Migalhas de Peso

Do direito de uso do nome social e acesso a banheiro aos empregados transgêneros

Todas as alterações podem ser realizadas, mediante solicitação do(a) empregado(a), tanto para uso do nome social quanto para o uso de banheiro.

5/8/2023

Nome social é aquele adotado pelo indivíduo e que pretende ser por ele tratado.

O uso do nome social possui proteção legal, logo, desrespeitar esse direito pode ser considerado crime, sujeito à aplicação de pena. Para isso, entretanto, é necessária a denúncia do ato pela vítima.

Quais leis garantem o uso do nome social?

A primeira lei a defender este Direito, ainda que indiretamente, é a Constituição Federal de 1988. Isso porque, essa legislação traz o conceito da dignidade do ser humano e o respeito às diferenças.

E registra-se que a partir de 2009, os estados da federação passaram a instituir regramentos.

Qual lei federal garante esse direito?

No âmbito federal, no entanto, as mudanças demoraram um pouco mais para acontecer. A primeira Portaria que estabelece direitos de pessoas transexuais e travestis é a Portaria 233 de 18/5/10 que estabelece que:

Fica assegurado aos servidores públicos, no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, o uso do nome social adotado por travestis e transexuais.

Assim, institui-se o “nome social” em âmbito nacional para servidores públicos. Os seguintes entes federativos também contam com legislações que garantem esse Direito: Piauí, São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul.

Como realizar a alteração para utilização do nome social?

É dever do empregador assegurar a ampla possibilidade do uso do nome social às pessoas trans, travestis e transexuais, nos seus registros funcionais, sistemas e documentos, para a prestação de serviços em seu favor e no ambiente de trabalho.

Esse foi o entendimento da juíza substituta da 3ª Vara do Trabalho de São Paulo, Fórum da Zona Leste, Rhiane Zeferino Goulart, ao condenar uma empresa de telemarketing a pagar indenização de danos morais a empregado transgênero por não o autorizar a usar o nome social nos sistemas corporativos.

Segundo os autos, os colegas de empresa chamavam o profissional por seu nome social, contudo, ao realizar atendimentos ele era obrigado a usar a denominação de seu registro civil, já que assim constava no crachá pessoal, como no aplicativo que utilizava para fazer ligações. O empregado afirmou que ficava desconfortável com a situação e chegava a tapar a identificação feminina que aparecia nesses equipamentos.

Na decisão, a magistrada aponta que os próprios cartões de ponto juntados aos autos pela empresa registram o nome anterior do empregado, confirmando a respectiva permanência no sistema. A julgadora pontuou que "toda pessoa tem o direito à liberdade de opinião e expressão, o que inclui a expressão de identidade ou autonomia pessoal por meio da escolha de nome".

Diante disso, a juíza condenou a empresa a pagar R$ 10 mil a título de dano moral por entender que ficou evidenciado ato ilícito de potencial ofensivo à honra do funcionário.

O Ministério Público do Trabalho lançou a nota 02/20 onde traz orientações às empresas para que elas realmente respeitem e promovam a diversidade nas corporações. Dentre elas está a adoção e respeito ao nome social:

NOME SOCIAL: assegure a todos  transgêneros, travestis e transexuais, assim como todas aquelas cuja identificação civil não reflita necessariamente sua identidade de gênero, o uso do nome social no âmbito da empresa, como, por exemplo: cadastro de dados e informações de uso social, comunicações internas de uso social, endereço de correio eletrônico, identificação funcional de uso interno da instituição (crachá), lista de ramais da instituição, nome de usuário (a) em sistemas de informática, inscrição em eventos promovidos rela instituição e emissão dos respectivos certificados.

O MPT também trouxe outras especificações e orientações que ajudam as empresas à aplicação dos preceitos de diversidade e inclusão social, tão importantes quanto a adoção do nome do tipo social:

USO DO BANHEIRO: garanta o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada pessoa, sendo vedada a criação de espaços de uso exclusivo para pessoas LGBTIQ+.

VIOLÊNCIA E ASSÉDIO: adote medidas para reprimir a prática de violência contra a população LGBTIQ+ (lgbtfobia, transfobia, assédio moral, assédio sexual, cyberbullying) e evitando que todas as pessoas empregadas, terceirizadas, estagiários ou clientes sejam expostos direta ou indiretamente a situações caracterizadoras de assédio moral, bem como discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero.

É fundamental que o(a) empregado(a) tenha realizado a alteração dos documentos para que o registro na empresa seja alterado, ocasião em que será retificado registro na Carteira de Trabalho, contrato de trabalho, ficha de registro, crachá, cartões de ponto, holerites, cartão de convênio médico e de benefícios como vale transporte, alimentação e refeição.

O nome social do funcionário deve constar no cadastro de dados para uso social, comunicações internas da empresa, e-mail, lista de ramais, sistemas, plataforma digital, eventos internos e certificados.

Além disso, a empresa deve preencher a Retificação de Dados do Trabalhador (RDT). A RDT é um formulário preenchido pelo empregador e direcionado à Caixa Econômica Federal.

O formulário de retificação com as novas informações deve ser apresentado à Caixa para alterar os dados cadastrais referentes ao FGTS, Previdência Social e conta de vínculo.

Uso do banheiro

Como deve proceder a empresa para que garanta o acesso ao banheiro de forma adequada?

Quanto ao tema, desde 2015 está pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) o Recurso Extraordinário n.º 845.779/SC, que discute se há ou não violação à dignidade da pessoa trans em caso de impedimento do uso do banheiro condizente com sua identidade de gênero. Já votaram a favor da tese recursal os Ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, estando suspenso o julgamento desde novembro de 2015 em razão de pedido de vistas do Ministro Luiz Fux.

Todavia, o fato deste julgamento não ter sido concluído não impede que as pessoas trans utilizem no ambiente de trabalho (ou em qualquer outro local público) o banheiro correspondente à sua identidade de gênero. Isto porque, conforme Acórdão publicado em 6/10/20, o STF decidiu, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, que até que o Congresso Nacional elabore lei destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5.º da Constituição Federal (que impõem a punição de qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais), “as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na lei 7.716, de 8/1/89”.

Nesse sentido, o STF entendeu que, diante da omissão do Congresso Nacional em criar lei que puna os atos de discriminação contra a população LGBTQIA+, as condutas homo transfóbicas serão enquadradas na lei 7.718/89, que regulamenta os atos tipificados como crime de racismo.

Por sua vez, o art. 4.º, §1.º, inciso III, da lei 7.718/89 prevê a pena de reclusão de dois a cinco anos para aquele que, por motivo de discriminação, “proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho”. Desta forma, caso um empregador impeça um empregado trans de usar o banheiro de acordo com a sua identidade de gênero, promoverá tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, o que pode configurar um crime de transfobia, nos termos do artigo acima mencionado.

Destaca-se, ainda, que antes mesmo da decisão proferida pelo STF, a Justiça do Trabalho já se manifestava no sentido de punir os empregadores que obstavam o acesso de seus empregados aos banheiros correspondentes ao gênero com o qual a pessoa trans se identifica.

Importante mencionar que os Tribunais Regionais têm condenado ao pagamento de indenização por danos morais as empresas que dificultam ou impedem que os empregados utilizem o banheiro que melhor represente o gênero por ele adotado. Note que na fundamentação dessas decisões os juízes têm considerado o impedimento do uso do banheiro eleito como ato discriminatório e que o impedimento representa violação à dignidade da pessoa humana.

De outra parte, por analogia, esta mesma lógica poderia ser aplicada para pessoas não-binárias, isto é, aquelas pessoas trans que não se identificam com nenhum dos gêneros, cabendo a elas decidirem quais banheiros se sentem mais confortáveis em usar, competindo aos empregadores assegurarem a segurança e acesso ao banheiro por essas pessoas.

Não há, na jurisprudência, discussão quanto à obrigatoriedade dos empregadores em implantar um banheiro específico para as pessoas não-binárias. No entanto, independentemente da construção ou não desse tipo de banheiro, é certo que o empregador deve sempre assegurar que o trabalhador tenha acesso ao banheiro que mais lhe convém de acordo com sua identidade de gênero.

O que se vê, portanto, é que todos os trabalhadores, independentemente de sua identidade de gênero, devem ser tratados com respeito pelos empregadores, sendo inadmissíveis condutas discriminatórias.

Quanto aos trabalhadores transgênero, a falta de uma legislação que lhes garanta os direitos básicos a um tratamento digno não é impeditiva para que utilizem os banheiros correspondentes à sua identidade de gênero no meio ambiente do trabalho.

Considerações finais

Todas as alterações podem ser realizadas, mediante solicitação do(a) empregado(a), tanto para uso do nome social quanto para o uso de banheiro.

Também recomendamos que, dentro da empresa seja realizado um treinamento com o responsável pelo RH e os supervisores para que todos os empregados sejam orientados a se dirigir ao colega utilizando o nome social por ele adotado.

Ressalto que, algumas empresas estão adotando um campo dentro dos documentos de admissão em que o nome social é incluído, caso não tenham essa opção, será necessário solicitar para o(a) empregado(a) o RG e CPF com a alteração do nome.

Juliana Cerullo
Advogada Sócia Líder da Área Trabalhista do escritório Ronaldo Martins & Advogados.

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