Popularmente conhecido como “testa de ferro” ou “laranja”, aquele que voluntariamente empresta o seu nome para que terceiros possam constituir empresas e abrir contas bancárias para a movimentação de valores duvidosos pode ser responsabilizado criminalmente pelos desvios praticados por aquele que foi agraciado com o recebimento do nome do “laranja”, pois, ainda que não tenha ingerência sobre as infrações penais praticados pelo núcleo operacional do esquema, o “laranja” assume o risco pelo infortúnio criminoso daquele que se utilizou de inverdades materiais para praticar crimes e, nos termos do artigo 29 do Código Penal responderá à Justiça na medida de sua culpabilidade:
“Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela lei 7.209, de 11/7/84)”
Situação hipotética corriqueira pode ser exemplificada dentro de uma corporação regulamente constituída onde o “laranja” é funcionário dessa corporação e mantém vínculo de amizade com o seu patrão. Sabendo que a empresa possui enorme passivo trabalhista e dívidas de outras naturezas, o “laranja”, mediante promessa de recompensa financeira, empresta o seu nome para que o patrão possa constituir outras empresas, visando elidir ou sonegar tributos. Nesse caso, ainda que o “laranja” não tenha sido responsável direto pelo cometimento dos crimes orquestrados pelo patrão, agiu com dolo eventual ao permitir a utilização consciente de seu nome para a prática de infrações penais.
“Hipótese de paciente que, na qualidade de empregado, atuava como sócio fictício em empresa de fachada, agindo como "testa de ferro", recebendo remuneração para isso, além de prestar auxílio ao patrão e corréu cumprindo ordens e alertando-o contra fiscalizações.
(HC 185.599/BA, relator Ministro Gilson Dipp, 5ª turma, julgado em 17/3/11, DJe de 4/4/11.)”
De acordo com o exemplo citado, se o proveito da infração penal praticada pelo patrão dentro da “empresa fantasma” tem aptidão suficiente para dissimular valores que serviriam para o funcionamento da corporação real, nos termos do artigo 1º da Lei nº. 9.613/98, o “laranja” poderá ser responsabilizado pela lavagem do dinheiro oriunda da fraude ocorrida na empresa fictícia:
“Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela lei 12.683, de 2012)”
Se a função do “laranja” transborda do mero empréstimo de seu nome para a efetiva participação na empreitada criminosa – exemplo: o laranja é o responsável pelo pagamento de fornecedores -, poderá ser enquadrado, também, no conceito de organização criminosa:
“§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”
Como a lavagem de dinheiro pressupõe a existência de qualquer infração penal antecedente, os desvios praticados pelo patrão em nome do “laranja” poderão levar a grande tormento financeiro para o “testa de ferro”, uma vez que o artigo 126 do Código de Processo Penal autoriza o seqüestro de bens quando há indícios da veementes da proveniência ilícita dos bens:
“Art. 126. Para a decretação do seqüestro, bastará a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens.”
Aliás, o art. 4º do decreto-lei 3.240, de 8 de maio de 1941 autoriza que o seqüestro possa recair sobre quaisquer bens do “laranja” e não apenas sobre aqueles que se transformaram em proveito da infração penal:
“Art. 4º O sequestro pode recair sobre todos os bens do indiciado, e compreender os bens em poder de terceiros desde que estes os tenham adquirido dolosamente, ou com culpa grave.”
Recentemente, no julgamento do AgRg no AREsp 2.219.917/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 15/5/23, DJe de 18/5/23 foi confirmada a constitucionalidade do decreto-lei 3.240, de 8 de maio de 1941:
"A medida de sequestro deferida nos autos, a teor do art. 4.º do decreto-lei 3.240/41, pode recair sobre quaisquer bens dos requerentes e não apenas sobre aqueles que sejam produtos ou proveito do crime, mostrando-se, assim, desnecessária qualquer discussão sobre o fato de os bens estarem ou não alienados e de terem sido adquiridos antes da prática delitiva" (RMS 29.854/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, 6ª TURMA, julgado em 1/10/15, DJe 26/10/15).”
Portanto, aquele que voluntariamente empresta o nome para que terceiros possam utilizá-lo na prática criminosa responderá na medida da sua culpabilidade pelo infortúnio e, como visto, além de ser responsabilizado criminalmente, poderá perder todo o seu patrimônio constituído ao longo da vida, ainda que obtido em data anterior à infração penal praticada pelo gestor do esquema criminoso.
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Lei 9.613, de 3 de março de 1998.
Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
Decreto-lei 3.698, de 3 de outubro de 1941.
Decreto-lei 3.240, de 8 de maio de 1941.
HC 185.599/BA, relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 17/3/11, DJe de 4/4/11.
AgRg no AREsp 2.219.917/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), 6ª turma, julgado em 15/5/23, DJe de 18/5/23.