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A efetividade dos dispute boards nas contratações públicas

Os Dispute Boards ainda são muito pouco explorados no Brasil, tendo um extraordinário potencial para entrega de efetividade na resolução de disputas, especialmente diante da sobrecarga de demandas submetidas ao Poder Judiciário.

4/8/2023

Os Dispute Boards nada mais são do que juntas ou comitês altamente especializados para resolução de disputas concomitante à execução contratual, de modo a proporcionar um significativo ganho temporal e financeiro.

O instituto teve sua origem nos Estados Unidos, mais precisamente quando da construção do empreendimento Boundary Dam, central hidroelétrica localizada em Washington, construída na década de 1960, em que uma junta técnica, denominada Joint Consulting Board, fora contratada para solver eventuais disputas dos envolvidos nos empreendimentos (FERNANDES, 2019).

A ideia de dispor de um corpo de técnicos altamente especializados para acompanhar e emitir pareceres ou recomendações sobre eventuais divergências que surjam no curso da execução do contrato, empreendendo uma maior celeridade na resolução dos conflitos, tem sido de enorme valia o regular andamento de projetos significativos.

Arnoldo Wald (2005) cita como um grande exemplo bem-sucedido do uso do dispute board no mundo, a construção do Eurotúnel, dada a complexidade técnica e financeira do caso, que exigia uma construção debaixo do Canal da Mancha, sem uma previsibilidade concreta dos custos, mas que foi entregue razoavelmente dentro do prazo estabelecido.

Durante a construção do Eisenhower Memorial Tunel, no Estado do Colorado, localizado nos Estados Unidos, foi prevista, de forma experimental, a utilização do Dispute Board, dada a complexidade da obra, maior túnel veicular do mundo, tendo sido absolutamente festejados os resultados, como cita Júlia Barreto (2018).

No oriente, podemos citar o projeto de construção do aeroporto internacional de Hong Kong, executado entre 1991 e 2001, cujo custo girou em torno de 15 bilhões de Dólares, tendo sido composto por 22 contratos assinados entre a autoridade aeroportuária de Hong Kong e as concessionárias locais. Todo o projeto foi acompanhado por um dispute board composto por seis especialistas, além do presidente.

Como exemplos de obras nacionais em que houve o uso dos Dispute Boards, há referência da construção da Linha 4 – Amarela do metrô de São Paulo, onde o custo do empreendimento resultou em 1,55 bilhão de dólares, tendo sido gasto apenas um ínfimo percentual de 0,06% do valor para resolução de dez conflitos, assegurando rápidas e eficientes soluções (BARRETO, 2018).

Os Dispute Boards passaram a ser mais difundidos depois que o Banco Mundial incluiu a obrigatoriedade de inclusão1 de uma junta para resolução de disputas para os projetos que decorram de financiamentos superiores a US$ 50 milhões.

É relevante ressaltar que, em 2015, houve uma aprovação significativa por parte do Conselho da Justiça Federal (CJF) em relação aos dispute boards no Brasil. Foram aprovados três enunciados2 que marcaram um avanço importante para esse instituto, transmitindo uma mensagem positiva de aprovação no campo jurídico. Naquela ocasião, o objetivo era estabelecer conceitos fundamentais e obter o reconhecimento dos dispute boards como um método válido para a resolução extrajudicial de controvérsias. Essa conquista exigiu esforços consideráveis devido ao limitado conhecimento sobre o instituto naquele momento, o que tornou a aprovação dos enunciados ainda mais significativa.

Logo em seguida, seguindo a mesma linha dos enunciados, no ano seguinte à realização desse avanço, a 3ª turma do STJ, ao analisar o caso REsp: 1.733.370 GO 2018/0002529-8, reconheceu e afirmou a existência, validade e eficácia das cláusulas de dispute boards em uma decisão. O ministro Marco Aurélio Bellizze fundamentou essa decisão na autonomia da vontade e na intenção de aprofundar o debate sobre a viabilidade jurídica desses comitês, destacando a possibilidade de as partes contratantes delegarem a resolução de conflitos a um comitê, desde que isso não exclua uma posterior análise judicial ou arbitral.

Finalmente, em 2018, ocorreu um progresso legislativo no campo dos dispute boards com a promulgação da lei 16.875 pelo município de São Paulo. Essa lei permitiu o uso desse instituto para resolver disputas relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis em contratos contínuos da administração direta e indireta do município. Além disso, o texto da lei expressamente prevê a regulamentação por parte de instituições especializadas, como os centros de mediação e arbitragem. Esse aspecto peculiar dos dispute boards no Brasil será abordado posteriormente.

A Nova Lei de Licitações (lei 14.133, de 1º de abril de 2021)3, por sua vez, estabeleceu no art. 151 a previsão expressa da utilização dos comitês de resolução de disputas, ratificando o entendimento da jurisprudência pátria e terminando por afastar qualquer controvérsia acerca da legalidade da sua utilização.

Conclui-se, portanto, que os Dispute Boards ainda são muito pouco explorados no Brasil, tendo um extraordinário potencial para entrega de efetividade na resolução de disputas, especialmente diante da sobrecarga de demandas submetidas ao Poder Judiciário.

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1 Exigência constante do Standard Bidding Document for Procurement of Works para os projetos considerados como “major works”, ou seja, acima de USD10 milho~es, publicado pelo Banco Mundial em maio de 2012 e disponÍvel em: http://siteresources.worldbank.org/INTPROCUREMENT/Resources/ Works-EN-22-Mar12_Rev5.docx.

2 Os enunciados aprovados foram: Enunciado CJF no 49 – “os Comite^s de Resoluc¸a~o de Disputas (Dispute Boards) sa~o me'todo de soluc¸a~o consensual de conflito, na forma prevista no §3o do art. 3o do Co'digo de Processo Civil Brasileiro” –; Enunciado CJF no 76 – “as deciso~es proferidas por um Comite^ de Resoluc¸a~o de Disputas (Dispute Board), quando os contratantes tiverem acordado pela sua adoc¸a~o obrigato'ria, vinculam as partes ao seu cumprimento ate' que o Poder Judicia'rio ou o jui'zo arbitral competente emitam nova decisa~o ou a confirmem, caso venham a ser provocados pela parte inconformada” –; e Enunciado CJF no 80 – “a utilizac¸a~o dos Comite^s de Resoluc¸a~o de Disputas (Dispute Boards), com a inserc¸a~o da respectiva cla'usula contratual, e' recomenda'vel para os contratos de construc¸a~o ou de obras de infraestrutura, como mecanismo voltado para a prevenc¸a~o de liti'gios e reduc¸a~o dos custos correlatos, permitindo a imediata resoluc¸a~o de conflitos surgidos no curso da execuc¸a~o dos contratos”.

3 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm .  Acesso em 23 de maio de 2023.

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BARRETO, Júlia. Consensualidade Adminitrativa: O uso de dispute boards para solução de conflitos no âmbito das agências reguladoras. 2018. 183 f. Dissertação (Mestrado Acadêmico) – Universidade de Fortaleza. Programa de Mestrado em Direito Constitucional, Fortaleza, 2018.

FERNANDES, Michelle Cristina Santiago. Dina^mica dos Dispute Boards e perspectivas de utilizac¸a~o em contratos de construc¸a~o no Brasil. Sa~o Paulo, 2019. 328 f. Dissertac¸a~o (Mestrado) - Escola Polite'cnica da Universidade de Sa~o Paulo. Departamento de Engenharia de Construc¸a~o Civil.

WALD, Arnoldo. A Arbitragem Contratual e os Dispute Boards. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, ano 2, n. 6, jul.-set., 2005.

 

Andrei Aguiar
Sócio Aguiar Advogados. Presidente da Associação Brasileira de Advogados, Regional do Ceará.

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