Em paralelo à tramitação no Congresso Nacional do PL 414/21 (antigo PL 232/16), que busca aprimorar o modelo regulatório e comercial do setor elétrico com vistas à expansão do mercado livre, uma questão começa a ganhar relevância. Tendo em vista a portaria 50/22, que estabelece a possibilidade de migração de todos os consumidores de alta tensão a partir de 2024, quem será o agente denominado até o momento de SUI - Supridor de Última Instância e quais serão suas atribuições?
Atualmente, quem cumpre esse papel são as próprias distribuidoras. Porém, com a abertura do mercado, tais consumidores migrarão para o mercado livre. Nesse cenário de liberdade contratual, havendo a interrupção do fornecimento, torna-se mister definir: (i) quem atuará para garantir o fornecimento contínuo de energia elétrica; (ii) em quais circunstâncias; e (iii) dentro de quais condições.
Existem entidades que já sustentam que tal papel seja feito pelas próprias distribuidoras, se o retorno do consumidor for feito dentro das normas legais atuais; outros advogam que seja um terceiro. O próprio ministério de Minas e Energia, porém, ainda não indicou quem será e se tal atividade pode via a ser desempenhada por terceiros que não sejam necessariamente distribuidoras de energia.
A CCEE - Câmara de Comercialização de Energia Elétrica sugeriu que a atuação do SUI se restrinja, de forma emergencial, a atender consumidores de varejistas que eventualmente sejam desligados da CCEE e, ainda, inadimplentes que vierem a regularizar o seu débito, no prazo a ser concedido para tal — sem que haja, ainda, consenso em relação a prazo e valor. Ou seja, o SUI atuaria efetivamente no mercado, atendendo os consumidores diretamente.
Nesse ponto começam a surgir os desafios a serem enfrentados, tais como:
O que fazer se o Poder Judiciário determinar a manutenção do fornecimento ao SUI? Qual o preço a ser adotado/praticado pelo SUI? O SUI poderia ser acionado em caso de suspensão de fornecimento?
Não parece ser essa a mens legis em relação ao SUI, que deveria atuar apenas no sentido de garantir a sustentabilidade do sistema elétrico brasileiro, e não ser uma alternativa aos consumidores em relação ao fornecimento de energia elétrica.
Se assim não fosse, poder-se-ia admitir que um consumidor inadimplente pleiteasse ao SUI a manutenção do fornecimento em condições desiguais a todos os demais consumidores que adimplem suas obrigações.
O SUI não deveria ter a função de socorrer eventuais consumidores em dificuldade e, sim, de atuar em caso de eventual colapso ou de grave risco ao sistema.
A função do SUI deveria ser de reduzir o risco de abastecimento, intervindo em varejistas que não apresentem garantias mínimas de continuar atuando e comercializando energia para seus consumidores.
Guardadas as devidas diferenças, seria como o Banco Central, que ao detectar descasamento entre os ativos e passivos de determinado banco intervém na instituição de forma que os clientes do banco não sejam penalizados, adotando as medidas necessárias para reduzir impactos, por meio do RAET - Regime de Administração Temporária da instituição.
A ideia do SUI nunca foi de torná-lo uma empresa “espelho” que atue no mercado em determinadas situações e esteja sujeito a lidar diretamente com os consumidores; mais, sim, de agir para a garantia do abastecimento regular e contínuo.
A ideia da necessidade de existir um SUI parece quase consensual, porém os detalhes demandarão bastante atenção por parte dos agentes públicos e privados para que não se crie no Brasil uma figura que se transforme num agente de socorro a consumidores e não ao sistema propriamente dito.