma destas hipóteses, não há solidariedade passiva entre eles.

O cônjuge que não contraiu a dívida, só será responsável solidariamente se a dívida foi assumida pelo outro para suprir despesas da economia doméstica ou se auferiu algum proveito.

Então, quando houver a solidariedade passiva entre os cônjuges, ela estará limitada a obrigações voltadas à satisfação das necessidades da família, assim compreendidas como aquelas relativas à manutenção do lar ou aos deveres de sustento recíproco entre os familiares.

Neste sentido, o cônjuge do devedor não é responsável pela dívida assumida exclusivamente pelo outro, de forma que no caso de inadimplemento de obrigação, a eventual responsabilidade patrimonial com relação aos bens comuns ou sua meação ocorrerá na qualidade de terceiro, perquirindo-se, em um ou outro caso, a comunhão dos bens ou a reversão do crédito em benefício da entidade familiar.

Ademais, ao tratar sobre o tema, merece ser trazida à colação trecho da declaração de voto vencido da Ministra NANCY ANDRIGHI no julgamento do REsp 1.869.720/DF (j. 27.4.21):

“(...) Nesse cenário, a jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que “tratando-se de dívida contraída por um dos cônjuges, a regra geral é de que é do meeiro o ônus da prova de que a dívida não beneficiou a família, em face da solidariedade entre o casal”. (EREsp 866.738/RS, Corte Especial, DJe 24/5/11). (...) Com efeito, poderá o cônjuge atingido por decisão proferida em processo de que não fez parte, diferidamente e após a constrição, poderá manejar embargos de terceiro, ocasião em que poderá ele provar, sob o crivo do contraditório amplo e em cognição plena, que não havia ocultação de valores em sua conta corrente exclusiva, que os valores existentes em sua conta estão protegidos por alguma cláusula de impenhorabilidade ou, ainda, que a dívida contraída pela executada não se reverteu à família, tratando-se de prova cuja produção é claramente mais fácil ao cônjuge da executada do que ao credor”.

Por sua vez, no julgamento deste mesmo recurso, o voto do relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, foi no sentido de que:

(...) Não se admite a penhora de ativos financeiros da conta bancária pessoal de terceiro, não integrante da relação processual em que se formou o título executivo, pelo simples fato de ser cônjuge da parte executada com quem é casado sob o regime da comunhão parcial de bens. 3. O regime de bens adotado pelo casal não torna o cônjuge solidariamente responsável de forma automática por todas as obrigações contraídas pelo parceiro (por força das inúmeras exceções legais contidas nos arts. 1.659 a 1.666 do Código Civil) nem autoriza que seja desconsiderado o cumprimento das garantias processuais que ornamentam o devido processo legal, tais como o contraditório e a ampla defesa” (Terceira Turma, julgado em 27/4/21, DJe de 14/5/21.).

Assim, nas hipóteses em que a dívida for contraída em favor apenas de um dos cônjuges, não se caracterizando despesa voltada à satisfação das necessidades ou em benefício da entidade familiar, não ocorrerá a legitimação extraordinária do cônjuge excluído da relação de direito material, que exercerá a qualidade de terceiro perante a cobrança ou execução.

Desta feita, como a jurisprudência parte da presunção de que dívidas contraídas por pessoas casadas o são em benefício da família, será possível a penhora sobre a meação ou sobre bens titulados em nome do cônjuge do devedor ou executado, apesar de aquele não participar do processo, cabendo-lhe, valer-se de embargos de terceiro para a desconstituição da penhora, mediante a comprovação de que a dívida não foi contraída em proveito da entidade familiar, conforme entendimento assente pelo Superior Tribunal de Justiça:

“A jurisprudência desta Corte Superior possui entendimento assente no sentido de ser do cônjuge meeiro, em embargos, o ônus da prova de que o débito contraído pelo (a) esposo (a) não resultou em benefício da família” (STJ, AgInt no AREsp n. 1.611.862/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., j. 26.10.20).

Acrescente-se que o Admirável Tribunal de Justiça de São Paulo, já firmou entendimento de que o cônjuge não é parte legítima para responder solidariamente por dívidas que não configuram despesa de economia doméstica, nos termos da lei, como demonstra trecho do aresto a seguir colacionado:

“(...) Execução deve ser direcionada contra o devedor reconhecido no título, na forma do art. 779, I do CPC – Cônjuge não se legitima ordinariamente à execução de obrigações assumidas pelo outro, assumindo posição de terceiro, não obstante eventual responsabilidade patrimonial quanto a bens comuns ou a própria meação – Precedentes – Caso de legitimação extraordinária não configurada – Dívida referente a comissão de corretagem imobiliária não configura despesa da economia doméstica – Inaplicabilidade da solidariedade passiva disposta nos arts. 1.643 e 1.644 do CC. Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1075774-78.2021.8.26.0100; Relator (a): Helio Faria; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 37ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/8/23; Data de Registro: 29/8/23). No mesmo sentido: TJSP; Agravo de Instrumento 2030992-07.2023.8.26.0000; Rel. Achile Alesina; 15ª Câmara de Direito Privado; j. 22/3/23.

Doutro modo, no que diz respeito às dívidas contraídas pela empresa individual do cônjuge, durante o casamento, segundo o entendimento da jurisprudência, deverão ser partilhadas, porque existe a presunção de esforço conjunto na formação da empresa, se o regime que rege o casamento for o da comunhão universal ou parcial de bens. Isto se deve ao fato de que no caso de uma empresa individual, seu patrimônio se confunde com o patrimônio pessoal do cônjuge titular, sendo, portanto, partilhável. Mas neste caso não há que se falar em solidariedade e sim em partilha das dívidas.

Por este prisma é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que

            “(...) na empresa individual não há cotas e, uma vez que o patrimônio da autora empresária individual e o patrimônio da autora se confundem, é possível a sua partilha quando do fim da sociedade conjugal, devendo ser partilhados igualmente os ativos e passivos da empresa que integram o patrimônio da pessoa natural da autora empresária que foram adquiridos até a separação de fato das partes. (...) Como é cediço, as dívidas em nome dos cônjuges comprovadas mediante documento que foram adquiridas na constância do casamento, presumem-se que foram feitas em benefício da família, salvo prova em contrário, inexistente no caso dos autos. (...). Dessa forma, tanto as dívidas da empresa quanto as das partes deverão ser partilhadas na proporção de 50% para cada cônjuge, a ser apurado em liquidação de sentença” (AREsp n. 2.134.924, Ministro Antonio Carlos Ferreira, DJe de 03/4/23).

Mister se faz trazer à colação o judicioso entendimento do Colendo Tribunal de Justiça de São Paulo, que está em consonância com o do Superior Tribunal de Justiça:

“Apelação. Divórcio. Casamento celebrado pelo regime de comunhão parcial de bens. Sentença que determinou a partilha de bens e dívidas do casal. Insurgência da requerida. Pretensão de exclusão de dívidas fiscais, previdenciárias e não previdenciárias, contraídas na constância do casamento. Sentença mantida. Dívidas contraídas pela empresa individual do autor durante a sociedade conjugal. Empresa cujo patrimônio se confunde com o da pessoa física do cônjuge varão. Presunção relativa de que os valores foram empregados em proveito da família. Apelante que não apresentou elementos capazes de contrariar essa presunção. Débito que deve ser partilhado. Precedentes. Recurso improvido” (TJSP; Apelação Cível 1010911-27.2018.8.26.0001; Relator (a): Ademir Modesto de Souza; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I - Santana - 4ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 07/6/23; Data de Registro: 07/6/23). No mesmo sentido: TJSP; Apelação Cível 1004957-66.2017.8.26.0152; Relator Marcus Vinicius Rios Gonçalves; Órgão Julgador: 6ª Câmar a de Direito Privado; Foro de Cotia - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/06/2022; Data de Registro: 27/6/22; TJSP; Apelação Cível 1004028-77.2016.8.26.0084; Relator: Marcus Vinicius Rios Gonçalves; Órgão Julgador: 6ª Câmar a de Direito Privado; Foro Regional de Vila Mimosa - 4ª Vara; Data do Julgamento: 27/7/21; Data de Registro: 27/7/21; e, TJSP; Apelação Cível 1015181-76.2022.8.26.0576; Relator (a): Galdino Toledo Júnior; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto - 1ª Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 22/8/23; Data de Registro: 22/8/23.

Ressalte-se que é possível a penhora da meação dos bens comuns, mesmo que os bens estejam em nome apenas do cônjuge não devedor, já que nos regimes em que há patrimônio comum é permitido que a meação dos bens do devedor, adquiridos na constância do casamento, respondam pelas dívidas do cônjuge devedor, como demonstra o escólio selecionado:

“Ação de execução de título extrajudicial. Penhora de cotas sociais. Possibilidade. Constrição da meação do cônjuge executado. Em tese, é possível realizar atos de constrição do patrimônio do devedor que se encontre em nome do cônjuge, em virtude de ser passível de penhora a meação de seus bens adquiridos na constância do casamento, a depender do regime de bens adotado. No caso concreto, o executado é casado sob o regime da comunhão parcial de bens. Esse regime permite que a meação do devedor nos bens do cônjuge responda pela dívida exequenda, desde que relativa a bens adquiridos na constância do casamento, e que não sejam particulares. Embargos de declaração prejudicado e agravo não provido, com determinação” (TJSP; Agravo de Instrumento 2180218-86.2023.8.26.0000; Relator (a): Sandra Galhardo Esteves; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 12ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/8/23; Data de Registro: 18/8/23). No mesmo sentido: TJSP; Agravo de Instrumento 2283550-06.2022.8.26.0000; Relator (a): Ricardo Pessoa de Mello Belli; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VI - Penha de França - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/8/23; Data de Registro: 01/8/23).

 4. Solidariedade passiva entre os pais.

A solidariedade passiva entre os pais, também decorre da lei.

O art. 1.566, IV do Código Civil, art. 22 da lei 8.069/90 (Estatuo da Criança e do Adolescente) e o art. 229 da Constituição Federal, estabelecem que há solidariedade entre os pais no que tange ao sustento, guarda e educação dos filhos menores.

Assim, o débito alimentar em relação aos filhos, retrata uma obrigação solidária¹ que deverá ser partilhada entre os genitores, na medida da possibilidade de cada um. Isto quer dizer que embora seja uma obrigação solidária, cada genitor responderá de acordo com suas possibilidades econômicas.

Além disso, em se tratando de obrigação decorrente do sustento dos filhos, como no caso do pagamento de mensalidade escolar, a jurisprudência é uníssona no sentido de que mesmo que um dos pais não figure como responsável financeiro no contrato de prestação de serviços firmado com o estabelecimento de ensino, em razão da solidariedade legal imposta nos artigos supramencionados, ambos os genitores são devedores solidários e tem legitimidade para integrar o polo passivo da lide, em caso de cobrança ou execução dos débitos decorrentes deste contrato.

A esse propósito, vale conferir trecho do voto proferido no REsp 1.472.316/SP, de relatoria do saudoso Ministro Paulo de Tarso Sanseverino:

"(...) Controvérsia em torno da possibilidade de, no curso de execução extrajudicial baseada em contrato de prestação de serviços educacionais firmados entre a escola e os filhos do recorrido, representados nos instrumentos contratuais apenas por sua mãe, diante da ausência de bens penhoráveis, ser redirecionada a pretensão de pagamento para o pai. 2. A legitimidade passiva ordinária para a execução é daquele que estiver nominado no título executivo. 3. Aqueles que se obrigam, por força da lei ou do contrato, solidariamente à satisfação de determinadas obrigações, apesar de não nominados no título, possuem legitimidade passiva extraordinária para a execução. 4. Nos arts. 1.643 e 1644 do Código Civil, o legislador reconheceu que, pelas obrigações contraídas para a manutenção da economia doméstica, e, assim, notadamente, em proveito da entidade familiar, o casal responderá solidariamente, podendo-se postular a excussão dos bens do legitimado ordinário e do coobrigado, extraordinariamente legitimado. 5. Estão abrangidas na locução "economia doméstica" as obrigações assumidas para a administração do lar e, pois, à satisfação das necessidades da família, no que se inserem as despesas educacionais. (...) Os pais, detentores do poder familiar, tem o dever de garantir o sustento e a educação dos filhos, compreendendo, aí, a manutenção do infante em ensino regular, pelo que deverão, solidariamente, responder pelas mensalidades da escola em que matriculado o filho. 8. Possibilidade, assim, de acolhimento do pedido de inclusão do genitor na relação jurídica processual, procedendo-se à prévia citação do pai para pagamento do débito, desenvolvendo-se, então, regularmente a ação executiva contra o coobrigado. 9. Doutrina acerca do tema. 10. Recurso Especial em parte conhecido e provido" (REsp 1.472.316/SP, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 05/12/17, DJe de 18/12/17). No mesmo sentido: STJ; AgInt no REsp 1.873.363/RS, Relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 9/5/22, DJe de 11/5/22; e, AgInt no REsp 1.932.187/DF, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 16/8/21, DJe de 19/8/21.

Ainda em se tratando de responsabilidade solidária dos pais em relação aos filhos, os arts. 932, I e 942, parágrafo único do Código Civil, fazem recair sobre os pais a responsabilidade solidária em relação aos atos ilícitos praticados pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia.

Questão importante a ser entendida é a interpretação a ser dada à expressão contida no art. 932, I do Código Civil: “sob sua autoridade e companhia”. Neste ponto, o Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento de que é irrelevante um dos genitores não deter a guarda, pois a referida responsabilidade não decorre desta, e sim do poder familiar. Então, não importa se a guarda é unilateral ou compartilhada, persiste a responsabilidade solidária em relação aos atos ilícitos praticados pelos filhos menores.

Além do mais, a expressão autoridade e companhia dos pais em relação aos filhos, explicita o poder familiar, independentemente do contato físico ou proximidade, demonstrando que a autoridade parental não se esgota na guarda, compreendendo vários outros deveres como, proteção, cuidado, educação, informação, afeto, dentre outros, independentemente da vigilância investigativa e diária, colocando como irrelevante a proximidade física no momento em que os filhos causem danos.

Em abono desse entendimento, mister conferir trecho da decisão expendida pelo Superior Tribunal de Justiça:

            “Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de indenização por danos materiais e morais. Responsabilidade civil do genitor, pelos atos de seu filho menor, do qual não detém a guarda. Possibilidade. Súmulas 7 E 83 DO STJ. Agravo Interno Improvido. 1. Conforme entendimento desta Corte, ambos os genitores, em decorrência do princípio do poder familiar, "inclusive aquele que não detém a guarda, são responsáveis pelos atos ilícitos praticados pelos filhos menores, salvo se comprovarem que não concorreram com culpa para a ocorrência do dano" (REsp 777.327/RS, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 17/11/09, DJe 1/12/09). Súmula 83 do STJ. (...) Agravo interno improvido” (AgInt no AREsp 1.253.724/PR, 3ª Turma, rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, julgado em 5.6.2018). No mesmo sentido: STJ; REsp 1.436.401/MG, 4ª Turma, rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, julgado em 2.2.2017; e, STJ, AgRg no AREsp 220.930/MG, 3ª Turma, rel. Min. SIDNEI BENETI, julgado em 9.10.2012.

Outrossim, importa destacar o julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, que conferiu entendimento diverso ao exposto, excluindo a genitora do menor do polo passivo da ação, exatamente porque ela não exercia qualquer poder de fato ou autoridade sobre o filho adolescente. E a conclusão da Corte não considerou a inexistência de guarda, e sim que a mãe nem sequer morava na mesma cidade, como elucida parte da decisão do REsp 1.232.011/SC, da qual foi relator o Ministro João Otávio de Noronha:

            “Direito civil. Responsabilidade civil. Acidente de trânsito envolvendo menor. Indenização aos pais do menor falecido. Entendimento jurisprudencial. Revisão. Art. 932, I, do Código Civil. 1. A responsabilidade dos pais por filho menor - responsabilidade por ato ou fato de terceiro -, a partir do advento do Código Civil de 2002, passou a embasar-se na teoria do risco para efeitos de indenização, de forma que as pessoas elencadas no art. 932 do Código Civil respondem objetivamente, devendo-se comprovar apenas a culpa na prática do ato ilícito daquele pelo qual são os pais responsáveis legalmente. Contudo, há uma exceção: a de que os pais respondem pelo filho incapaz que esteja sob sua autoridade e em sua companhia; assim, os pais, ou responsável, que não exercem autoridade de fato sobre o filho, embora ainda detenham o poder familiar, não respondem por ele, nos termos do inciso I do art. 932 do Código Civil. (...) 3. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa parte, provido também parcialmente” (STJ; REsp 1.232.011/SC, 3ª Turma, rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17.12.15).

Acrescente-se que “o dano pode ter decorrido exclusivamente da inobservância de um dever paterno-filial que, na circunstância, apenas um dos genitores tinha capacidade concreta de exercer, hipóteses a serem analisadas a luz do caso concreto. Nestas situações, caberá direito de regresso. Os defensores da responsabilidade compartilhada dos pais admitem que a regra comporta exceção, contudo, nem sempre esclarecem que a alegação de ausência de culpa deve ser discutida em relação jurídica processual apenas entre os genitores (ação de regresso), nada influenciando na responsabilidade solidária perante a vítima".²

Daí decorre que, se os pais estiverem no pleno exercício do poder familiar, mesmo que separados, embora, em regra, seja solidária a responsabilidade deles pela prática de atos ilícitos pelos filhos menores, o Enunciado 450 da V Jornada de Direito Civil, ressalva o direito de regresso em caso de culpa exclusiva de um dos genitores³.

Porém, não se pode deixar de lado o entendimento de que caso a guarda esteja atribuída exclusivamente a um dos genitores, a responsabilidade pela reparação dos danos é apenas dele, exceto nos momentos em que o filho estiver com o outro genitor, situação em que se transferirá a responsabilidade para quem estiver fisicamente com ele, já que a responsabilidade se daria em decorrência do dever de vigilância. No entanto, este não tem sido o entendimento adotado pelos tribunais.

Além do que foi dito, em relação à emancipação (art. 5º, parágrafo único do Código Civil), por se tratar da antecipação da maioridade civil, a pessoa emancipada se torna apta para a prática de todos os atos da vida civil, como se maior fosse.

Conquanto a emancipação considere o menor apto a todos os atos da vida civil, como se maior fosse, e, portanto, responsável pelos atos ilícitos civis que vier a praticar, em se tratando de menor emancipado voluntariamente (art. 5º, parágrafo único, I do Código Civil), o entendimento da jurisprudência é de que esta emancipação não afasta a solidariedade dos pais no dever de reparação de danos a terceiros, provenientes de ilícito dos fatos por ele praticados. Aliás, a inteligência é de que este ato de vontade dos pais (emancipação) não exclui a responsabilidade decorrente da lei.

E, segundo as lições de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, “esse é o entendimento mais razoável, em nossa opinião, para que a vítima não fique sem qualquer ressarcimento4.

Aliás, o Enunciado 41 da I Jornada de Direito Civil ratificou este entendimento, ao prever que “a única hipótese em que poderá haver responsabilidade solidária do menor de 18 anos com seus pais é ter sido emancipado nos termos do art. 5º, parágrafo único, inc. I, do novo Código Civil”.

Na verdade, o que se visa é evitar emancipações fraudulentas.

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1 “A obrigação alimentar da mãe em relação a filha menor decorre de lei. As despesas com a criança devem ser suportadas pelos pais, em conjunto. É uma obrigação solidária” ((TJSP; Apelação Cível 1001501-10.2022.8.26.0128; Relator (a): Edson Luiz de Queiróz; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Cardoso - Vara Única; Data do Julgamento: 23/08/2023; Data de Registro: 23/8/23).

2 MATOS, A. C. H. et al. Responsabilidade civil e direito de família: o direito de danos na parentalidade e conjugalidade. 1. ed. Indaiatuba: Foco, 2021. E-book. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 31 ago. 2023.

3 Enunciado 450 da V Jornada de Direito Civil: “Art. 932, I: Considerando que a responsabilidade dos pais pelos atos danosos praticados pelos filhos menores é objetiva, e não por culpa presumida, ambos os genitores, no exercício do poder familiar, são, em regra, solidariamente responsáveis por tais atos, ainda que estejam separados, ressalvado o direito de regresso em caso de culpa exclusiva de um dos genitores”.

4 Novo curso de direito civil: parte geral, vol. I, 13ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 150.

Egle Cecconi
Advogada e Professora mestre em Direito Civil. Sócia-proprietária do escritório ECBRP Advocacia. Membro das Comissões Permanente de Direito do Consumidor e Advocacia da Família e Sucessões da OABSP

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