Em recente artigo abordamos a Resposta à Consulta 25.343/22, na qual a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (“SEFAZ-SP”) manifestou entendimento de que a Lei Estadual 10.705/00 permitiria a aplicação do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (“ITCMD”) sobre qualquer doação de bem localizado em Trust no exterior por doador estrangeiro a beneficiário residente ou domiciliado no Estado de São Paulo.
Ocorre que, conforme esclarecido no mencionado artigo, o posicionamento da SEFAZ-SP conflita com o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”) no TEMA 825, por meio do qual o STF determinou que: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”. Em outras palavras, sem a devida promulgação de Lei Complementar federal sobre o tema, não é permitido a qualquer órgão fiscal cobrar ITCMD (i) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior; ou (ii) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior.
Por que motivo, tramita no Congresso Nacional o projeto de LC 145/22 (“PLP”), que dispõe sobre a lei aplicável aos Trusts, sua eficácia e tratamento tributário no Brasil. O projeto aborda questões importantes atinentes à incidência tributária, dentre elas o ITCMD sobre as operações dos Trusts.
Neste PLP, os aspectos tributários dos Trust relacionados ao ITCMD são tratados nos arts. 7º ao 10, do Capítulo IV. Cabe um destaque a ser feito à definição do fato gerador do ITCMD indicado no art. 7º, qual seja, o momento em que o beneficiário adquire direito incondicional e imediato sobre qualquer parcela de ativos sob o Trust, tornando-se beneficiário efetivo.
O conceito de beneficiário efetivo vem esclarecido por expressa disposição do art. 2º da PLP, qual seja “beneficiário efetivo: pessoa favorecida pelo trust e que já tenha adquirido, de forma incondicional, total ou parcialmente, direito sobre o patrimônio do trust, assim entendido o direito imediato, não sujeito a termo ou condição, de acessar qualquer parcela de ativos sob o trust, seja através de distribuições, resgates de capital originário ou extinção do trust”.
O PLP também estabelece expressamente, no seu art. 8º, as hipóteses de não incidência do ITCMD, quais sejam, as operações de transferência patrimonial entre os instituidores e os trustees, e do trust para o instituidor, bem como as transferências, realizadas pelo trust a beneficiários que já tenham adquirido a condição de efetivos.
Nesta mesma seara, a Medida Provisória 1.171 de 30 de abril de 2023 (“MP”), que dispõe sobre a tributação da renda auferida por pessoas físicas residentes no País em, entre outras, trusts no exterior, possui dispositivo legal que conflita com a regra versada pelo PLP.
Para a MP, que atualmente tramita no Congresso Nacional para aprovação (e conversão em Lei) ou rejeição, da mesma forma que no PLP acima, “a distribuição pelo trust ao beneficiário, a partir de 1º de janeiro de 2024, possuirá natureza jurídica de transmissão a título gratuito pelo instituidor para o beneficiário, consistindo em doação, se ocorrida durante a vida do instituidor, ou transmissão causa mortis, se decorrente do falecimento do instituidor”, conforme disposto no §º do art. 7º da MP.
Assim, a despeito da Resposta de Consulta da SEFAZ-SP, que pode ser questionada judicialmente, é preciso acompanhar a tramitação do PLP, dado que, na aprovação deste pelo Congresso Nacional, os beneficiários de bens ou direitos originados em trusts estarão sujeitos ao pagamento de ITCMD.