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Usufruto de quotas na sociedade limitada

O presente artigo, busca conceituar o usufruto e discorrer acerca de suas características centrais. Em seguida, será abordado a forma que é tratada a matéria no âmbito do direito societário e empresarial.

18/8/2023

Introdução:

Historicamente, muito se observou acerca do instituto do usufruto, principalmente em temas envolvendo imóveis, contudo, percebeu-se uma crescente utilização dessa ferramenta no campo das relações empresariais, haja vista sua capacidade de gerar benefícios de um lado, e, de segregar riscos de outro.

Trata-se, portanto, de ferramenta que ganhou novas formas de aplicação, em muito se distanciando das razões que a originaram.

Nos dias atuais, tem-se por meio do usufruto no âmbito empresarial, o fomento de ajustes associativos, negócios e operações econômicas nas suas mais variadas formas.

O presente artigo, busca conceituar o usufruto e discorrer acerca de suas características centrais. Em seguida, será abordado a forma que é tratada a matéria no âmbito do direito societário e empresarial, observando as suas possibilidades e nuances, com enfoque nas quotas das sociedades limitadas.  

Usufruto:

O tratamento conferido ao usufruto é elencado nos arts. 1.390 ao 1.411 do CC, porém, o atual código civil pecou por não trazer a conceituação expressa deste instituto, demandando uma viagem ao código de 1916, no seu art. 713, que trazia o seguinte: Constitui usufruto o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade.

Trata-se, por conseguinte, de direito real sobre coisa alheia, destacando-se temporariamente as faculdades inerentes que compõem a propriedade plena, que são: usar, gozar, fruir, administrar e dispor, tendo em vista agora a coexistência da figura do usufrutuário com o nu-proprietário.

Ou seja, o titular do usufruto poderá usar, gozar e administrar o bem alheio, bem como colher seus frutos, enquanto a propriedade remanesce em mãos de um terceiro, que poderá ser aquele que instituiu ou outra pessoa de sua escolha, doravante denominado nu-proprietário. 

Esse direito real tem caráter personalíssimo, reverberando na impossibilidade de transmissão, alienação e penhor do usufruto, somente podendo se beneficiar o seu titular, também não sendo transmissível aos herdeiros. Por outro prima, é possível a cessão do seu exercício a título gratuito ou oneroso, devendo sempre ser conservada a substância da coisa.

Desta feita, extinguindo-se o usufruto, consolidar-se-á a propriedade plena nas mãos do nu-proprietário, resultando que este gozará de todas as faculdades inerentes à propriedade plena. 

Ademais, as partes devem zelar pelo fiel cumprimento do que fora pactuado. Assim, o usufrutuário deverá cuidar para que não seja alterada a essência da coisa, administrando sempre de modo prudente o bem de que é titular de direito real, inclusive,  possuindo legitimidade para propositura das ações possessórias almejando a defesa de seus direitos relativos ao usufruto. 

D`outro lado, o nu-proprietário somente poderá dispor da coisa mediante consentimento prévio do usufrutuário, ou desde que resguarde integralmente as condições contratadas na sua origem, cabendo ao primeiro o  dever de sempre zelar pela conservação e manutenção dos direitos do usufrutuário. 

As hipóteses de extinção do usufruto encontram previsão no art. 1.410 do CC, sendo elas: i) pela renúncia ou morte do usufrutuário; ii) pelo termo de sua duração; iii) pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer; iv) pela cessação do motivo de que se origina; v) pela destruição da coisa; iv) pela consolidação; vii) por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não adotando as medidas tendentes a conservação; viii) pelo não uso ou fruição da coisa. 

Ressalta-se que o usufruto pode ter como objeto as coisas corpóreas (móveis, imóveis e semoventes), desde que inconsumíveis e infungíveis.  

Do usufruto em quotas sociais

A natureza das quotas sociais é de bem móvel por expressa determinação legal, o que possibilita a utilização do instituto do usufruto nesses títulos participativos, conforme se verá adiante.

O usufruto de participações societárias ocorre quando o detentor original do título acionário, transmite a nua-propriedade da quota, reservando ao usufrutuário as vantagens patrimoniais oriundas dessa participação societária, como os pagamentos a título de dividendos, juros sobre capital próprio e/ou outros rendimentos pagos pela sociedade.

O nu-proprietário da quota é o detentor do título participativo, porém, com limitação ao exercício de sua propriedade plena, comumente observado no aspecto de usufruir dos ganhos econômicos dessa sociedade limitada de que é sócio. 

Salienta-se que, o usufruto societário não produz efeitos exclusivamente inter partes, ocasionando reflexos para sujeitos externos que não guardam  relação com o que foi pactuado entre os contraentes, tornando indispensável uma análise e construção profunda dos termos desse contrato, para que não ocorra uma verdadeira desproporção entre os possíveis benefícios, que, malgrado a construção do acordo, podem ser superados pelos males da má regulação, resultando assim em eventuais dissídios societários e prejuízos econômicos para a sociedade e seus sócios.

No tocante às sociedades limitadas, dispensou o legislador aprofundamento no instituto do usufruto, de maneira que, restringiu-se em regulamentar a ferramenta no âmbito civilístico, mais precisamente no campo dos direitos reais, sequer havendo regulamentação no livro do Direito de Empresa, o que coaduna com a preocupação exposta no parágrafo anterior. 

A omissão legislativa no trato da matéria no campo empresarial não impede a sua aplicação, porém, será imprescindível conferir o contrato social da sociedade limitada, para verificar a existência de eventual cláusula prevendo a restrição de cessão de quotas.

Na ausência da previsão supracitada, mostra-se cabível a instituição do usufruto com base no art. 1.057 do CC, que clareia a ideia de cabimento do usufruto ``se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social``.

Equivoca-se quem pensa que a questão é simples pelo quórum relativamente baixo visto no parágrafo anterior, pois, para que o usufruto tenha eficácia perante terceiros, é indispensável constar expressamente no contrato social, fazendo-se imprescindível a alteração deste instrumento, carecendo da vontade dos titulares de pelo menos 50% do capital social para sua efetivação. 

Inclusive, com o advento da lei 14.451/22, esta que teve como finalidade alterar os quóruns de deliberação dos sócios da sociedades limitadas, o percentual posto no parágrafo anterior era 75%, o que dificultava ainda mais a respectiva aprovação da matéria (art. 1.076, I). 

Verdadeira problemática é vista no que toca ao exercício do direito de voto nessas sociedades, face às figuras do nu-proprietário e do usufrutuário, em virtude da ausência de regramento legal do tema nessa seara. 

O Departamento Nacional de Registro do Comércio define que a instituição do usufruto sobre quotas não retira do sócio seu direito de votar nas deliberações sociais, salvo acordo entre o nu-proprietário e o usufrutuário, que constará do instrumento de alteração contratual a ser arquivado na Junta Comercial.

Conforme exposto, nota-se a importância de um olhar cirúrgico dos contraentes ao conciliar seus interesses e os da sociedade, para que possam expressar suas vontades em cláusulas claras e firmes, visando sempre evitar incertezas que possam resultar em conflitos societários. 

Conclusão:

Observa-se a enorme relevância do instrumento de usufruto de quotas no âmbito das sociedades limitadas, envolvendo operações comerciais, planejamentos sucessórios e/ou patrimoniais, dentre outras situações econômicas que podem ser beneficiadas pela engenhosidade e benesses que traz o instituto.

Com efeito, a sonegação do legislador ao não regulamentar expressamente o usufruto no tocante ao direito de empresa no atual código civil, deixa em aberto muitos aspectos de sua aplicação. Infelizmente, o mesmo caminho parece seguir a maior parte dos contratos sociais de sociedades limitadas. Essas duas situações tendem a trazer um cenário nebuloso que poderá ensejar diversos conflitos no decorrer da atividade empresária.

Nesse sentido, mostra-se indispensável a construção e formalização do instrumento de  usufruto de quota da sociedade limitada, englobando de forma clara os direitos e deveres do nu-proprietário e do usufrutuário, principalmente no que diz respeito ao exercício do voto, o modo de seu exercício e os seus limites e consequências. 

Assim, conclui-se que o usufruto de quota é uma excelente ferramenta para fomento da atividade empresarial, desde que seja observado o cenário concreto de cada sociedade empresária, construindo cláusulas que atendam os interesses dos contraentes da forma mais satisfatória, porém, sempre com o olhar voltado para a melhor segurança jurídica e para a maior proteção da sociedade e de seus sócios.

_____________

1 BARBOSA, Henrique Cunha. Usufruto societário. Polêmicas e a importância da visão sistêmica e do bom regramento do instituto. In: BOTREL, Sérgio (Coord.). Direito societário: análise crítica. São Paulo: Saraiva, 2012. 

2 FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Manual do planejamento patrimonial das relações afetivas e sucessórios. 3 ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2022. 

3 BARBOSA, Henrique Cunha. Apontamentos sobre o usufruto de cotas de fundos de investimento. In Direito Societário – Análise Crítica. BOTREL, Sérgio (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2012.

João Barreto
Pós-Graduado em Advocacia Empresarial PUC/MG. Graduado pela Faculdade Baiana de Direito e Gestão. Sócio do escritório Anjos & Barreto Advogados Associados.

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