Na última semana, um acontecimento chocou o mundo: o submarino Titan, pertencente à empresa Ocean Gates, desapareceu no Oceano Atlântico, próximo a Newfoundland, no Canadá. Sua missão era explorar os destroços do icônico Titanic, que naufragou há mais de 111 anos, a uma profundidade de 3.800 metros no fundo do mar.1
O desaparecimento do submarino chamou a atenção da mídia mundial pelo fato de os detalhes serem incomuns e gerarem curiosidade e inúmeras especulações. Estavam a bordo 5 homens que concordaram em fazer uma viagem em uma cápsula com espaço reduzido, com uma pequena janela, vedada por 7 parafusos, além do curto tempo para o resgate, devido ao limitado estoque de oxigênio.
Diante de toda essa repercussão, surgiram algumas questões jurídicas interessantes para profissionais e estudantes de direito: O submersível precisava da autorização de algum Estado para navegar próximo ao Titanic? Além do passeio, seria necessária autorização para explorar comercialmente o monumento do Titanic? Qual a jurisdição do local onde ocorreu a implosão?
Jurisdição e o Naufrágio do Titanic
Antes de discutirmos essas questões, é importante destacar os embates já existentes diante do famoso naufrágio. O Titanic afundou aproximadamente 600 quilômetros da costa de Newfoundland, no Canadá, zona considerada alto-mar e, portanto, está em águas em que nenhum Estado exerce jurisdição.
Ocorre que, dentro das 12 milhas náuticas da linha costeira do território estatal, encontra-se o mar territorial, onde o Estado possui total soberania, de acordo com o artigo 2º da Convenção de Montego Bay.2 Em outras palavras, essa faixa de água faz parte do território do Estado. Nas 12 milhas seguintes, temos a zona contígua, onde o Estado pode exercer fiscalização para reprimir e evitar infrações que possam ocorrer em seu território, embora essa faixa de água seja considerada alto-mar. Após as 24 milhas náuticas da linha costeira do território estatal, nenhum Estado exerce jurisdição.
Levando em consideração que o Titanic afundou além das 24 milhas náuticas da linha costeira do território estatal, onde nenhum Estado possui jurisdição, o submarino Titan poderia navegar nessas águas sem a necessidade de autorização governamental.3
Exploração Comercial do Titanic
Considerando que nenhum Estado exerce jurisdição sobre as águas do naufrágio do Titanic, a execução do submarino precisaria de autorização para, além do passeio, explorar comercialmente o monumento do navio naufragado?
Além dos conceitos mencionados, devemos levar em consideração a existência da Plataforma Continental, que caracteriza-se por ser uma extensão de terra que se inicia no litoral e vai até certa distância da costa, para além das águas territoriais. Esse conceito surgiu a partir do interesse dos Estados em explorar petróleo e gás no subsolo do oceano. Nesse sentido, quando o Titanic foi descoberto por uma expedição liderada pelo francês Jean Luc Michel e pelo norte-americano Robert Ballard, 73 anos após o seu naufrágio, considerou-se que ele estava localizado no sítio arqueológico da plataforma continental jurídica do Canadá.4
Contudo, o fato de o Titanic estar submerso em uma plataforma jurídica do Canadá não afeta os passeios e a exploração do local, pois o Canadá exerce soberania apenas sobre os recursos naturais, conforme estabelecido no artigo 77 da Convenção de Montego Bay.5 Conclui-se, portanto, que o submarino da Ocean Gate, quando realizou expedição em 2023, não tinha autorização de nenhum país e tampouco necessitava.
No campo privado, após inúmeras expedições comerciais de diferentes partes do mundo, ficou determinado que a empresa RMS Titanic, Inc. deteria o direito exclusivo de exploração. Logo, em caso de exploração comercial, seria necessário obter autorização dessa empresa para realizar o resgate ou explorar objetos do Titanic.
Tragédia em Alto-Mar: O Naufrágio do Navio de Imigrantes
Além disso, na mesma semana em que ocorreu o desaparecimento do submarino, ocorreu o naufrágio de um navio de imigrantes, o qual também suscita pontos relevantes para o Direito Internacional. Ainda que exista a liberdade em alto-mar (sem exercício de jurisdição), esta liberdade está sujeita a regras relacionadas à segurança e repressão dos delitos internacionais, como a pirataria e o tráfico de pessoas.6 A Guarda Costeira grega, alegou não ter interferido no ocorrido por não ter jurisdição sobre a embarcação, argumentando que, pelo seu entendimento, nenhum crime estava sendo cometido a bordo. No entanto, a organizações não-governamentais (ONGs) acusam o governo da Grécia de negligência, levando em consideração os conceitos aqui mencionados anteriormente, o conhecimento do ocorrido e a clara evidência de tráfico humano.7
Tanto o caso do Ocean Gate, com o desaparecimento do submarino Titan, quanto o naufrágio do navio de imigrantes levantam questões relevantes no âmbito do Direito Internacional. Embora sejam eventos distintos, eles demonstram a importância da regulamentação legal e da cooperação entre os Estados para lidar com situações que ocorrem em alto-mar.
Em ambos os casos, a jurisdição marítima é um fator crucial, de modo que a delimitação tratada pelo direito do mar tem impacto direto na repercussão jurídica e econômica dos acontecimentos. O fato de o submarino estar operando em uma área considerada alto-mar, onde nenhum Estado exerce jurisdição direta, por exemplo, levanta dúvidas sobre a aplicação das leis e regulamentos. Da mesma forma, o naufrágio do navio de imigrantes destaca a importância da segurança e da prevenção de crimes internacionais em alto-mar, evidenciando a necessidade de uma cooperação eficaz entre os Estados para garantir a segurança e proteção dos direitos humanos em situações envolvendo embarcações em águas internacionais.
A delimitação da jurisdição, a segurança marítima e a regulamentação da exploração comercial são aspectos cruciais que devem ser considerados para garantir a aplicação adequada da lei e a proteção dos direitos envolvidos nessas circunstâncias.
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1 BBC NEWS MUNDO. Quem eram os 5 ocupantes do submarino em expedição ao Titanic. BBC News. Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cx9pprdn2zqo. Acesso em: 26 jun. 2023.
2 Art. 2. Regime jurídico do mar territorial, seu espaço aéreo sobrejacente, leito e subsolo. 1. A soberania do Estado costeiro estende-se além do seu território e das suas águas interiores e, no caso de Estado arquipélago, das suas águas arquipelágicas, a uma zona de mar adjacente designada pelo nome de mar territorial. 2. Esta soberania estende-se ao espaço aéreo sobrejacente ao mar territorial, bem como ao leito e ao subsolo deste mar. 3. A soberania sobre o mar territorial é exercida de conformidade com a presente Convenção e as demais normas de direito internacional.
3 MAZZUOLI, Valerio de O. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559645886. p.780. Acesso Restrito: Minha Biblioteca. Acesso em: 26 jun. 2023.
4 JORGE. Kamila Brochado. O CASO RMS TITANIC. Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Faculdade de Direito. Trabalho de Conclusão de Curso. Especialização em Direito Internacional Público e Privado. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/178728. Acesso em: 27 jun. 2023.
5 ARTIGO 77. Direitos do Estado costeiro sobre a plataforma continental. 1. O Estado costeiro exerce direitos de soberania sobre a plataforma continental para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais.
6 MAZZUOLI, 2023, 782.
7 BELCHIOR, 2023.
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BBC NEWS MUNDO. Quem eram os 5 ocupantes do submarino em expedição ao Titanic. BBC News. Brasil.
MAZZUOLI, Valerio de O. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559645886.
JORGE. Kamila Brochado. O CASO RMS TITANIC. Universidade Federal do Rio Grande do Sul Faculdade de Direito. Trabalho de Conclusão de Curso. Especialização em Direito Internacional Público e Privado.
NOLASCO, Leonardo R. A “vaidade” de Chernobyl e Titanic no Mundo Jurídico. Direito News.
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR. [Convenção de Montego Bay (1990)]. Decreto nº 99.165, de 12 de Março de 1990. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1990/decreto-99165-12-marco-1990-328535-publicacaooriginal-1-pe.html.