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Um emoji que custou R$ 300 mil: É possível a conclusão de um contrato por emojis no direito brasileiro?

Naturalmente nestes tipos de contrato, a manifestação de vontade não é a mesma dos contratos paritários, mas ainda assim é uma manifestação de vontade no sentido da adesão àquelas condições preestabelecidas.

24/7/2023

Em 2017, em Israel discutiu-se se um emoji de esquilo seria uma aceitação de um contrato1. No mês de junho de 2023, um juiz, no Canadá, decidiu que Achter deve pagar 82 mil dólares canadenses (R$ 300 mil) a SWT por não cumprir um contrato "assinado" com o emoji de “joinha”2. Essa notícia foi veiculada em diversos portais de notícias e chamou muito a atenção.

No caso concreto, West Terminal Ltd. [SWT] afirma que celebrou um contrato de compra e venda de linho, com Achter Land & Cattle Ltd. [Achter], no qual Achter concordou em entregar 87 toneladas métricas de linho, mas não entregou nenhum linho. Em razão da não entrega, SWT ajuizou ação de perdas e danos por descumprimento, do contrato, requerendo uma indenização de 82 mil dólares canadenses (R$ 300 mil). O réu nega celebração do contrato, em razão da falta de assinatura do contrato.

Ao decidir o processo, o juiz concluiu “que um ?? emoji é um meio não tradicional de 'assinar' um documento, mas, mesmo assim, nessas circunstâncias, essa foi uma forma válida de transmitir os dois propósitos de uma 'assinatura'- para identificar o signatário (Chris usando seu número de telefone celular exclusivo) e como decidi acima - para transmitir a aceitação do contrato de linho por Achter.”3.

Tal solução seria aplicável no Brasil?

Todo contrato representa um acordo de vontades, isto é, um encontro entre as vontades das partes ou ao menos um encontro entre declarações de vontade4, isto é, a convergência de vontades5 é essencial para que haja um contrato. Sem o encontro de vontades, não há como existir o contrato. Só se forma um contrato quando as partes entram em acordo sobre o objeto e o conteúdo do contrato.

Tal consenso é essencial mesmo nos chamados contratos reais que exigem a tradição da coisa, pois também, nesses casos, é necessário o encontro das vontades. Mesmo nos contratos de adesão, tal convergência é requisito essencial da celebração do contrato. Naturalmente nestes tipos de contrato, a manifestação de vontade não é a mesma dos contratos paritários, mas ainda assim é uma manifestação de vontade no sentido da adesão àquelas condições preestabelecidas.

Com ou sem tratativas, para que seja celebrado o contrato é essencial o encontro de vontade e, para tal encontro, é essencial que alguém tome a iniciativa. Essa iniciativa é denominada de proposta, oferta ou policitação, a qual representaria a manifestação inicial de vontade com intenção de vincular-se6 ao contrato.

Diante da força obrigatória da proposta, o destinatário dela (oblato) pode, por meio da aceitação da proposta, concluir o contrato. A aceitação é, portanto, o ato unilateral do oblato que concorda com os termos da proposta, isto é, trata-se de ato unilateral que tem um conteúdo coincidente com o da proposta7.

Para esse encontro de vontades é essencial que os sujeitos queiram “celebrar um contrato com certo conteúdo”8 e, para tanto, é essencial que cada um deles manifeste regularmente a sua vontade. Mesmo nos contratos eletrônicos, a manifestação de vontade é essencial para sua formação.

A manifestação de vontade pode ser expressa, quando a parte faz conhecer a existência de sua vontade, como, por exemplo, o envio de uma carta, de um e-mail ou mesmo uma declaração verbal.

Além disso, admite-se a manifestação da vontade por meio de uma operação (manifestação tácita), na qual cria-se uma situação material que demonstra a intenção de realização do contrato, isto é, um comportamento da parte demonstra que ela quer realizar o contrato.

Acerca da declaração tácita de vontade, esta “dá-se por meio de um comportamento concludente, assim configurado quando incompatível com a não aceitação”.9 Nas palavras de Pontes de Miranda, configura-se “por atos ou omissões que se hajam de interpretar, conforme as circunstâncias, como manifestação de vontade do ofertante ou do aceitante”10.

Por fim, admite-se que o próprio silêncio (ausência de qualquer comportamento), em certos casos, seja a manifestação de vontade da parte para a celebração de contratos, quando seja atribuído algum valor ao silêncio pela lei, pelos costumes ou pela convenção11. Não é qualquer silêncio que terá valor, mas aquele rodeado de circunstâncias que permitam atribuir-lhe algum significado12.

Assim, por exemplo, o direito reconhece eficácia no silêncio para fins de aceitação de herança ou ainda nos casos de prorrogação de contrato após o vencimento. Atualmente, é muito comum a renovação automática de contratos, se a parte avisada dessa possibilidade permanecer em silêncio. O artigo 432 do CC é expresso ao afirmar que “Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa”.

A existência de fato da declaração de vontade nem sempre significa sua existência sob o ponto de vista jurídico. Diz-se que a manifestação da vontade contratual é inexistente juridicamente nos casos de coação física, falta de consciência da declaração de vontade e ainda no caso de declarações que não sejam sérias13. Em tais situações, há ausência da vontade e, por isso, não há que se falar em formação do contrato. Nos demais casos em que houve a manifestação de vontade, ele ao menos existe juridicamente.

Resta a indagação: no direito brasileiro, um emoji de “joinha” pode fazer o papel da aceitação?

Ora, pelas razões acima expostas, é claro que são possíveis manifestações não verbais de vontade para a conclusão de um contrato. Admite-se até o silêncio. Mas um emoji pode assumir esse papel de comunicação não verbal para a conclusão de um contrato?

Os emojis podem sim exercer o papel de conclusão de um contrato atualmente14, mesmo no direito brasileiro. Para representarem a aceitação de um contrato, os emojis devem traduzir na conversa uma intenção clara e inequívoca de celebrar o contrato. Havendo dúvidas quanto a essa conclusão, outros elementos da comunicação havida entre as partes devem ser considerados. Não sendo possível concluir que houve realmente a manifestação de vontade no sentido da aceitação do contrato, não se deve reconhecer a existência do contrato.

Naturalmente, caberá aos tribunais interpretar a comunicação ocorrida por meio de emojis, analisando os efeitos e a real intenção das partes ao comunicar-se por esse meio.

Estima-se que mais de 10 bilhões de emojis são enviados todos os dias15 no mundo, incluindo naturalmente comunicações negociais e, naturalmente, eles aparecem cada vez mais em questões jurídicas16, envolvendo questões de responsabilidade civil17, criminais18 e de contratos. Eles representam uma linguagem universal digital que tem seu uso difundido cada vez mais e o direito não pode ficar alheio a sua interpretação. 

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1 File No. 30823-08-16 Small Claims Court (Herzliya), Dahan v. Shacaroff (Feb. 24, 2017), Digital Commons (in Hebrew) (Isr.)

2 Disponível em: https://www.livelaw.in/pdf_upload/2023skkb116-480130.pdf Acesso em 7 de julho de 2023.

3 Justice Timothy Keene - tradução livre de “This court readily acknowledges that a ?? emoji is a non-traditional means to ‘sign’ a document but nevertheless under these circumstances this was a valid way to convey the two purposes of a ‘signature’ - to identify the signator (Chris using his unique cell phone number) and as I have found above – to convey Achter’s acceptance of the flax contract.”

4 RIPERT, Georges; BOULANGER, Jean. Tratado de derecho civil: segun el tratado de Planiol. Trad. De Delia Garcia Daireaux. Buenos Aires: La Ley, 1964, t. 4, v. 1, p. 35.

5 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 88. 

6 D’ANGELO, Andrea. Proposta e accetazione. In: ROPPO, Vincenzo. Trattato del contrato: Formazione. Milano: Giuffrè, 2006, v. I, p. 32.

7 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los contratos: parte general. 2. Ed. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2010, p. 279.

8 TELLES, Inocêncio Galvão. Manual dos contratos em geral. 4. Ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 75.

9 MOTA PINTO, Paulo. Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurídico. Coimbra: Almedina, 1995, p. 546

10 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Tomo XXXVIII. Atualizado por Claudia Lima Marques e Bruno Miragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 88

11 TELLES, Inocêncio Galvão. Manual dos contratos em geral. 4. Ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 129; LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los contratos: parte general. 2. Ed. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2010, p. 262; D’ANGELO, Andrea. Proposta e accetazione. In: ROPPO, Vincenzo. Trattato del contrato: Formazione. Milano: Giuffrè, 2006, v. I, p. 86.

12 CARINGELLA, Francesco. Manuale di diritto civile II. Il contrato. Roma: Dike, 2011, p. 637.

13 TELLES, Inocêncio Galvão. Manual dos contratos em geral. 4. Ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 76-78.

14 MENSCHER, Keith. Thank you, I Emoji Your Offer: Emojis Translating Acceptance in Contracts. Disponível em: https://scholarship.shu.edu/student_scholarship/1265/ Acesso em 10 julho 2023.

15 https://www.expressvpn.com/blog/emojis-why-we-use-them-and-what-they-really-mean/ Acesso em 7 de julho de 2023.

16 https://www.law.com/newyorklawjournal/2022/11/14/thumbs-up-or-thumbs-down-new-york-court-analyzes-meaning-and-impact-of-emoji-in-contract-negotiations/ Acesso em 7 julho de 2023

17 TJ/SP;  Apelação Cível 1004509-59.2020.8.26.0291; Relator (a): José Rubens Queiroz Gomes; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jaboticabal - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/11/2021; Data de Registro: 12/11/2021.

18 TJ/DF - Acórdão 1438259, 07176967020228070000, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 21/7/2022, publicado no PJe: 25/7/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.

Marlon Tomazette
Advogado no escritório Tomazette, Franca e Cobucci Advogados.

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