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Os efeitos da decretação da falência no que concerne ao depósito recursal trabalhista

O tratamento dado ao depósito recursal trabalhista em que a massa falida é parte no processo, sob prisma do princípio par conditio creditorum e do princípio lex specialis derogat generalis.

21/7/2023

A Justiça do Trabalho dispõe de pressupostos para a admissibilidade de recursos interpostos por empregadores que forem condenados em decisão judicial, para requerer uma nova análise da decisão proferida. Dentre os pressupostos, tem-se a necessidade de preparo, o que se encontra elencado nos termos do §4°, do art. 899 da CLT1, sendo o pagamento do depósito recursal trabalhista uma condição de admissibilidade recursal.

A exigência do depósito recursal tem por finalidade garantir o cumprimento da decisão judicial, uma forma de demonstrar que o recurso não é um meio de furtar-se da obrigação imposta, mas rediscutir a decisão, concedendo ao empregado a garantia do recebimento das verbas que faz jus.

Desta forma, em demandas trabalhistas em que a Massa Falida é parte, podem existir valores que foram por ela depositados nos autos para garantia do juízo ou a suposta necessidade que faça o recolhimento do depósito recursal para que seu recurso seja analisado.

Neste ponto, cumpre ressaltar que o Juízo Falimentar é responsável por administrar os processos das empresas que se encontram em estado falimentar, com o intuito de garantir uma arrecadação eficiente do patrimônio da empresa falida, para realizar o pagamento do maior número possível de credores, na ordem de preferência estabelecida nos arts. 83 e 84  lei 11.101/05.

Ainda, cabe destacar que a lei 14.112/20 acarretou diversas modificações na Lei de Falência e Recuperação Judicial (11.101/05), em destaque a alteração do art. 22, sendo atribuído ao administrador judicial da massa falida o dever de promover a arrecadação dos valores depositados nos processos nos quais a massa falida seja parte, vejamos:

Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe:
III – na falência:
s) arrecadar os valores dos depósitos realizados em processos administrativos ou judiciais nos quais o falido figure como parte, oriundos de penhoras, de bloqueios, de apreensões, de leilões, de alienação judicial e de outras hipóteses de constrição judicial, ressalvado o disposto nas leis 9.703, de 17 de novembro de 1998, e 12.099, de 27 de novembro de 2009, e na Lei Complementar nº 151, de 5 de agosto de 2015.

Essa recente alteração reforça o entendimento de que os atos das execuções de créditos nas ações individuais em face da empresa falida devem ser realizados apenas pelo juízo universal, assim como quaisquer outros atos judiciais que abarquem o patrimônio da empresa falida.

Dito isso, cumpre ressaltar que o art. 6°, inciso II e III, da lei 11.101/05, reforça esse entendimento, na medida em que determina que a decretação da falência implica a suspensão das execuções ajuizadas pelos credores referentes a créditos ou obrigações sujeitas à falência, bem como proíbe qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens da massa falida.

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:
II - suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;     
III - proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. 

Assim, decretada a falência da empresa, é do Juízo Falimentar a competência para executar os créditos devidos pela empresa falida oriundo de demandas trabalhistas, o que significa que os depósitos recursais realizados pela empresa, em momento anterior à decretação da falência, devem ser enviados ao Juízo Universal. Nesse sentido, a competência da Justiça do Trabalho se limita à individualização e quantificação do crédito do trabalhador.

Necessário enfatizar o entendimento pacificado pelo C. Tribunal Superior do Trabalho:

“FALÊNCIA DA EMPRESA EXECUTADA. LIBERAÇÃO DOS DEPÓSITOS RECURSAIS AO EXEQUENTE. CABIMENTO DO MANDAMUS . INVIABILIDADE DO LEVANTAMENTO. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO JUÍZO FALIMENTAR QUANTO À DESTINAÇÃO DOS DEPÓSITOS, AINDA QUE EFETUADOS ANTERIORMENTE À DECRETAÇÃO DA QUEBRA. (…) 4. Por expressa disposição legal (arts. 6º, § 2º, e 115 da Lei 11.101/2005), e em conformidade com a jurisprudência do STJ e do TST, todos os créditos anteriores à decretação da recuperação judicial ou da falência estão submetidos ao procedimento especial de pagamento, após regular inscrição no quadro geral de credores, observadas as preferências e demais critérios legais, não podendo ser admitida, sob pena de afronta à lei, a liberação de depósitos recursais à parte exequente, ainda que tais depósitos tenham sido efetuados em momento anterior à quebra. Recurso ordinário conhecido e não provido” (RO-6916-52.2016.5.15.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 12/06/2020).

Verifica-se que o Colendo Superior Tribunal de Justiça - STJ, em julgamento de conflito de competência, reforçou o entendimento de que, mesmo o depósito judicial tenha sido feito antes da data da decretação da falência, compete ao Juízo falimentar decidir o destino dos depósitos recursais feitos no curso da Reclamatória Trabalhista:

Conflito de competência. Falência. Processo trabalhista. Depósito recursal. Levantamento. 1. Compete ao Juízo Falimentar decidir pedido de levantamento de depósito recursal efetuado pela falida, empregadora, nos autos de processo trabalhista. Irrelevante o fato do depósito ter sido efetuado antes da quebra. Decisão por maioria. 2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo suscitado. (STJ – CC: 32836 MG 2001/0095258-5, Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Data de Julgamento: 28/11/2001, S2 – Segunda Seção, Data de Publicação: DJ 31/03/2003 p. 142RSTJ vol. 174 p.281)

Cumpre mencionar que o E. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região tem aplicado o mesmo entendimento quanto a suspensão das execuções trabalhista e a transferência dos valores referente a massa falida para o juízo universal, senão vejamos:

(...)

Dessa forma, decretada a falência da empresa devedora, cessa a competência da Justiça do Trabalho para a execução do crédito trabalhista. Dou provimento para determinar a suspensão da presente execução e a expedição de certidão dos créditos apurados nestes autos, a fim de que sejam habilitados no juízo universal, para onde devem ser transferidos os valores bloqueados.(TRT DA 3ª Região; PJe: 0000268-43.2013.5.03.0017 AP; Disponibilização 22/09/2022; òrgão Julgador: Nona Turma; Relatora Maria Stela).

 Na doutrina, sobreleva o entendimento do Marcelo Barbosa Sacramone, que preleciona:

“Todos os bens ou valores pertencentes ao falido devem ser arrecadados. As constrições efetuadas em processos judiciais, como oriundas de penhora, bloqueios, apreensões, cauções ou depósitos recursais, ou mesmo os depósitos realizados em processos administrativos não implicam transferência da propriedade do bem. Não há direito adquirido sobre o valor da coisa penhorada, caucionada ou depositada e a mera constrição não implica pagamento. Nesses termos não apenas o credor deverá se habilitar no procedimento falimentar para que seja satisfeito o seu crédito conforme as regras da par conditio creditorum, como os valores e bens deverão ser arrecadados para a liquidação no procedimento falimentar”.2

Assim, apurado o crédito até a data da decretação da falência, caberá ao Juiz do Trabalho expedir a Certidão para Habilitação de Crédito, devendo o exequente ser intimado para promover a habilitação do seu crédito perante o Juízo Falimentar, ainda que haja depósito judicial disponível nos autos da ação trabalhista, arrecadado antes da decretação da falência, o qual deverá ser disponibilizado ao Juízo Universal.

Isso porque, a liberação dos valores ou qualquer pagamento realizado nos autos trabalhistas afrontaria o princípio do “Par Condicio Creditorum”, pelo qual os credores devem ser tratados de forma igualitária, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas, ou seja, visa garantir o recebimento paritário da universalidade de credores, considerando todo o ativo da Massa Falida, sem que um credor seja beneficiado ou prejudicado.

Por outro lado, no que tange à necessidade de a massa falida realizar o recolhimento do depósito recursal para manejar recursos, destaca-se que o princípio lex specialis derogat generalis estabelece que a lei especial sobrepõe a lei geral. Portanto, apesar do decreto lei 5.452/43 (CLT) impor a obrigatoriedade do recolhimento do depósito recursal por parte da empresa, cujo objetivo é  garantir o cumprimento da obrigação, ele não possui aplicabilidade para a empresa falida3, tendo em vista que a Lei de Falências 11.101/05, estabelece a garantia da arrecadação eficiente do patrimônio da empresa falida para o pagamento dos créditos de todos os credores, em igualdade de condições.

Neste sentido, inclusive, é a Súmula 86 do C. Tribunal Superior do Trabalho, senão vejamos:

Súmula 86 do C. TST -  Não ocorre deserção de recurso da massa falida por falta de pagamento de custas ou de depósito do valor da condenação. Esse privilégio, todavia, não se aplica à empresa em liquidação extrajudicial. Res. 129/05, DJ 20, 22 e 25/4/05.

Deste modo, acerca do depósito judicial na seara trabalhista, é possível concluir que alguns processos contêm depósitos judiciais que foram recolhidos antes e após a decretação da falência da empresa, não podendo ser objeto de deliberação sobre sua destinação nos autos trabalhistas, eis que devem ser transferidos para os autos falimentares, posto que a liberação destes afrontaria o princípio do Par Condicio Creditorum.

Por outro lado, os recursos interpostos pela empresa falida, que necessitariam do depósito recursal para a garantia do juízo, caso o mesmo não seja realizado, não serão considerados desertos, tendo em vista que a empresa falida não tem a obrigatoriedade de recolher o valor do depósito, sob pena de ofensa ao princípio lex specialis derogat generalis.

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Art. 899. Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora.

§ 4o O depósito recursal será feito em conta vinculada ao juízo e corrigido com os mesmos índices da poupança.

Lei de Recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo. 3ª ed. RT, São Paulo. 2022, pag. 183

Súmula nº 86 do C. TST -  Não ocorre deserção de recurso da massa falida por falta de pagamento de custas ou de depósito do valor da condenação. Esse privilégio, todavia, não se aplica à empresa em liquidação extrajudicial. Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.”

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SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Lei de Recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo, 3ª ed. RT, São Paulo, 2022, pág. 94.

RO-6916-52.2016.5.15.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 12/06/2020. Disponível em :https://jurisprudencia-backend.tst.jus.br/rest/documentos/d8e0d94e9022a6d8ebae21cbebce4548 Acesso em 03/07/2023.

STJ – CC: 32836 MG 2001/0095258-5, Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Data de Julgamento: 28/11/2001, S2 – Segunda Seção, Data de Publicação: DJ 31/03/2003 p. 142RSTJ vol. 174 p.281. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/7481370/relatorio-e-voto-13114155 Acesso em 03/07/2023.

TRT DA 3ª Região; PJe: 0000268-43.2013.5.03.0017 AP; Disponibilização 22/09/2022; òrgão Julgador: Nona Turma; Relatora Maria Stela. Disponível em: https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/empresa-e-condenada-por-pressionar-empregado-a-fazer-acordo-para-rescindir-contrato-apos-acusa-lo-sem-provas-de-furto-de-mercadoria Acesso em 03/07/2023.

Súmula 86 do C. TST -  Não ocorre deserção de recurso da massa falida por falta de pagamento de custas ou de depósito do valor da condenação. Esse privilégio, todavia, não se aplica à empresa em liquidação extrajudicial. Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.” Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/sumula-86-do-tst-nao-exclui-massa-falida-da-obrigacao-de-recolher-custas-processuais/3052769 Acesso em 03/07/2023.

Rogeston Inocêncio de Paula
Sócio fundador do escritório Inocêncio de Paula Sociedade de Advogados e Administrador Judicial em diversos processos de Recuperação Judicial, Recuperação Extrajudicial e Falência.

Nayara Rodrigues Pereira Campos
Advogada no escritório Inocêncio de Paula Sociedade de Advogados em Direito Privado.

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