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A (i)legalidade da cobrança de tarifa mínima de água em condomínios com um único hidrômetro

Afinal, é permitida a cobrança de uma tarifa mínima de água em condomínios que possuem um único hidrômetro?

8/8/2023

 1. RESUMO

1.1.Este artigo tem como objetivo analisar a (i)legalidade da cobrança de tarifa mínima de água em condomínios que possuem apenas um hidrômetro para todo o empreendimento. Será apresentada uma análise dos aspectos legais que envolvem essa cobrança, discutindo a sua legalidade à luz da legislação vigente e dos princípios do direito do consumidor. Serão abordados também os possíveis argumentos utilizados pelas concessionárias de água para justificar a cobrança e as recentes decisões judiciais sobre o tema. Ao final, será apresentada uma conclusão acerca da ilegalidade ou não dessa prática.

2. INTRODUÇÃO

2.1.O abastecimento de água é um serviço essencial para a vida em condomínios e para a população em geral. No estado de São Paulo, a SABESP é a empresa responsável por fornecer esse serviço público. No entanto, é comum que condomínios recebam cobranças de tarifa mínima de água, independentemente do consumo efetivo dos moradores. Esta prática tem gerado questionamentos acerca de sua legalidade, especialmente quando os moradores consomem quantidades de água abaixo da tarifa mínima estabelecida.

3. FUNDAMENTOS LEGAIS

3.1.O direito à água é reconhecido como um direito fundamental, sendo dever do Estado garantir o acesso a esse recurso essencial para a vida humana. A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 23, inciso IX, a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para promover a proteção ao meio ambiente, incluindo o saneamento básico, o que inclui o fornecimento de água.

3.2.Ademais, a lei 11.445/07, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, prevê que os serviços de abastecimento de água devem ser prestados de forma eficiente e sustentável, respeitando os princípios da universalização, integralidade e equidade.

3.3.Nesse sentido, não parece adequado que os condomínios sejam submetidos a uma tarifa mínima de água, independentemente do consumo efetivo, pois tal medida pode não estar em consonância com os princípios mencionados.

4. A ALEGAÇÃO DAS CONCESSIONÁRIAS

4.1.As concessionárias de água, como a SABESP, podem alegar que a cobrança de uma tarifa mínima é necessária para garantir a sustentabilidade do serviço e a manutenção da infraestrutura necessária para atender a toda a população. Argumentam que, ao estabelecer uma tarifa mínima, conseguem arcar com os custos fixos do sistema, independentemente do consumo efetivo.

5.DECISÕES JUDICIAIS SOBRE O TEMA

5.1.No Estado de São Paulo, há décadas a SABESP tem cobrado as tarifas de água de condomínios que possuem um único hidrômetro mediante a multiplicação da tarifa mínima pelo número de economias (unidades) do prédio. Isso, a despeito do medidor aferir o real volume de água consumido no condomínio e permitir a cobrança de acordo com esse consumo real.

5.2.Essa é uma prática antiga da SABESP e de outras concessionárias pelo Brasil, que resultou em uma infinidade de ações judiciais no território nacional nas últimas duas décadas.

5.3.O STJ decidiu pela ilegalidade dessa prática em definitivo, no julgamento do recurso especial nº 1.166.561/RJ (tema 414), na sessão de 25.08.2010, tendo sido o acórdão com a tese publicado em 05.10.2010, veja-se:

“RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. FORNECIMENTO DE ÁGUA. TARIFA MÍNIMA MULTIPLICADA PELO NÚMERO DE UNIDADES AUTÔNOMAS (ECONOMIAS). EXISTÊNCIA DE ÚNICO HIDRÔMETRO NO CONDOMÍNIO. 1. A cobrança pelo fornecimento de água aos condomínios em que o consumo total de água é medido por único hidrômetro deve se dar pelo consumo real aferido. 2. O Superior Tribunal de Justiça firmou já entendimento de não ser lícita a cobrança de tarifa de água no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de economias existentes no imóvel, quando houver único hidrômetro no local. 3. Recurso especial improvido. Acórdão sujeito ao procedimento do artigo 543-C do Código de Processo Civil.” (STJ - REsp: 1166561 RJ 2009/0224998-4, Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Data de Julgamento: 25/08/2010, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 05/10/2010 RB vol. 564 p. 30 RDTJRJ vol. 103 p. 144 RJP vol. 36 p. 117 RSTJ vol. 220 p. 130 RT vol. 907 p. 597)

5.4.Na ocasião, o STJ consolidou o entendimento de que nos condomínios cujo consumo total é apurado por único hidrômetro, a cobrança deveria ser feita com base no volume efetivamente aferido no medidor, ou seja, de acordo com o consumo real apurado.

5.5.Assim, foi declarada a ilegalidade da cobrança por meio da multiplicação da tarifa mínima pelo número de unidades do prédio, que onera em demasia o consumidor e confere vantagem indevida à concessionária.

5.6.Sucede que, ainda que essa prática já tenha sido declarada ilegal pelo Superior Tribunal de Justiça, a SABESP – e outras concessionárias - continuam adotando essa forma de cálculo em condomínios que possuem um único hidrômetro. 

5.7.Recentemente, inclusive, a SABESP foi condenada a devolver os valores excedentes cobrados de um condomínio de Praia Grande/SP nos últimos 10 (dez) anos (https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2022/07/21/justica-determina-que-sabesp-devolva-valores-excedentes-de-tarifas-de-agua-e-esgoto-a-condominio-de-praia-grande-sp.ghtml).

5.8.De todo modo, fato é que no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo existem outras infinidades de ações recentes julgadas favoravelmente aos condomínios, vejamos:

“PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – ÁGUA – Ação de obrigação de fazer cumulada com repetição de indébito – Ilicitude da cobrança de tarifa de água no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de economias existentes no imóvel, quando houver único hidrômetro no local, devendo a cobrança pelo fornecimento de água aos condomínios nesse caso se dar pelo consumo real aferido – Resp. repetitivo nº1.166.561/RJ – Inaplicabilidade ao caso dos autos do Resp. repetitivo nº1113403/RJ – Determinação de reexame pela E. Presidência do TJSP –Sentença de procedência mantida. Honorários advocatícios de sucumbência – Cálculo com base no valor da condenação e não no da causa – Artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil – Recurso do autor provido. Recurso do autor provido e recurso da ré não provido.” (TJSP; Apelação Cível; Relator (a): Sá Moreira de Oliveira; Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XI - Pinheiros - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento:12/07/2021; Data de Registro: 13/07/2021) 

“PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - FORNECIMENTO DE ÁGUA - CONDOMÍNIO RESIDENCIAL - COBRANÇA COM BASE NO NÚMERO DE UNIDADES DE CONSUMO QUE SE RECONHECE ILEGAL - Ação de obrigação de fazer c.c. repetição do indébito e pedido de tutela de urgência - Condomínio residencial composto por unidades autônomas -Hidrômetro único - Suposta sujeição ao Decreto Estadual nº 41.446/96 - Impossibilidade de multiplicação do valor da tarifa mínima pelo número de economias - Recurso Especial Representativo de Controvérsia que consolidou a tese de que o faturamento deve ser procedido pelo volume real aferido, quando o condomínio for servido por apenas um hidrômetro ( REsp 1166561/RJ) - Necessidade de devolução do valor pago a maior, de forma simples, nos termos da sentença - Recurso improvido.” (TJ-SP - AC: 10100890220178260477 SP 1010089-02.2017.8.26.0477, Relator: José Augusto Genofre Martins, Data de Julgamento: 10/12/2019, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/12/2019). 

6.CONCLUSÃO

6.1. Diante do exposto, fica evidente a ilegalidade da cobrança de tarifa mínima de água em condomínios que possuem apenas um hidrômetro para todo o empreendimento. Essa prática viola os direitos dos consumidores, os princípios do direito do consumidor, a própria Constituição Federal e há tempos a ilegalidade está pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça.

6.2.Portanto, é recomendável que os condomínios que se sintam prejudicados por essa cobrança busquem orientação jurídica para avaliar a possibilidade de questionar a legalidade da tarifa mínima de água perante o Poder Judiciário, a fim de resguardar os seus direitos e garantir um acesso justo e sustentável a esse recurso essencial.

Thyago Garcia
Advogado, Sócio-Fundador do escritório "Garcia Advogados", Diretor da OAB/PG, pós-graduado em Direito do Trabalho e em Processo Civil pela Universidade Católica de Santos/UniSantos.

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