As licitações e contratações públicas sustentáveis têm papel destacado nos últimos anos, fundamentadas nos tradicionais princípios administrativos somadas às melhores práticas consolidadas, agregando importantes fatores promotores de ganhos sociais, econômicos e ambientais. Tais vantagens e virtudes se projetam, inquestionavelmente, para a Administração Pública (sentido amplo) que vê garantida a consecução da relação qualidade/preço (melhor preço), mas também alcança os fornecedores de bens e prestadores de serviços, bem como a sociedade.
A lei 8.666/93, em sua versão original, não fazia qualquer referência à sustentabilidade e nem estabelecia nenhuma vinculação desta com os processos estatais de contratação, mesmo que houvesse reconhecimento deste conceito deste a década de 1970, o qual, foi amplificado na década seguinte com a difusão do Relatório Brundtland (1987), e incorporado à realidade sociojurídica brasileira a partir da Constituição de 1988 e da realização da Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO) - RIO/92.
Somente em 2010, com as alterações introduzidas pela lei 12.349/10, foi incluído dentre os objetivos da licitação “a promoção do desenvolvimento nacional sustentável”. Já por intermédio do decreto 7.746/12 regulamentou-se o tema, restando estabelecidos critérios e práticas para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações realizadas pela Administração Pública federal, pelos quais definiu-se como necessária a adequação justificada nos autos, resguardando-se o caráter competitivo do certame, impondo, ainda, que os referidos mecanismos de sustentabilidade fossem publicados como especificação técnica do objeto, obrigação da contratada ou requisito das contratações.
O Decreto, que foi bastante modificado e atualizado em 2017 (decreto 9.178/17), arrolou alguns critérios e práticas sustentáveis para as licitações e contratações públicas, mesmo admitindo ampliações do rol, podendo ser destacados: preferência por materiais, tecnologias e matérias-primas de origem local, direcionando o critério da localidade como preferencial para a geração de empregos; maior eficiência na utilização de recursos naturais; maior vida útil e menor custo de manutenção do bem e da obra; uso de inovações que reduzam a pressão sobre recursos naturais; origem sustentável dos recursos naturais utilizados nos bens, nos serviços e nas obras; e utilização de produtos florestais madeireiros e não madeireiros originários de manejo florestal sustentável ou de reflorestamento.
Também admitiu que a Administração Pública poderia exigir, nos instrumentos convocatórios para a aquisição de bens, que tais itens fossem constituídos por materiais renováveis, reciclados, atóxicos ou biodegradáveis, e que as especificações dos projetos básico ou executivo, para contratação de obras e serviços de engenharia, deveriam ser elaboradas com vistas a garantir desde a economia da manutenção e operacionalização da edificação, até a redução do consumo de energia e água.
Sem dúvida, colaborou para a dinamicidade, naquela década de 2010, a adesão do Brasil à Agenda 2030, que é um plano de ação global, aprovado em 2015 e assinado por 193 países membros da ONU, com o objetivo de tornar a terra um planeta mais inclusivo e prospero, e que identificou como grandes desafios a serem enfrentados por todos: pobreza, fome, desigualdade, corrupção, alterações climáticas e a falta de desenvolvimento sustentável. Foram estabelecidos, então, 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS, abarcando aspectos sociais, econômicos e ambientais, sendo que os Estados assumiram o compromisso de implementar ações para a efetivação dos ODS.
O ODS 12 visa assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis, ou seja, fazer mais e melhor com menos, o que obriga ampliar o uso eficiente dos recursos e promover estilos de vida sustentáveis, por intermédio de ações diversificadas como: combate ao desperdício de alimentos, uso ecológico de produtos químicos, redução da geração de resíduos, implementação de políticas públicas que eliminem subsídios aos combustíveis fósseis, promoção do turismo sustentável e a contratação pública sustentável.
Mais especificamente ao ODS 12.7 estabeleceu como meta global, a promoção “de práticas de compras públicas sustentáveis”. Interessante que, no contexto brasileiro, ocorreu uma ampliação do escopo para promoção de “práticas de contratações e gestão públicas com base em critérios de sustentabilidade, de acordo com as políticas e prioridades nacionais”, ou seja, abrangeu-se a aquisição de bens, serviços e obras por meio das licitações públicas, assim como o planejamento e a execução contratual.
Se na antiga lei de licitações a promoção do desenvolvimento nacional sustentável foi incorporado tardiamente como uma das finalidades das licitações, na lei 14.133/21 (NLLCA) é um princípio, constante no Art. 5º. Também no Art. 11 se lê que: “O processo licitatório tem por objetivos: V - incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável”; e no Art. 144 está registrado que: “Na contratação de obras, fornecimentos e serviços, inclusive de engenharia, poderá ser estabelecida remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado, com base em [...]critérios de sustentabilidade ambiental”. Há ainda, no texto legal da NLLCA, mais de uma dezena de referências à sustentabilidade.
Portanto, é um assunto que não pode ser ignorado por aqueles que militam nas licitações e contratações públicas, sejam gestores públicos e suas assessorias técnicas, órgãos de controle (interno ou externo), interessados em contratar com a Administração Pública, e nem pela sociedade, a priori, a posteriori e a fortiori, a maior interessada.
Merece reconhecimento o papel que a Advocacia-Geral da União - AGU vem desempenhando na transição para NLLCA, por intermédio da Consultoria-Geral da União e da Câmara Nacional de Modelos de Licitações e Contratos da Consultoria-Geral da União (CNMLC/CGU/AGU). Destaque-se a elaboração e disponibilização de modelos de editais de licitação, editais de contratação direta, anexos jurídicos editalícios, listas de verificação e pareceres. Tem prevalecido entendimento, baseado no disposto no § 2º do art. 19 da NLNCA, que o uso de tais modelos pela Administração Pública federal é obrigatório, devendo sua não utilização, ou mesmo alteração, ser justificada formalmente, pelo que o documento precisa ser juntado ao processo licitatório.
Na temática da sustentabilidade, a AGU disponibiliza o Guia Nacional de Contratações Sustentáveis, que já está na 5ª edição. A obra é referendada pelo Consultoria-Geral da União – CGU (Controle interno) e pelo próprio Tribunal de Contas da União – TCU (Controle externo), servindo como parâmetro de planejamento, realização, acompanhamento e fiscalização, encontrando-se atualizada em relação à NLLCA e ao Plano Nacional de Resíduos Sólidos e Coleta Seletiva Cidadã, Programas Agenda Ambiental na Administração Pública e o Plano de Logística Sustentável.
No Guia, se lê que a licitação sustentável é aquela que: “integra considerações socioambientais em todas as suas fases, com o objetivo de reduzir impactos negativos sobre o meio ambiente e, via de consequência, aos direitos humanos”, e que abarca “[...] todas as fases da contratação pública, desde o planejamento até a fiscalização da execução dos contratos e a gestão dos resíduos”. Fica muito claro que o que era uma recomendação/sugestão, quase uma exceção sofisticada, agora é regra: em todas as fases das contratações públicas a adoção de critérios e práticas de sustentabilidade socioambiental e de acessibilidade é obrigatória, exigindo, em caso de impossibilidade, justificativa coesa, profunda, detalhada com razões de fato e de direito.
Como é material extenso e de forte cunho prático, que deve estar “aberto” e acessível em todos os espaços físicos ou virtuais nos quais as licitações e contratações públicas estão em pauta, foi selecionado apenas um tema, que aponta caminho que ganhará grande relevância no Brasil por conta da realização da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), que reunirá as partes da Convenção da ONU sobre o tema, e que terá como sede a cidade de Belém, no Pará, em novembro de 2025.
É do conhecimento de todos que determinados produtos e equipamentos presentes nos lares e empresas, públicas ou privadas, causam danos à camada de ozônio, bem como são reconhecidas suas consequências deletérias para a qualidade de vida no planeta, especialmente no concernente às mudanças climáticas.
Neste sentido, imperioso salientar-se o Protocolo de Montreal, tratado internacional que objetiva proteger a camada de ozônio por meio da eliminação da produção e do consumo das substâncias responsáveis por sua destruição, que tem o Brasil como um dos seus signatários, com a adesão promulgada pela publicação do decreto 99.280/90 e por outras normas internas. Mais recentemente, o decreto 11.075/22 estabeleceu procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e instituiu o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa.
Logo, licitações e contratações públicas no Brasil não podem ignorar tais diretrizes e regramentos, pelo que o Guia da AGU informa que é vedada à Administração Pública Federal a aquisição de produtos ou equipamentos que contenham ou façam uso das chamadas SDO “Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio” como: CFCs, Halons, CTC e tricloroetano, o que alcança: aerossóis, refrigeradores e congeladores domésticos, ar-condicionado (inclusive automotivo), frigoríficos, equipamentos de combate a incêndio, enfim, uma lista considerável de produtos e equipamentos que órgãos públicos necessitam para o desempenho de suas diversas e diversificadas atividades. Como exceção a determinadas restrições, impende referir “produtos ou equipamentos considerados de usos essenciais, como medicamentos e equipamentos de uso médico e hospitalar”.
Diante de tal contexto o Guia indica providências a serem assumidas pelos gestores públicos, desde o Termo de Referência – TR, que, como se sabe é documento-base para a fase interna da licitação, bem como para o êxito de todo o certame. No caso de aquisições ou locações, o TR deve formalizar no item de descrição ou especificação técnica do produto, que “Nos termos do decreto 2.783, de 1998, e Resolução CONAMA 267, de 14/11/00, é vedada a oferta de produto ou equipamento que contenha ou faça uso de qualquer das Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio – SDO abrangidas pelo Protocolo de Montreal”. Já em serviços, o TR deve formalizar no item de obrigações da contratada, que: “Nos termos do decreto 2.783, de 1998, e Resolução CONAMA 267, de 14/11/00, é vedada a utilização, na execução dos serviços, de qualquer das Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio – SDO abrangidas pelo Protocolo de Montreal.”
Também os serviços de manutenção dos equipamentos ou aparelhos que contenham SDOs, são tratados pelo Guia, em especial àqueles direcionados aos sistemas de refrigeração, de equipamentos de ar-condicionado, de extintores de incêndio e de sistemas de combate a incêndio, cuidando, à guisa de exemplificação, dos procedimentos de recolhimento, acondicionamento, armazenamento e transporte das referidas substâncias, ficando proibida a utilização para transporte de cilindros inadequados, bem como a liberação de SDOs na atmosfera, impondo a responsabilidade de adequado acondicionamento, e ajustado envio para reciclagem, incineração ou regeneração, em plena observância às normas ambientais.
Neste sentido, aponta como providências a serem tomadas a inserção em item de obrigações da contratada do TR, que “Na execução dos serviços, a contratada deverá obedecer às disposições da Resolução CONAMA 340, de 25/09/03 e da Instrução Normativa Ibama, nº 5, de 14 de fevereiro de 2018, nos procedimentos de recolhimento, acondicionamento, armazenamento e transporte das Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio – SDOs abrangidas pelo Protocolo de Montreal (notadamente CFCs, Halons, CTC e tricloroetano)”, deixando claro e especificado, detalhadamente, as diretrizes que devem ser observadas.
Por fim, o Guia também contempla a possibilidade da Administração possuir aparelhos antigos que não se sujeitaram às atuais exigências legais na sua fabricação ou mesmo na aquisição, para o que aponta caminhos mitigadores de danos. É, realmente, um documento paradigmático essencial, que ainda pode ser complementado com o Cartilha “Como inserir critérios de sustentabilidade nas contratações públicas”, também da AGU, datada de 2022, ambos disponíveis no sítio da Advocacia-geral da União, na internet.
Sendo o Estado (lato sensu) um grande consumidor e representando as compras e contratações públicas valores que ficam entre 10% e 15% do PIB nacional, qualquer movimento em prol da sustentabilidade, assumido pela Administração Pública, trará benefícios inequívocos e permanentes. Os compromissos assumidos pelo Brasil em pactos internacionais, bem como todo o arcabouço interno construído nas últimas décadas, incluindo a NLCCA, aponta para um caminho irreversível e virtuoso, para o qual dispomos de um excelente mapa ou Guia. Que venha a COP-30!