O substitutivo da PEC 45/19 aprovado pela Câmara dos Deputados deve ser revisto pelo Senado Federal.
Primeiramente, porque a proposta apresentada pelo relator da reforma tributária, Deputado Aguinaldo Ribeiro, não deu conhecimento prévio à população em geral do inteiro teor da proposta. Nem mesmo os Deputados tiveram conhecimento das “emendas aglutinativas” que foram sendo apresentadas durante a discussão da proposta.
Com tamanha rapidez impingida à proposta em discussão, tudo deixando para a lei complementar preencher os imensos vazios existentes, é natural que as imperfeições não tenham sido sanadas.
Em segundo lugar, a reforma aprovada pela Câmara fere de morte o princípio federativo.
O Estado Federal Brasileiro é o único no mundo com características peculiares inexistentes nos outros países de forma federativa, onde os municípios aparecem como meras circunscrições administrativas dos Estados ou das Províncias.
No Brasil a Federação foi formada de forma centrífuga, isto é, a partir da fragmentação das províncias, pelo que o poder central restou fortalecido, ao contrário dos Estados Unidos onde a federação foi formada de fora para dentro em um movimento centrípeto, razão pela qual os Estados lá mantêm a maior parcela de poder.
A nossa Federação é horizontalizada. União, Estados e Municípios são entidades políticas juridicamente pacificadas com previsão de suas atribuições privativas na Constituição Federal. Como se verifica dos artigos 21 e 22 da CF o poder da União é muito grande, disso resultando maior poder de tributação, fazendo com que a União fique com a maior parcela do bolo tributário.
Cada entidade política detém o seu poder tributário. Daí a discriminação de impostos (arts. 153, 155 e 156 da CF). Daí, também, o regime de partilha do produto de arrecadação do IPI/IR (art. 159 da CF) não só para compensar a maior fatia do bolo tributário que coube ao ente central, como também para socorrer os Estados e Municípios economicamente fracos (Norte, Nordeste e Centro-Oeste).
Sem ter em vista essas características de um País de dimensão continental (5º maior país em termos de extensão territorial), e a peculiaridade de nossa Federação que torna inadequado qualquer modelo tributário importado, notadamente, da Europa, não se pode projetar uma reforma tributária de forma válida.
O sistema tributário é um microssistema jurídico inserto dentro do Sistema Jurídico Global que é a Constituição.
Nenhum ramo do Direito acha-se tão imbricado com o Direito Constitucional como o Direito Tributário. São inúmeros os princípios constitucionais tributários, todos protegidos por cláusula pétrea, que limitam o poder de tributar.
O Sistema Tributário há de harmonizar-se com os princípios constitucionais tributários.
Na proposta aprovada pela Câmara faltou a mão do jurista para ajustar a reforma ao figurino constitucional.
O tipo do imposto previsto sob o nome de IBS, com a não-cumulatividade plena, não é adequado para o setor de serviços, onde não há etapas de prestação de serviços, como acontece no setor industrial e no setor comercial, onde há no mínimo três etapas de circulação desde a fonte produtora até o consumidor final. Tratar igualmente setores diferentes é afrontar o princípio da isonomia tributária.
Por isso esse setor deve ficar de fora da reforma tributária, continuando os municípios com o ISS na forma vigente.
Com isso se corrigiria a terrível distorção que o IBS causa na área de serviços que representa 70% do PIB, de um lado, e de outro lado haveria respeito ao princípio federativo protegido em nível de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I da CF). Arruinar o único setor da economia que está dando certo não é o caminho.
Deixando o Município fora dessa reforma, o Estado teria a sua competência privativa preservada. A estranha e complexa figura do Conselho Federativo, problemático desde a sua composição até a sua operacionalização em regime de condomínio Estados/Municípios, igualmente, desapareceria.
Assim as sociedades de profissões legalmente regulamentadas continuariam com o regime especial de tributação previsto pelo Decreto-lei nº 406/68, recepcionado pela Constituição de 1988, respeitando-se o escopo político-social relevante dessas sociedades reconhecido pelo legislador de 1968.
Outra alternativa seria submeter o IBS à tributação pelas três entidades políticas, porém, fixando para os Municípios uma alíquota máxima de 5% que vigora no sistema atual e que vem propiciando arrecadação suficiente.
Isso simplificaria o sistema tributário para os contribuintes que passariam a lidar com um único imposto com o mesmo fato gerador, a mesma base de cálculo e os mesmos contribuintes.
Por fim, o IBS deve-se denominar Imposto Sobre Circulação de Bens e Serviços, a fim de aproveitar o conceito de Circulação de Mercadorias (ICMS) que levou exatos 23 anos para o STF fixar definitivamente o seu conceito no sentido de circulação jurídica, isto é, uma operação mercantil que envolve mudança de propriedade ou de posse.