No artigo final dessa série, faremos um breve apanhado das conclusões a que podemos chegar após examinarmos a origem da vedação que levou à edição da Súmula 231, a alteração do paradigma legal que sustentava tal posicionamento, o tratamento jurisprudencial desses dois momentos e os impactos que sua revogação poderia trazer no tratamento das agravantes e da pena máxima.
A análise dos julgados proferidos pelos Tribunais Superiores nos permite a chegar à conclusão de que, fundamentalmente, o que impulsionou a posição jurisprudencial hoje sedimentada foram decisões construídas e editadas sob a égide da legislação anterior.
Curiosamente, a jurisprudência, que deveria ser a fonte de direito mais flexível e adaptável ao contexto e realidade social, no caso em apreço, foi o que impediu uma solução admissível pelos dispositivos do Código Penal e patentemente mais adequada aos princípios da culpabilidade e da individualização.
Também, o tratamento jurisprudencial dispendido para com as circunstâncias atenuantes serviu para moldar sua própria definição doutrinária.
Assim sendo, a cristalização jurisprudencial moldou e deformou o instituto das circunstâncias legais, atribuindo-lhes características que não lhes são próprias, mas que tão somente existiam por conta de interpretação construída na vigência da antiga parte geral do Código Penal.
Não é cabível afirmar, portanto, que é da essência das circunstâncias legais que sua margem de variação se circunscreva aos limites do preceito secundário. Aliás, em geral, não se encontra na doutrina definição concreta de quais seriam as características essenciais do instituto, mas somente, definição extraída da observação de como são aplicadas no caso concreto.
Se por um lado o posicionamento que resolveram adotar os Tribunais Superiores não possui mais fundamento nos dispositivos legais do Código Penal, por outro, perpetua a afronta a princípios de direito penal consagrados pela Constituição da República de 1988, essencialmente o da culpabilidade, da individualização das penas e da própria legalidade.
Vale relembrar que, quando se consolidou o posicionamento que ainda se repte nos Tribunais, não só as disposições do Código penal eram outras, como sequer ainda vigorava a atual Carta Magna, a qual as disposições legais devem se adequar.
E isso se diz, pois, ainda que vigorassem as disposições legais antigas, seria de se pensar em sua inconstitucionalidade face ao princípio da individualização da pena. Não se pode simplesmente ignorar a garantia constitucional a uma pena justa e proporcional, individualizada no caso concreto, na medida da culpabilidade do agente. É essa garantia que vem sendo estorvada pelo entendimento sumular corrente.
No contexto atual, onde celeridade processual é confundida com eficiência do judiciário, exemplos como o do caso aqui estudado servem para reforçar a necessidade de se manter continuamente a preocupação com os assuntos já pacificados, pois, a cristalização de um posicionamento pode acobertar a perpetuação de injustiças. Nesse sentido, mais uma vez, é de se louvar a iniciativa do Min. Rogério Schietti em revisitar a matéria.
Em decorrência da inexistência de uma disciplina específica do comportamento das circunstâncias legais, é que tivemos de buscar os limites de sua atuação na natureza jurídica e na função dos marcos penas do preceito secundário.
Para esse fim, buscamos as razões históricas da criação das penas máxima e mínima, de onde pudemos concluir que, enquanto a primeira tem sua razão de existir na necessidade de limitação do poder punitivo estatal – e, portanto, intimamente ligada ao princípio da legalidade -, a segunda originou-se da necessidade de se estabelecer um critério legal prévio que norteasse a aplicação da pena, evitando-se com isso a aplicação de penas discrepantes para casos semelhantes.
Disso é possível extrair que ambos os marcos penais exercem um papel de norteador da aplicação da pena, mas que a convergência de suas funções aí se encerra. Pois além dessa função norteadora da aplicação da pena a pena máxima se erige como limite intransponível da sanção privativa de liberdade, avocando assim a função de garantia fundamental do indivíduo em relação ao estado.
É amparado nessas conclusões que defendemos a inexistência de qualquer limitação legal à redução da pena aquém do mínimo legal na segunda fase de aplicação da pena, eis que não subsiste qualquer vedação legal. Por outro lado, o aumento além do máximo nessa fase não seria possível em decorrência de inexistência de previsão legal nesse sentido e em razão da função precípua que exerce a pena máxima do ordenamento jurídico.
Esperamos que a investigação que trouxemos nessa série de artigos possa contribuir para o debate que deverá ser travado na 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. E esperamos que, na direção de nossas conclusões, o entendimento sumular possa ser revisto para se adequar ao “novo” paradigma legal, que no ano que vem completará 40 anos de vigência.