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Um alento ao futuro: Indicativos de cabimento da reclamação visando o controle dos precedentes qualificados

O texto analisa o recente julgado da 2ª seção do STJ e a futura regulamentação da RQF como indicativos de novo enfrentamento, pela Corte Especial do STJ, do tema ligado ao cabimento de Reclamação visando o controle de precedentes qualificados.

27/7/2023

Neste ensaio pretendo voltar ao (sempre polêmico) tema ligado à utilização da Reclamação como importante instrumento de controle de precedentes qualificados, especialmente após a recente decisão da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (Agravo Interno na Reclamação 42.048) e o que se deve esperar com a regulamentação da Relevância da Questão Federal - RQF (art. 105, §2º, da CF - anteprojeto de lei já encaminhado ao Senado Federal1).

Como é de conhecimento geral, a legislação processual civil consagra que, dependendo da fundamentação contida no pronunciamento que nega seguimento ou inadmite o RESp, será cabível o Agravo Interno (art. 1030, I, a e b c/c §2º, do CPC) ou Agravo em REsp (art. 1030, V, §1º c.c art. 1042, do CPC).  Outrossim, como exceção à unirrecorribilidade, a parte deve interpor os dois Agravos em caso de capítulos decisórios com fundamentação diferenciada.

Este é o teor do Enunciado 77 do Conselho da Justiça Federal (aprovado na I Jornada de Direito Processual Civil, realizada em Brasília/DF, nos dias 24 e 25/8/17):

“ENUNCIADO 77 – Para impugnar decisão que obsta trânsito a recurso excepcional e que contenha simultaneamente fundamento relacionado à sistemática dos recursos repetitivos ou da repercussão geral (art. 1.030, I, do CPC) e fundamento relacionado à análise dos pressupostos de admissibilidade recursais (art. 1.030, V, do CPC), a parte sucumbente deve interpor, simultaneamente, agravo interno (art. 1.021 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos recursos repetitivos ou repercussão geral e agravo em recurso especial/extraordinário (art. 1.042 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos fundamentos de inadmissão por ausência dos pressupostos recursais”.

A Corte da Cidadania tem precedentes contrários à fungibilidade entre os dois Agravos, configurando erro grosseiro o manejo do recurso incabível e, como consequência, inexistindo a interrupção do prazo recursal (ARE no RE no AgRg no AREsp 1128907 / RS – Rel. Min. João Otávio de Noronha – Corte Especial – J. em 7/11/18, DJe de 20/11/18 – dentre outros).

De outro prisma, há divergência interpretativa em relação à medida judicial cabível após o acórdão local que aprecia o Agravo Interno e mantém a decisão unipessoal que negou seguimento ao REsp/RE nos termos do art. 1.030, I, do CPC: novo RE ou RESp, ARE ou ARESp ao Tribunal Superior, MS ou Reclamação?

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar a Reclamação 36.476 (DJe 06.03.2020), por maioria, decidiu pelo seu incabimento. Pela leitura do Voto da Exma. Ministra Nancy Andrighi e dos demais Ministros, é fácil perceber que o assunto é polêmico com múltiplas interpretações. Vale destacar os itens 6 e 7 da Ementa:

“6. De outro turno, a investigação do contexto jurídico-político em que editada a lei 13.256/16 revela que, dentre outras questões, a norma efetivamente visou ao fim da reclamação dirigida ao STJ e ao STF para o controle da aplicação dos acórdãos sobre questões repetitivas, tratando-se de opção de política judiciária para desafogar os trabalhos nas Cortes de superposição.

7. Outrossim, a admissão da reclamação na hipótese em comento atenta contra a finalidade da instituição do regime dos recursos especiais repetitivos, que surgiu como mecanismo de racionalização da prestação jurisdicional do STJ, perante o fenômeno social da massificação dos litígios”.

Contudo, este entendimento não está imune a crítica. Em maio de 2021, o STJ, desta feita por sua 1ª Turma, novamente analisou a questão. No julgamento do AgInt em RMS 53.790/RJ (Rel. Min. Gurgel de Faria – J. em 17/5/21), a Turma entendeu que, em razão do incabimento de Reclamação após o julgamento do Agravo Interno (seguindo o padrão decisório advindo da RCL 36.476/SP), é admissível o Mandado de Segurança na Corte de origem, visando controlar a aplicação do precedente qualificado.

Como tratado em outro ensaio2, não me parece cabível o mandamus como instrumento de controle, mesmo após o julgamento do Agravo Interno. O caminho mais tranquilo, e com assento na própria legislação processual, é o manejo de reclamação perante o órgão que prolatou o precedente qualificado.

Contudo, será necessário superar o entendimento firmado pela Corte Especial na RCL 36.476/STJ. Um alento ao futuro, a meu ver, advém de julgamento ocorrido em junho de 2023, onde a 2ª Seção do Tribunal Superior asseverou que,  após a apreciação, pela Corte local, do Agravo Interno interposto contra a decisão que negou seguimento ao REsp, não será cabível novo RESp e sim a Reclamação.

Vale a pena transcrever a Ementa do Acórdão em questão:

“AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 105, I, F). DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO A RECURSO ESPECIAL CONFIRMADA NO JULGAMENTO DE AGRAVO INTERNO. IMPUGNAÇÃO SUCESSIVA. MANEJO DE AGRAVO INTERNO, RECURSO ESPECIAL E AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INADMISSIBILIDADE. INSTÂNCIA RECURSAL NÃO PREVISTA. MANEJO DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A decisão monocrática que nega seguimento a recurso especial, em decorrência da conformidade do acórdão recorrido com o entendimento adotado em sede de recurso repetitivo, é impugnável somente por meio do agravo interno a ser julgado pelo órgão regimentalmente encarregado. 2. O acórdão proferido em agravo interno pelo órgão especial, mantendo a assinalada decisão denegatória de subida do especial, pelo rito dos recursos repetitivos, é impugnável pelo manejo da reclamação prevista no art. 988, § 5º, II, do Código de Processo Civil, pois, nesse caso, já esgotada a instância, e não por novo recurso especial. 3. Agravo interno não provido” (AgInt na Reclamação 42048-SP, Segunda Seção – Rel. Min. Raul Araújo -  J. em 20/6/23).

Do voto do Exmo. Min. Relator Raul Araújo, vale a pena transcrever as seguintes passagens:

Assim, como já referido, a decisão monocrática que nega seguimento a recurso especial, em decorrência da conformidade do acórdão recorrido com o entendimento adotado em sede de recurso repetitivo, é impugnável somente por meio do agravo interno a ser julgado pelo órgão regimentalmente encarregado.

De sua vez, o acórdão proferido em agravo interno pelo órgão especial, mantendo a decisão denegatória de subida do especial, é impugnável pelo manejo da reclamação prevista no art. 988, § 5º, II, do Código de Processo Civil, pois, nesse caso, já esgotada a instância e não por novo recurso especial.

(...)

Esse é o espírito racionalizador do novo Código de Processo Civil: o encerramento definitivo do procedimento do recurso especial, com o julgamento do agravo interno pelo órgão especial do Tribunal de segundo grau, e a previsão do cabimento da reclamação prevista em seu art. 988, § 5º, II, como novo e adequado meio processual para se garantir a adequação e conformidade dos julgados dos Tribunais de 2º grau com as teses firmadas por esta Corte no julgamento de recursos especiais repetitivos”.

Pela sistemática do CPC, realmente é a reclamação o instrumento cabível após o exaurimento da instância ordinária quando proposta visando “garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivo” (art. 988, §5º, II, do CPC). Este esgotamento da instância ocorre, portanto, após o acórdão local que aprecia o Agravo Interno, não sendo cabível, como bem demonstrado no Agravo Interno na RCL 42.048/STJ, novo recurso especial.

Ora, se está exaurida a instância local, é a Reclamação o instrumento de controle e aplicação correta do precedente da Corte Superior. A análise deve ser feita em cada caso concreto, sendo punível, inclusive com multa, os abusos decorrentes da massificação de utilização de tão importante medida constitucional/processual.

O que não pode é simplesmente negar vigência ao art. 988, do CPC o que, de um lado, fragiliza o controle dos precedentes qualificados pelas instâncias locais e, de outro, gera instabilidade jurídica, ao ponto de registros de utilização de mandado de segurança ou mesmo ação rescisória como tentativa de realização desse controle da aplicabilidade correta da Tese fixada em precedente qualificado.

Aliás, o dispositivo em comento também deverá ser aplicável quando entrar em vigor a Relevância da Questão Federal (RQF), diante de sua natural aproximação com o instituto da Repercussão Geral (RG) - o que já foi analisado em outro ensaio3.

Assim, em que pese o entendimento da Corte Especial (RCL 36.476) restringindo o cabimento de Reclamação, o precedente da 2ª seção de junho/2023 é um claro alento ao futuro.

E mais. O Superior Tribunal de Justiça, com a implementação da Relevância da Questão Federal (RQF) e a redefinição da Competência Jurisdicional4 para atuação no sistema de precedentes, poderá/deverá rever esse posicionamento, tendo em vista que a Reclamação é o grande instrumento constitucional/processual para o controle da correta aplicação de precedente qualificado pelas cortes nacionais.

Aliás, o anteprojeto de lei encaminhado pelo Superior Tribunal de Justiça ao Senado Federal pretende alterar, dentre outros, os arts. 927, III-A, 1.030, I, c e 1.039, parágrafo único, do CPC, para consagrar mais uma hipótese de vinculação obrigatória e de negativa de seguimento ao recurso especial sujeita ao Agravo Interno (no caso de ausência de relevância), além da inadmissão dos recursos sobrestados em caso de negativa de relevância. Contudo, penso que deveria também ser alterada a redação do art. 988, §5º, II, do CPC, visando consagrar expressamente o cabimento de Reclamação para o controle da aplicação da Tese fixada sob o Regime da Relevância, assim como ocorre no caso da Repercussão Geral (RG), pelo STF.

Em suma: o resultado do Agravo Interno na RCL 42.048/STJ e a futura regulamentação da relevância da questão federal significam um alento ao futuro (novo) enfrentamento do tema central deste ensaio e possível superação do entendimento firmado pela Corte Especial na RCL 36.476, com a consagração expressa do cabimento de Reclamação como instrumento de controle dos precedentes qualificados, sendo punidos os abusos na utilização da medida processual, nos respectivos casos concretos.

São estas as ponderações que apresento sobre o tema.

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1 https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/05122022-STJ-entrega-ao-Senado-proposta-para-regulamentar-filtro-de-relevancia-do-recurso-especial.aspx. Acesso em 25.07.2023.

2 ARAÚJO, José Henrique Mouta. Mandado de segurança contra decisão judicial no sistema de precedentes e em HC. Acesso em 25.07.2023.

3 ARAÚJO, José Henrique Mouta. Anteprojeto de lei de regulamentação da relevância da questão federal no recurso especial: observações iniciais. https://www.migalhas.com.br/depeso/378540/anteprojeto-de-lei-de-regulamentacao-da-relevancia-da-questao-federal. Acesso em 25.07.2023.

4 Em texto escrito com Rodrigo Nery, tratamos especificamente da redefinição da competência. Ver: ARAÚJO, José Henrique Mouta e NERY, Rodrigo. Questões sem “relevância”: jurisdição cooperada e redefinição de competência. Acesso em 25/7/23.

José Henrique Mouta
Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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