Migalhas de Peso

O INPI precisa ser tratado com carinho

O INPI vive uma série de crises crônicas com breves hiatos de sintomas mais agudos. É importante ressaltar que esse conjunto de crises já se estende por algumas décadas, embora se possa destacar a qualidade do corpo técnico e dos funcionários da autarquia em geral.

16/8/2023

Este artigo foi escrito em coautoria por dois docentes e causídicos que rivalizam ideias e ideais no contexto político-jurídico dos direitos intelectuais. A noção pluralista-propositiva é uma das saídas possíveis para lidar com o maniqueísmo e o sectarismo que o mundo viveu nas últimas décadas. Para tanto, a sobreposição de consensos dos autores resultou (a) em um mesmo diagnóstico; (b) propostas/soluções; e (c) caminhos para a viabilizar a conexão entre (a)=>(b).

Como qualquer ente público: o INPI tem seus problemas

A constatação vestibular é a de que o INPI vive uma série de crises crônicas com breves hiatos de sintomas mais agudos. É importante ressaltar que esse conjunto de crises já se estende por algumas décadas, embora se possa destacar a qualidade do corpo técnico e dos funcionários da autarquia em geral.

Como exemplos de tal diagnóstico, pontua-se: (a.1) o sítio virtual não costuma funcionar a contento às terças-feiras, data da publicação da revista da Propriedade Industrial. Explicações oficiais denotam que tal se dá pelo acúmulo de acessos ao portal, sobrecarregando a estrutura cibernética.

Ainda, (a.2) há considerável déficit de pessoal na autarquia, tal como constatado na decisão do STF da ADI 5529 (min. Dias Toffoli, DOU 12/5/21) e na auditoria do TCU 015.369/19-6 (min. Vital do Rêgo, DOU 25/5/20). Por melhor que seja o nível técnico dos servidores/pesquisadores (e eles são, mesmo, vocacionados e excelentes!), é impossível – nas condições hodiernas – manter a qualidade dos exames e, ao mesmo tempo, conceder todas as audiências solicitadas pelos procuradores e ainda diminuir o estoque acumulado dos processos administrativos; e (a.3) tem havido exonerações e aposentadorias precoces de alguns dos servidores mais experientes do INPI. Com subsídios defasados e contínua pressão dos diversos atores por melhorias no sistema burocrático da propriedade industrial, não há serenidade em se laborar em tais condições. A vocação para o serviço público não deve ser confundida com heroísmo, perpassar ordálios ou demandar a prática digna de um faquir.

A sanatória não demanda milagres ou um anjo vingador

Costuma-se citar H. L. Mencken para dizer que todo problema complexo tem uma solução simples, fácil e errada1. O problema das crises crônicas do INPI é, sem dúvidas, complexo, e não há como esperar uma solução única. Todavia, sem prejuízo de medidas adicionais de diferentes naturezas, é possível vislumbrar algumas ações para movimentar  a Autarquia na direção correta, em relação às quais um consenso não é apenas possível, mas bastante esperado.

Nesse sentido, as (b) propostas consensuais de minimização dos problemas são relativamente intuitivas, não exigindo raciocínios sofisticados ou a genialidade típica aos laureados pelo Nobel. Factualmente, (b.1) o sistema informático do INPI precisa ser aprimorado. Os Poderes Judiciário e Legislativo têm demandas de administrados/jurisdicionados em igual ou maior quantitativo, e seus sítios funcionam com mais regularidade e qualidade do que se vê na referida autarquia do Poder Executivo Federal. Não é preciso inventar a roda ou contar com prometeu2 para trazer as chamas do Olimpo: imitar iniciativas bem-sucedidas dos demais ramos dos Poderes da República é um belo começo.

É (b.2) correta a iniciativa da ministra de Estado Esther Dweck, publicada na portaria MGI 2.854 (DOU 16/6/23), que autorizou o certame para cento e vinte vagas para o INPI. Definitivamente, tal quantitativo serve para minimizar as perdas de servidores dos anos em que não houve a admissão de novos funcionários. Entretanto, é insuficiente para destinar à autarquia número adequado de profissionais, mesmo porque a tecnicidade de seus exames demanda um tempo considerável de treinamento aos ingressantes – ao menos para que atinjam um nível ótimo do binômio produtividade/rigor. Não existem atalhos para a correta curva de aprendizado mostrar resultados. Oxalá haja novo certame com igual ou maior número de vagas para o ano vindouro.

Os (b.3) servidores do INPI precisam ser ouvidos – eles são parte fundamental da solução! Para além de um plano de carreira que sirva de estímulo (econômico/prestígio/formação continuada) à permanência de tais profissionais, poucos conhecem mais os detalhes/vícios/virtudes estruturais da autarquia do que quem passou a vida lá dentro. Provavelmente terão propostas de vicissitudes complementares àquelas feitas por acadêmicos e utentes do sistema da propriedade industrial. Quais políticas de Estado pertinentes à Propriedade Intelectual já foram implementadas no Brasil desde a redemocratização? Quantas delas tomaram como premissa a atenção às demandas dos servidores?!

Para além das críticas: caminhos

Como é típico da vida adulta no ambiente capitalista, tanto os problemas (a) quanto (b) soluções que atingem o INPI têm alguma correlação o estrangulamento do orçamento público. Nas últimas décadas, presidentes e diretores do INPI com as mais diversas formações e propostas não conseguiram implementar as revoluções que beneficiariam a autarquia. Não se trata de falta de talento, vontade ou trabalho; pois os vícios autárquicos não são personalistas, mas estruturais.

Todas as propostas (b) supra demandam maior gasto financeiro. Como se sabe, a arrecadação do INPI lhe garante a rara pecha de autarquia superavitária no Brasil. De outro lado, uma vez percebidos os créditos, o montante é disponibilizado ao tesouro e não há vinculação do preço público à qualidade do serviço prestado. A lucratividade do INPI é usada pela União para lidar com o déficit de outros setores/pessoas jurídicas de direito público, não havendo qualquer indicativo de que se pretende abrir mão de tais mais-valias em outras prioridades.

Logo, três são as trajetórias possíveis, na manutenção do status quo jurídico (ou seja, sem a reforma administrativa do próprio INPI). A primeira (c.1) é de cunho estático, cuidando do aumento imediato dos preços públicos cobrados. Mesmo em comparação com outros países do BRICS, o que é cobrado pelo INPI é demasiadamente barato. Não há como se justificar o preço de R$70,003 para um depósito de patente, ou de R$142,004 para um pedido de marca (ambos com desconto). Há formas mais eficientes de subsidiar os administrados, especialmente as macroempresas. Se a proposta de um aumento real do preço público parece pouco simpática ao princípio da modicidade, ou pode ser estereotipada como solução de “aristocrata”, não haveria problema em: (c.1.i) estabelecer faixas progressivas de preços, tal como se faz no imposto de renda (princípio da capacidade contributiva); e/ou (c.2.ii) organizar um financiamento próprio do BNDES ou correlato para não estabelecer ilegítimas barreiras à entrada para os hipossuficientes.

A segunda (c.2) é de matiz dinâmica, tratando do aumento da demanda jungida à elevação de eficiência da autarquia. Em décadas de exercício da advocacia da propriedade intelectual, ao menos em um perfil heurístico, os autores notam que os utentes finais do serviço estão mais preocupados com: (i) a demora da resposta autárquica, (ii) com a obsolescência da tecnologia no meio do caminho, ou (iii) com a falta de investidores pela insegurança jurídica – do que, propriamente, com o preço público. Parece intuitivo que a melhoria estrutural atrairia depositantes de pleitos registrais/de concessão que podem ter optado por fugir do Brasil como destinatário, ou preferido o sistema de segredos como resposta. Com a majoração da demanda, aumentar-se-á a receita.

A terceira (c.3) seria finalmente concretizar a possibilidade aberta pelo legislador no art. 239 da lei 9.279/96, que autoriza ao Executivo promover as mudanças necessárias para assegurar a autonomia financeira do INPI. Adicionalmente, busca-se dar efetividade ao art. 3º da lei 5.648/70, que integra ao patrimônio da autarquia a “receita advinda da execução de seus serviços e [os] recursos orçamentários da União a ela destinados”. Em resumo, o objetivo é facultar ao INPI a gestão de suas receitas, permitindo-lhe livrar as mãos do proverbial pires e tomar as rédeas das próprias finanças. Vale lembrar que a natureza das retribuições cobradas pelo INPI foi fixada como sendo de preço público pelo STF no julgamento da ADI 3.863/DF (Min. Edson Fachin, DJE, 05.10.2018), não comportando, pois, seu uso para custeio genérico das despesas do Estado como se impostos fossem.

É importante mencionar que, em 8/8/23, a Câmara aprovou o PLP 143/19, que proíbe a limitação da execução de recursos destinados ao INPI na lei orçamentária anual. Agora, a matéria segue para o Senado, enviando um sinal claro de que o Congresso Nacional reconheceu a importância de assegurar recursos ao INPI e possibilitar uma gestão mais ampla de suas finanças.

Por fim, (c.4) há uma saída – complementar – que independe das complexidades da legislatura. Na renomada Ação Civil Pública julgada pela 31ª VFRJ (ACP 5095710-55.2021.4.02.5101), a sentença da culta mestra e juíza Federal Caroline Tauk julgou procedentes os pleitos condenatórios à União e ao INPI para sanear os problemas estruturais que afligem a autarquia e seus administrados. Na minuciosa decisão, o Órgão Judicial fixou prazo para que os réus apresentassem: (i) um relatório do diagnóstico das falhas administrativas; e (ii) seguido de medidas a serem progressivamente adotadas para as melhorias.

Nota-se, aliás, que a metodologia de cumprimento da referida sentença é acorde à moldura hermenêutica fixada pelo pretório excelso na repercussão geral (Tema 698) do RE 684.612 (min. Roberto Barroso, DJE 11/7/23). Ou seja, a “intervenção” judicial se deu em virtude de graves deficiências que atingem direitos fundamentais (art. 5º, XXIX, da CRFB); e estipulou medidas a serem alcançadas, deixando ao critério da administração como fazê-lo. Uma transação judicial ou mesmo o reconhecimento da procedência dos pedidos, poderá marcar uma nova fase próspera à autarquia.

Afinal, se o INPI for exitoso em tal demanda, quem mesmo se saíra vencedor da manutenção das condições atuais? Como entidade protagonista do desenvolvimento econômico, tecnológico e nacional o INPI merece respeito, carinho e a atenção de todos nós.

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1 No original, menos impactante que a versão popularizada do adágio: “Explanations exist; they have existed for all time; there is always a well-known solution to every human problem — neat, plausible, and wrong”. MENCKEN, H. L. The Divine Afflatus. New York Evening Mail, Nova Iorque, 16 nov. 1917.

2 ÉSQUILO. Prometeu acorrentado e A trilogia de Orestes. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2021.

3 Dado disponível em https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/tabelas-de-retribuicao/tabela-patentes.pdf

4 Informação em: https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/tabelas-de-retribuicao/tabela-marcas.pdf

Pedro Marcos Nunes Barbosa
Sócio de Denis Borges Barbosa Advogados. Cursou seu Estágio Pós-Doutoral junto ao Departamento de Direito Civil da USP. Doutor em Direito Comercial pela USP, Mestre em Direito Civil pela UERJ e Especialista em Propriedade Intelectual pela PUC-Rio.

Rodrigo Souto Maior
Professor da Especialização em Direito da Propriedade Intelectual da PUCRio & Sócio de Licks Attorneys. Mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da UERJ e LL.M. em Propriedade Intelectual pela George Washington University Law School.

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