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O direito do adolescente infrator ser interrogado ao final da instrução - Aplicação supletiva do art. 400 CPP

Os processos com instrução encerrada após 3/3/16, será aplicada regra geral para o acolhimento de tese de nulidade, sendo “necessário que a defesa a aponte em momento processual oportuno, quando o prejuízo à parte é identificável por mero raciocínio jurídico, por inobservância do direito à autodefesa”.

11/8/2023

Nas varas de infância e juventude, o depoimento da criança e adolescente ocorria na audiência de apresentação, sustentado em jurisprudência que, fundamentado na previsão do art. 184 do ECRIAD, afirmava não configurar nulidade a oitiva do adolescente ser o primeiro ato no procedimento de apuração de ato infracional.

Em recente julgado, proferido pelo STF no HC n. 127.900/AM, de relatoria do ministro Dias Toffoli, firmou o novo entendimento de que o interrogatório do adolescente deve ser o último ato da instrução processual, assim como realizado nos processos criminais nos moldes do art. 400 do CPP. Assim, o entendimento firmado no HC 127.900/AM, tem “sob o fundamento de que o menor de 18 anos deve ser ouvido após a instrução probatória, pois não pode receber tratamento mais gravoso do que aquele conferido ao adulto. (AgRg no HC 772.228/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe de 9/3/2023)” (STJ, 2023).

A alteração traz importante garantia à criança e adolescente em conflito com a lei, pois, anteriormente já na audiência de apresentação do adolescente, era possível a imposição de medidas socioeducativas, o que configurava um grande ônus aos direitos e garantia à sua liberdade. Dessa maneira, ao reconhecer a aplicação supletiva do art. 400 do CPP nos interrogatórios de adolescentes em processos por atos infracionais, há o reconhecimento também da oitiva ser um meio de defesa, assim, sendo necessário ser o último ato da instrução.  A partir de agora, o novo paradigma veda a atividade probatória na audiência de apresentação, e a “eventual colheita de confissão nessa oportunidade não poderá, de per se, lastrear a procedência da representação” (STJ, 2023).

Isto porque, na audiência de apresentação, em que é obrigatória a apresentação do adolescente, era comum com a colheita da oitiva do adolescente, sem sequer ocorrer a colheita de outros depoimentos, também ocorrer a aplicação da remissão cumulada com outras medidas, como a advertência prevista no art. 127 do ECRIAD. Instituto este que constitui caráter sancionatório (art. 115 do ECRIAD), assim presumindo como verdadeiro os fatos contidos no processo de ato infracional, apenas com a oitiva do adolescente, o que violava os princípios gerais do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente diante da ausência da garantia do devido processo legal e o princípio do contraditório.

A nova ordem na produção de provas “[...] preserva os direitos e as garantias dos adolescentes, os quais não podem ser tratados como mero objetos da atividade sancionadora estatal (art. 100, parágrafo único, I, do ECA)” (STJ, 2023). Dessa maneira, a nova ordem de colheita de oitiva do adolescente, vai ao encontro da garantia constitucional prevista no art. 5°, LV, da CF, que assegura o direito ao contraditório e ampla defesa com os meios e os recursos a ela inerentes, aos acusados em geral. Nesse sentido, também é o art. 3° do ECRIAD que assegura aos adolescentes "todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata essa lei". O art. 110 do mesmo estatuto dispõe: "Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal".

Com o novo entendimento, a 3ª seção do STJ fixou as regras de modulação diante a alteração jurisprudencial, a fim de garantir a segurança jurídica das decisões judiciais. Portanto, determinou que: “Deve-se limitar os efeitos retrospectivos do julgado a partir de 3/3/16, data em que o tribunal pleno do STF, no julgamento do HC 127.900/AM, sinalizou que o art. 400 do CPP era aplicável aos ritos previstos em leis especiais”. (STJ, 2023).

Desse modo, para os processos com instrução encerrada após 3/3/16, será aplicada regra geral para o acolhimento de tese de nulidade, sendo “[...] necessário que a defesa a aponte em momento processual oportuno, quando o prejuízo à parte é identificável por mero raciocínio jurídico, por inobservância do direito à autodefesa”. (STJ, 2023).

Joyce Mazzoco do Nascimento
Advogada no escritório Peter Filho, Sodré, Rebouças & Sardenberg - Advocacia. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), mestranda em Ciências Sociais com foco em Antropologia pela UFES, pesquisadora vinculada ao NEAB/UFES, pós-graduanda em Direito Administrativo pela FAVENI, integrante da Associação Nacional da Advocacia Negra (ANAN) e membra da Comissão da Mulher da 17 ª Subseção da OAB/ES.

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