Não é surpreendente que a pandemia de Covid-19 transformou a maneira como vemos e enfrentamos muitas coisas até então não tanto discutidas, como é o caso da nossa relação com a morte. No Brasil, desde o seu aparecimento, milhões de pessoas foram infectadas pela doença e centenas de milhares foram os registros de óbitos causados pela pandemia, o que certamente fez com que muitas pessoas passassem a lidar com o assunto de um modo mais objetivo.
Com os efeitos da pandemia, disparou o número de pessoas interessadas em planejar a sua sucessão e o destino de seus bens, o que refletiu em um aumento expressivo no número de testamentos no Brasil durante os últimos anos. De acordo com um levantamento efetuado pelo Colégio Notarial do Brasil, o número de registros de testamentos no país passou de 38.566 em 2012 para 52.275 em 2021, um crescimento de 35,5%. O mesmo estudo demonstra, ainda, que mais de 16 mil testamentos foram registrados no Brasil somente neste ano de 2023, até o dia 13 de junho.
O testamento é um ato unilateral e personalíssimo por meio do qual uma pessoa pode dispor, ainda em vida e em plena consciência, de seus bens para depois de sua morte, podendo ser alterado e/ou revogado a qualquer momento pelo testador. Não pode ser objeto do testamento a legítima dos herdeiros necessários (cônjuge, descentes e ascendentes), ou seja, metade dos bens da herança não pode ser livremente disposta por esse ato.
É um ato regulamentado pelo Código Civil Brasileiro, que nos seus arts. 1.862 e 1.886 divide os seus tipos entre ordinários (ou comuns) e especiais. Os ordinários são os mais utilizados e podem ainda ser subclassificados em: (i) público; (ii) cerrado (ou fechado), ou (iii) particular.
A modalidade que envolve uma estruturação mais formal é o testamento público e, por isso, é por muitos considerado o menos passível de eventuais discussões. Deve ser instituído por um tabelião, de acordo com as declarações do testador, e devidamente lavrado no respectivo livro de notas, na presença de duas testemunhas. Após lavrado, deve ser lido em voz alta pelo tabelião para todos, e assinado tanto pelo testador, como pelas testemunhas e pelo tabelião.
O testamento cerrado ou fechado, por sua vez, é escrito pelo próprio testador e deve ser entregue para aprovação do tabelião, na presença de duas testemunhas, declarando o testador, expressamente, que aquele é o seu testamento e que quer que seja aprovado. Logo, o tabelião deverá lavrar o auto de aprovação e seguir com a sua leitura ao testador e testemunhas, que deverão assiná-lo, juntamente com o próprio tabelião.
O modo mais prático e rápido para a manifestação da vontade do testador é o testamento particular. O documento pode ser escrito de próprio punho ou por mecanicamente pelo testador e para que seja válido, deve ser lido por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, e por todos eles devidamente assinado. Poderá ser admitido, em circunstâncias excepcionais, o testamento escrito e assinado pelo testador sem a presença de testemunhas, dependendo a sua validade da posterior confirmação pelo juízo, a seu critério.
Por muito tempo, o testamento foi visto (e ainda o é por algumas pessoas) como um ato útil somente para pessoas de elevado poder aquisitivo e que possuem muitos bens para dividir, o que vem sendo cada vez mais desmistificado. Desde junho de 2020, inclusive, passou a ser admitida a realização do testamento de modo online, por meio da plataforma e-Notariado, o que também contribui para a desburocratização do instrumento.
Resta evidente, diante do exposto, que o testamento é uma eficaz ferramenta de planejamento sucessório, que pode e deve ser utilizada por todas as pessoas interessadas em proteger a destinação de seus bens após a morte e inclusive dispor de assuntos não patrimoniais, fazendo valer a sua última vontade.