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A caducidade da MP 1.167 e as suas implicações

A dita MP 1.167 perdeu a sua vigência em 28/7/23 em virtude da ausência de sua apreciação pelo Congresso Nacional no prazo de cento e vinte dias.

30/7/2023

As alterações legislativas quanto à extinção da vigência da lei 8.666, da lei 10.520 e dos arts. 1° a 47-A da lei 12.462 (adiante referidas como “legislação anterior”) têm despertado controvérsias.

Na versão original, o inc. II do art. 193 da lei 14.133 previu que a legislação anterior perderia a vigência dois anos depois da publicação oficial da referida Lei 14.133. E o art. 191 fixou que, até o atingimento do referido prazo de dois anos, seria facultado à Administração optar por licitar ou contratar de acordo com a legislação anterior ou segundo a mesma lei 14.133. O parágrafo único do art. 191 determinou que os contratos resultantes de processos de contratação disciplinados pela legislação anterior continuariam subordinados ao referido regime jurídico, mesmo depois de extinta a vigência da dita legislação anterior.

A lei 14.133 foi publicada em 1º/4/21. Portanto (e sem entrar em outras avaliações), o prazo de dois anos previsto no inc. II do art. 193 seria atingido em 1.4.2023.

A  MP 1.167 (de 31/3/23) alterou a redação do art. 193, inc. II, da lei 14.133, para determinar que a legislação anterior perderia a vigência em 30/12/23. Ademais, alterou o art. 191 da dita Lei para estabelecer que, até a referida data de 30.12.2023, a Administração poderia escolher entre licitar ou contratar diretamente pela legislação anterior ou pela nova Lei. Ainda,  introduziu determinação de que seria indispensável que a escolha constasse expressamente de edital ou ato autorizativo de contratação direta publicado até 29/12/23. Foi mantida a previsão de que, ocorrendo a opção por licitar ou contratar diretamente segundo a legislação anterior, essa legislação também disciplinaria o contrato. Também foi preservada a regra da vedação à aplicação combinada da Lei nova e da legislação anterior.

A Lei Complementar 198 (de 28/6/23) adotou nova redação para o inc. II do art. 193 da lei 14.133. Basicamente, a nova redação é idêntica àquela prevista pela MP 1.167. Ou seja, foi mantida a previsão de perda de vigência da legislação anterior em 30/12/23. No entanto, e formalmente, a Lei Complementar 198 produziu a revogação da redação adotada pela MP 1.167 para o dito inc. II do art. 193 da Lei 14.133.

A dita MP 1.167 perdeu a sua vigência em 28/7/23 em virtude da ausência de sua apreciação pelo Congresso Nacional no prazo de cento e vinte dias. Por decorrência, voltou a vigorar a redação original da lei 14.133, ressalvadas as alterações introduzidas pela Lei Complementar 198.

A caducidade da MP 1.167 é irrelevante relativamente à previsão quanto à alteração da redação do inc. II do art. 193. Assim se passa porque a Lei Complementar 198 já havia revogado aquele dispositivo.

Logo, o efeito jurídico da ausência de conversão da MP 1.167 em lei restringe-se à redação do art. 191 da lei 14.133. Quanto a isso, a disciplina da MP 1.167 inovava relativamente ao texto original (que voltou a vigorar) ao prever que a publicação do edital ou do ato autorizativo devia ocorrer até 29/12/23. Essa previsão deixou de existir no ordenamento jurídico quando se consumou a caducidade da dita MP 1.167.

Observe-se que a dita regra destinava-se a superar uma disputa instaurada antes da edição da MP. Tratava-se de determinar se o limite temporal para a vigência da legislação anterior seria aplicável à formalização da contratação ou apenas ao exercício pela Administração da opção quanto ao regime jurídico aplicável. Em termos práticos, cabia determinar se a formalização da contratação deveria ocorrer antes da extinção da vigência da legislação anterior ou se seria admissível publicar o edital ou o ato autorizador da contratação direta dentro do prazo de vigência da dita legislação anterior. A MP 1.167 adotou a segunda alternativa, o que implicava autorizar que licitações subordinadas à legislação anterior se desenvolvessem mesmo depois da extinção da sua vigência. Assim, por exemplo, seria admissível publicar o edital em 29/12/23, com a licitação evoluindo em período posterior.

Essa regra não constava da redação original do art. 191 da lei 14.133. Como se sabe, o tema tinha conduzido a Advocacia Geral da União a firmar entendimento de que caberia à autoridade competente, na fase preparatória da licitação, exercitar a opção quanto ao regime jurídico aplicável ao processo de contratação (Parecer 6/2022/CNLCA/CGU/AGU). Esse entendimento implicava que a extinção da vigência da legislação anterior não afastaria a sua aplicação, independentemente da data de publicação do edital. O fundamental seria a formalização da opção pela legislação anterior, na fase preparatória, em data anterior àquela referida no art. 193, II, da lei 14.133.

Mas a matéria foi objeto de decisão do TCU (Acórdão 507/2023, Plenário, rel. Min. Augusto Nardes, j. 22/3/23). Firmou-se entendimento de que seria admissível aplicar a legislação anterior quando essa tivesse sido a opção da Administração, formalizada em data anterior àquela prevista no art. 93, II, da lei 14.133, desde que o edital fosse publicado até 31/12/23.

Lembre-se sempre que o prazo de 31/12/23, à época da prolação do Acórdão 507/2023-TCU, não estava previsto em dispositivo legal algum. A orientação foi firmada sob o pressuposto de que o dever de planejamento e de previsão orçamentária seriam incompatíveis com o desenvolvimento de uma licitação fundada em legislação não mais em vigor.

Em vista da caducidade da MP 1.167, colocar-se-á novamente a controvérsia anterior. Surgirá a necessidade de definir se, tendo sido formalizada antes de 31/12/23 a opção pela legislação anterior, será irrelevante ou não a data da publicação do edital. No entanto e considerando os fundamentos do acórdão 507/23, pode-se estimar que prevalecerá a orientação no sentido da obrigatoriedade da publicação do edital antes do término do exercício de 2023. Essa solução somente seria afastada se, antes de 31/12/23, houver uma nova alteração do prazo de vigência da legislação anterior.

Outra questão a ser examinada envolve licitações e contratações formalizadas entre a data de edição da MP 1.167 (31/3/23) e a publicação da Lei Complementar 198 (28/6/23). Durante esse período, o suporte normativo para a aplicação da legislação anterior era a dita MP 1.167 (que veio posteriormente a caducar).

A questão não propicia maior controvérsia, eis que explicitamente disciplinada em parágrafos do art. 62 da Constituição. O § 3° determina que, ocorrendo a perda da eficácia da medida provisória em virtude de ausência de conversão em lei no prazo previsto, caberá ao Congresso Nacional dispor, mediante decreto legislativo, sobre as relações jurídicas formalizadas durante o período em que a dita medida provisória vigorara.

E o § 11 do mesmo art. 62 fixa que, não tendo sido produzido o decreto legislativo referido no § 3°, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante a vigência da medida provisória continuarão a ser por ela regidos. De modo genérico, essa tem sido a solução jurídica verificada quanto à generalidade dos casos relacionados com medidas provisórias não convertidas em lei.

Logo, pode-se estimar que assim também se passará com as licitações e contratações formalizadas no período entre 31/3/23 e 28/6/23. Portanto, todos esses atos administrativos praticados com fundamento na MP 1.167 manterão a sua validade e eficácia, não obstante a perda da eficácia do diploma.

O contexto evidencia que o Congresso Nacional antevira a inviabilidade de examinar, no prazo de cento e vinte dias, a MP 1.167. Daí a inserção da regra (reafirmando a prorrogação do prazo da vigência da legislação anterior) no bojo da Lei Complementar 198, a qual se destinava especificamente a dispor sobre destinação de recursos tributários. Tratou-se de uma medida que infringe a técnica legislativa, mas que se afigurou como solução para evitar situação jurídica caótica.

Existem notícias de que o Congresso Nacional considera adotar novas regras sobre o tema, mediante uma lei específica. Essa solução será tanto mais provável se permanecer a inércia dos entes federativos locais quanto à implementação imediata da lei 14.133. Se o prazo de 30.12.2023 se aproximar e existirem muitos Estados e Municípios não habilitados a dar aplicação à lei 14.133, renascerá o pleito para nova prorrogação do prazo de extinção da vigência da legislação anterior.

Acrescente-se que não existe obstáculo à disciplina da matéria por lei ordinária. A circunstância de a alteração do art. 193 da lei 14.133 ter sido produzida por meio de lei complementar é irrelevante. Assim se passa porque os temas reservados à lei complementar são previstos de modo exaustivo pela Constituição. Prazo de vigência de lei de licitações e contratações administrativas não se encontra nesse elenco. Trata-se, como é evidente, de matéria a ser disciplinada por lei ordinária e que comporta alteração por essa via. A regra veiculada em lei complementar sobre matéria própria de lei ordinária tem eficácia de lei ordinária.

É evidente, no entanto, que sucessivas prorrogações no prazo de extinção da vigência da legislação anterior produzem efeitos muito nocivos. Por um lado, cria-se uma cultura de negação da eficácia vinculante de normas legais. Por outro, é imperativo aplicar a lei 14.133 em vista dos aperfeiçoamentos nela consagrados. Não deixa de ser paradoxal que a legislação anterior acabe sendo preservada e mantida, não obstante a enxurrada de críticas e reprovações a ela dirigidas ao longo do tempo.

Marçal Justen Filho
Mestre e doutor em Direitodo Estado pela PUC/SP. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados.

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