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O Direito Empresarial em xeque e a “nova lei de falência”

Não se pretende esgotar esse assunto falimentar com a exposição de motivos desse texto, mas sim aguçar o senso crítico no tocante à temática contemporânea.

16/8/2023

Inicialmente, faz-se mister argumentar que, com a criação das sociedades, iniciou-se a prestação de serviços, a troca de mercadorias e a produção de artefatos, gerando o intercâmbio de valores interpessoais. Nessa toada, com a massificação da comercialização rotineira, implementou-se os a fixação de estabelecimentos, com o intuito de vender e receber bens e valores, positivando a concepção arcaica empresarial, no sentido lato sensu. Nesse viés, pode-se considerar que a primeira fase do direito empresarial, propriamente dita, iniciou-se na Idade Média, pautando-se no direito costumeiro, advindo da atividade mercantil, sem nenhuma participação do Estado (fase subjetiva ou corporativa). Todavia, com a chegada da Idade Moderna, houve a necessidade de tipificar atos de comércio, regularizando as atividades, com a finalidade de fiscalização e controle das relações mercantis. Nessa toada, em 1808, surgiu o Code Commerce francês, criado por Napoleão Bonaparte, abandonando o subjetivismo da primeira fase, gerando grandes mudanças no Direito Civil e, especificamente, no Direito falimentar. Segundo ensina RAMOS (2013, p. 565), “A mudança que o Code de Commerce de Napoleão trouxe para o direito comercial atingiu, consequentemente, o Direito falimentar, que passou a constituir um conjunto de regras especiais, aplicáveis restritivamente aos devedores insolventes que revestiam a qualidade de comerciantes. Para o devedor insolvente de natureza civil, não se aplicavam as regras do Direito falimentar, mas as disposições constantes do regime jurídico geral, qual seja, o Direito Civil”.

Após toda a tratativa a respeito das fases iniciais do Direito comercial, ainda havia uma necessidade de proteger a empresa como uma instituição geradora de lucros e prestadora de serviços. Destarte, instituiu-se o Código Civil Italiano de 1942, que estabelecia a primazia da atividade da empresa na classificação e suas decorrências inerentes a atividade produtiva. Destarte, trazendo a tratativa para o Brasil, o artigo 966 do Código Civil de 2002 considerou o empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Nessa linha, chega-se à conclusão de que, mesmo não sendo registrada na junta Comercial, ainda assim, pode ser considerada empresa se exercer alguma atividade positivada no código.

Após toda a tratativa sobre as fases empresariais e a criação de uma empresa e empresário, faz-se necessário descortinar a repercussão dos constantes desafios de se gerar lucro em uma empresa iniciante e também a luta diária de manutenção de empregos, atendendo com eficiência o cliente final. Por conseguinte, é de suma importância compreender que, às vezes, o desejado sucesso pode ser contraposto a uma crise financeira com necessidade de intervenção judicial para evitar perecimento de direito. Diante da explanação, inicia-se a sistemática contemporânea da falência e da recuperação judicial, estipuladas na Constituição Federal de 1988 (CRFB/88) e nas leis esparsas de suma importância. Nesse sentido, inicialmente, a Lei Maior promulgou os direitos a livre iniciativa, a busca do pleno emprego; o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, constituídas sob as leis brasileiras, sendo um marco para o direito empresarial. Nessa linha de argumentação, para complementar a tratativa, foi criada a lei da falência e recuperação judicial, excluindo empresas públicas, sociedades de economia mista, cooperativas, seguradoras, concessionárias, entre outras.

Além disso, quando se trata sobre as normas infraconstitucionais, faz-se mister argumentar sobre a importância da utilização do Novo Código de Processo Civil (NCPC) de forma subsidiária e compatível com a lei específica da falência (lei 11.101/05). Ou seja, por ser considerada uma matéria abrangente, há imperiosa necessidade de segurança jurídica para evitar lacunas e hermenêuticas sem razoabilidade. Segundo o artigo 189 º, “Aplica-se, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei, o disposto na lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), desde que não seja incompatível com os princípios desta Lei” Para finalizar a externalização relativa ao Direito falimentar, com as suas decorrências e sujeições, é imprescindível discutir sobre a atuação dos princípios intrínsecos e extrínsecos da Constituição, focando no neoconstitucionalismo da contemporaneidade. Explicando melhor, pode-se citar o princípio da solvabilidade jurídica, no qual há a mínima presunção que o empresário ou empresa arcarão com as respectivas dívidas. Consequentemente, o Estado atuará como administrador e árbitro, em último caso, tentando reestabelecer a viabilidade empresarial. Ainda há o princípio da função social da empresa, com a concretização de uma multiplicidade objetiva e subjetiva, englobando empregados, matéria prima, consumidores e estabelecimentos. Finalmente, o princípio da viabilidade ou preservação da empresa pactua com o ideal constitucional da livre iniciativa e da proteção ao trabalho, tratando tratar com isonomia e dignidade tanto empresários como credores.

Todavia, de acordo com a lei da falência e da recuperação judicial, não podem ser abrangidos por esta lei as empresas públicas (EP) e as sociedades de economia mista (SEM), as concessionárias, as seguradoras, as empresas que atuam com previdência complementar, as instituições financeiras, entre outras. Nessa perspectiva, a explicação legislativa dessa exclusão se deve ao fato da necessidade de manutenção e continuidade dessas instituições, que, na sua falta, trariam uma espécie de caos socioeconômico. Entretanto, para muitos juristas, o artigo 2º dessa determinada lei tem cunho inconstitucional, pois a CRFB/88 descreve que, apesar do apoio público às EP e SEM, tem competência para julgar suas tratativas à justiça falimentar Federal e estadual, em casos pontuais.

Outro ponto de suma importância, que encontra divergência na doutrina, é o tipo de competência, uma vez que muito acreditam ser territorial, devido a relatividade e a capacidade de prorrogação processual. Contudo, outros acreditam ter cunho absoluto, devido a materialidade do assunto na Carta Magna de 1988 e nas leis infraconstitucionais. Para complementar, o artigo 3º da lei 11.101 institui que “ É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil”. 

Diante do exposto, não se pretende esgotar esse assunto falimentar com a exposição de motivos desse texto, mas sim aguçar o senso crítico no tocante à temática contemporânea. Todavia, apesar de toda a evolução normativa do direito empresarial, percebe-se que a atividade empresarial evolui rapidamente, de acordo com as transformações oriundas da sociedade. Ou seja, cada vez mais, a interpretação eficiente do poder judiciário se transforma em uma necessidade nos casos de falência e de recuperação judicial. Segundo o escritor Bernard shaw, “cada um de nós pode se ver atirando amanhã, pelos acasos do comércio, na classe pequena, mas crescente dos milionários”. 

Joseane de Menezes Condé
Pós Graduação em Direito Constitucional Damásio ,Discente de Direito Anhanguera, estagiária do TRT 15, coautora do Livro Direito do Trabalho- Impactos da pandemia e das Revistas Judiciais TRT

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