Tramita pela Assembleia Legislativa de São Paulo – ALESP –, já em fase de votação, o PL 752/21, iniciativa legislativa do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJ/SP –, que propõe o aumento substancial do valor das custas judiciais, além da instituição da cobrança pela prestação de serviços judiciários no âmbito da Justiça estadual paulista.
A proposta veiculada no referido PL faz eleva em 50% (cinquenta por cento) a alíquota da taxa judiciária e de seu recolhimento inicial (antecipado), além de instituir o adiantamento de custas para o procedimento incidental de Cumprimento de Sentença (execução do julgado) e a cobrança de taxa para simples expedição de ofícios.
Para os jurisdicionados, usuários, os custos dos serviços judiciários brasileiros, em geral – e o paulista, em particular – são já bastante elevados; litigar, por aqui, não é exatamente atividade barata, e seus custos influenciam, inclusive, os tais índices de apuração do “custo Brasil”, que reflete a oneração da atividade produtiva do País.
Assim, a proposta de significativo aumento dos custos usuários dos serviços judiciais, sabidamente, já elevados, trazem a preocupação social do bloqueio ao acesso à Justiça, pela via do filtro econômico-financeiro da sociedade, dos jurisdicionados, a rigor.
Sob esse aspecto, sabendo-se que os muito ricos sempre dispõem de recursos para defender judicialmente seus interesses, e que os muito pobres – que a Justiça Paulista, em regra, tem assim definido os que auferem renda bruta de até três salários mínimos – podem dispor da Justiça Gratuita e dos serviços de assistência judiciária gratuita, conclui-se que o seguimento social mais atingido está na classe média baixa, composto pelos funcionários públicos estaduais e municipais, que precisam discutir judicialmente suas demandas funcionais contra o estado e contra os 565 municípios (que, por sua vez, não pagam custas judiciais!); os pequenos empresários, do comércio pequeno-varejista, da prestação de serviços e da micro indústria, além dos pequenos agricultores, que vão à Justiça para cobrar e executar seus créditos, ou para discutir judicialmente suas dívidas bancárias ou tributárias, e outros temas relativos às respectivas atividades econômico-produtivas. É possível, então, que a proposta de aumento das custas judiciais atinja, por impedir ou limitar o acesso à Justiça, um contingente de grande relevância, seja pelo número de atingidos, seja pelo impacto social das consequências.
Nessa linha, três aspectos chamam a atenção quando se analisa o PL 752 à luz das justificativas apresentadas pelo TJ/SP, para o substancial aumento de custas que propõe.
Primeiro, o PL não traz nenhuma planilha de custos efetivos dos serviços judiciários prestados, nem mesmo daqueles que hoje não são cobrados e que o PL propõe inovar, cobrando por eles (simples expedição de ofícios, por exemplo). E mais, não traz qualquer planilha que demonstre o aumento dos serviços e de seus custos, na mesma proporção do aumento pretendido do valor e do volume das custas.
A ausência de planilhas dos custos efetivos dos serviços é uma anomalia grave do referido PL. É que as custas judiciais são tributos da espécie taxa, cuja cobrança está diretamente vinculada à efetiva prestação de determinado serviço público, in concreto, razão pela qual seu preço deve considerar o custo efetivo da prestação do serviço, sua natureza e o custo/benefício advindo para o usuário. Por isso, a fixação e o aumento dos valores desses serviços devem atender à proporcionalidade desses custos efetivos.
O segundo aspecto, diz respeito à fundamentação mais relevante das justificativas apresentadas para o aumento vertiginoso das custas judiciais pelo PL proposto pelo Tribunal de Justiça paulista, que mereceu maior número de parágrafos e do tempo da argumentação dos representantes do Tribunal e da Magistratura paulista, durante a Audiência Pública realizada pela ALESP.
Alega o TJ/SP, para justificar sua propositura, que as taxas/custas cobradas pelo Poder Judiciário do Estado de São Paulo, atualmente, estão bem abaixo dos valores cobrados por alguns outros estados da Federação, inclusive os que têm dotação orçamentária muito menor que São Paulo. Porém, não se trata de tributo de arrecadação geral, mas, sim, de taxa, vinculada à efetiva prestação de serviços, que por isso deve estar jungida ao custo geral desse serviço.
Ainda que tabelas apresentadas pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, demonstrem o contrário, registrando os preços dos serviços judiciais paulistas entre os mais caros do País, não é este o principal fator a tornar a comparação absolutamente imprópria. O fator principal a afastar o argumento é que cada estado brasileiro tem uma realidade judiciária diferente. É possível e compreensível que o custo da prestação jurisdicional no Amazonas (um dos estados incluídos como de cobrança maior que SP), por exemplo, com atendimento judiciário das populações ribeirinhas, em lugares longínquos, de difícil acesso, a centenas de quilômetros da capital, aos quais só se chega de barco, canoa, avião ou hidroavião, deve ter custo muito mais elevado do que em São Paulo, onde a imensa maioria das Comarcas são de fácil acesso, e o custo de vida, em geral, é bem mais baixo, para ficarmos só em dois aspectos passíveis de avaliação e consideração para essa espécie de finalidade. A todas as luzes, esse tipo de comparação, portanto, não pode servir de parâmetro para embasar essa discussão. Porém, foi eleito o principal argumento para se tentar justificar o aumento do valor das custas e a ampliação da cobrança, por meio do referido Projeto de Lei.
A Advocacia, pela proximidade cotidiana com o tema, na lida diária na Justiça, por meio da OAB/SP, AASP e SASP, tem combatido o PL 752/21, e tem levado seus alertas à Assembleia e aos Deputados estaduais paulistas. Na Audiência Pública realizada pela ALESP (a pedido da Advocacia), o TJSP e a entidade dos Juízes (APAMAGIS), defenderam o PL, sem conseguir explicar, no entanto, a ausência das planilhas de custos efetivos; nem conseguiu agregar às explicações qualquer outro argumento além da questionável e superficial comparação com os outros Tribunais do País.
Todavia, é pelo terceiro aspecto que o referido PL mais desperta – e alerta! – a atenção: sua impressionante e insuperável contradição motivacional. É que, no texto das justificativas, em ao menos três pontos, há a revelação expressa de que um dos objetivos almejados com sua aprovação é exatamente inibir o fluxo da propositura de demandas judiciais, o que, em bom português (livre do “juridiquês”), quer dizer, dificultar e mesmo impedir o acesso à Justiça pela via da elevação dos preços dos serviços judiciais, que tornará proibitiva a busca da Jurisdição para uma enorme parcela da sociedade paulista.
Ou seja, pretende-se aumentar a remuneração para mantença da estrutura do Judiciário paulista, porém, um dos principais objetivos do aumento, ao fim e ao cabo, é fazer diminuir o volume da prestação jurisdicional. A notória contradição revela que, além de absurdo do ponto de vista da política judiciária do Estado, o objetivo do referido PL vai na contramão da cláusula pétrea constitucional que garante ao cidadão o amplo acesso à Justiça.