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Cancelamento do plano de saúde por inadimplência

Caso a notificação informativa ocorra à revelia dos requisitos legais para a rescisão unilateral do contrato, a conduta da operadora de saúde deve ser considerada ilegal.

13/7/2023

Cada vez é mais comum as notícias de planos de saúde cancelados por inadimplência. Muitas vezes isso ocorre pela própria vontade do beneficiário, que, desejando o término do contrato, conscientemente deixa de pagar o convênio. Em outros casos, esse cancelamento ocorre por alguma razão alheia à vontade do consumidor que não a inadimplência voluntária e, nesses casos, onde existe o interesse da reativação do convênio médico, muitas dificuldades são enfrentadas. 

Nesse cenário, temos que a lei 9.656/98 (artigo, 13, inciso II) prevê a possibilidade da rescisão unilateral do contrato de plano de saúde após período superior a 60 dias, consecutivos ou não. Ocorre que para isso ser operacionalizado de forma correta e justa, a lei indica que o consumidor precisa ser notificado até o quinquagésimo dia, possibilitando, com isso, o pagamento e a manutenção do contrato.

Em consonância com os princípios informativos do Código de Defesa do Consumidor, em especial à luz dos princípios da boa-fé objetiva (artigo 4.º, inciso III) e da transparência (artigo 6.º, inciso III), tem-se que a prévia notificação do consumidor tem que ser: (i) FORMAL, realizada em documento próprio, destinado somente a esse fim; (ii) CLARA E INEQUÍVOCA, informando o consumidor os meses que ele deixou de pagar, o tempo que ele está inadimplente e, ainda, o risco de o plano ser cancelado; e (iii) TEMPESTIVA, ou seja, feita até o quinquagésimo dia de inadimplência. 

Caso a notificação informativa ocorra à revelia dos requisitos legais para a rescisão unilateral do contrato, a conduta da operadora de saúde deve ser considerada ilegal.

Com isto, pode-se considerar que a cláusula contratual que autoriza o cancelamento do plano de saúde em virtude de inadimplemento, sem a imposição do dever de notificação prévia à pessoa titular, é disposição abusiva e, por conseguinte, nula de pleno direito, haja vista que não atente aos preceitos normativos legais. 

Até porque os casos em que o consumidor está inadimplente de pequena parcela do contrato, há que se considerar o que a doutrina denomina de “direito à manutenção do contrato”, segundo o qual o fornecedor de serviços poderá valer-se das penalidades contratuais de natureza indenizatória e pecuniária, sendo-lhe vedado, no entanto, rescindir o contrato, tendo em vista a essencialidade do serviço prestado. 

Nesta hipótese, a penalidade aplicada pela seguradora em rescindir o contrato é considerada desproporcional, eis que o requerente teve o seu plano de saúde cancelado, mesmo tendo sido um beneficiário pontual com suas obrigações por um longo período. 

Justamente por esse ângulo, foi formulado o entendimento do enunciado 361, do Conselho da Justiça Federal: 

Arts. 421, 422 e 475 do Código Civil: O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475. 

Desta forma, tem sido considerado que se o contrato foi adimplido em parte substancial do seu objeto, o seu Adimplemento Substancial deve ser considerado, o que retira do lesado a possibilidade de escolher pela resolução do contrato, devendo exigir o seu cumprimento e eventuais perdas e danos.

Nestes casos, é possível afirmar que a operadora de saúde, ao se negar a assumir suas obrigações contratuais e não reativar o convênio médico após pedido do consumidor, demanda atitude passível de receber a pecha de abusivo, principalmente quando se percebe que ela impede que o contrato atinja o fim a que se destina (Código Civil, artigo 421), ocasionando desvantagem exagerada ao consumidor (Código de Defesa do Consumidor, artigo 51), com base em cláusulas contratuais nulas de pleno direito já que estabelecem obrigações consideradas iníquas, abusivas e que colocam o consumidor em desvantagem exagerada, todas incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (Código de Defesa do Consumidor, artigo 51, inciso IV), exigindo assim vantagem manifestamente excessiva do seu cliente (Código de Defesa do Consumidor, artigo 39, inciso V). 

Assim, surge a necessidade de se interpretar as cláusulas dos contratos de planos de saúde de forma mais favorável ao beneficiário, a fim de evitar que a presente situação lhe coloque em desvantagem exagerada (artigo 47 do CDC) e cause danos irreparáveis. 

Em virtude das reiteradas ações envolvendo esse tema, foi firmado entendimento pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, a teor do disposto na Súmula 94: 

Súmula 94: A falta de pagamento da mensalidade não opera, per si, a pronta rescisão unilateral do contrato de plano ou seguro de saúde, exigindo-se a prévia notificação do devedor com prazo mínimo de dez dias para purga da mora. 

Além da súmula citada, existem julgados recentes do Tribunal Bandeirante no qual possui entendimento sobre a necessidade de notificação para purgação da mora, conforme julgado abaixo: 

“APELAÇÃO – PLANO DE SAÚDE - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – Cancelamento de plano de saúde coletivo. Inadimplência superior a 60 dias. Não comprovação, porém, da notificação para purgação da mora, como determina o artigo 13, II, da Lei 9656/98. Aplicação por analogia. Resilição indevida. Teses de ilegitimidade passiva e litisconsórcio necessário corretamente afastadas pelo MM. Juízo a quo. Danos morais afastados. Ausência de ofensa a direitos de personalidade do autor, que de certa forma colaborou para a rescisão ao atrasar o pagamento das mensalidades. Sentença reformada em parte apenas para afastar a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Sucumbência recíproca. Recurso provido em parte.”  

(TJSP;  Apelação Cível 1001551-71.2018.8.26.0097; Relator (a): Costa Netto; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Buritama - 2ª Vara; Data do Julgamento: 07/04/2021; Data de Registro: 07/04/2021) 

Com isso, a Justiça se torna a principal aliada do consumidor contra as negativas dos planos de saúde, especificamente, quanto ao rescisões abusivas, sem que seja observado as disposições pertinentes ao tema.

Sérgio Meredyk Filho
Advogado e sócio no escritório Vilhena Silva Advogados.

Caio Henrique Sampaio Fernandes
Advogado e sócio no escritório Vilhena Silva Advogados.

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