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Mandado de segurança contra decisão judicial no sistema de precedentes e em habeas corpus

O presente ensaio pretende discutir algumas situações práticas envolvendo a utilização do Mandado de Segurança contra decisões judiciais prolatadas no âmbito do sistema de precedentes e de pronunciamentos em Habeas Corpus.

11/7/2023

O ponto de partida para a análise do tema em questão diz respeito ao sistema de preclusão e a irrecorribilidade imediata dos pronunciamentos interlocutórios de 1º grau que não estejam enquadrados nas hipóteses de cabimento do Agravo de Instrumento.

Vale aduzir, de imediato, que a modificação no sistema de preclusão gerou, de um lado, a ampliação do efeito devolutivo da apelação (art. 1009, § 1º, do CPC/15) e, de outro, novos capítulos da discussão envolvendo o tema mandado de segurança contra decisão judicial.

Uma coisa é certa: o writ constitucional não substitui o recurso a ser interposto contra a decisão judicial, cabendo ao impetrante a comprovação do ambiente de excepcionalidade, bem como a manifesta ilegalidade ou teratologia do pronunciamento impugnado.

Em recente Acórdão (EDcl em RMS 27746 – Rel. Min. João Otávio de Noronha – J. em 22.2.2022 – DJe 24.2.2022) a Corte Especial do STJ renovou esse entendimento, afirmando que: “Admite-se a impetração de mandado de segurança contra decisão judicial somente de forma excepcional, quando se tratar de ato manifestamente ilegal e/ou teratológico, se não houver instrumentos recursais próprios na via ordinária, previstos na legislação processual, de modo a impedir a lesão ou a ameaça de lesão a direito líquido e certo”.

Não se pode esquecer, outrossim, que o Tema 988/STJ (REsps Repetitivos 1696396 e 1704520 - Rel. Min. Nancy Andrigui – J. em 05.12.2018 – DJe 19.12.2018) fixou o Entendimento de que o Rol contido no art. 1.015, do CPC é de taxatividade mitigada, senão vejamos:

“O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”.

Como se pode perceber, por maioria, os membros da Corte Especial acolheram o voto da Exma. Ministra-Relatora para, ao  ampliar a interpretação do art. 1.015, do CPC, consagrar o chamado rol taxativo mitigado, permitindo a interposição de Agravo de Instrumento em outros casos concretos, quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do futuro manejo da apelação. Como consequência, esvaziou o cabimento de Mandado de Segurança contra decisão judicial, como se observa em decisão da 3ª Turma da Corte:

“4- Conquanto seja excepcionalmente admissível a impugnação de decisões judiciais lato sensu por mandado de segurança, não é admissível, nem mesmo excepcionalmente, a impugnação de decisões interlocutórias por mandado de segurança após a tese firmada no tema repetitivo 988, que estabeleceu uma exceção ao posicionamento há muito adotado nesta Corte, especificamente no que tange à impugnabilidade das interlocutórias, de modo a vedar, em absoluto, a impugnação dessa espécie de decisão pelas partes mediante mandado de segurança, porque há via impugnativa recursal apropriada, o agravo de instrumento” (RMS  63.202. STJ 3ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – Rel. p acórdão Min. Nancy Andrighi. J em 01.12.2020 – DJe 18.12.2020)”.

Em suma: após a Tese fixada no Tema 988/STJ, restou ampliada a recorribilidade das interlocutórias mediante Agravo de Instrumento o que, como consequência, afetou o manejo excepcional do Mandado de Segurança contra pronunciamento judicial.

Vale enfrentar, a partir de agora, outras três situações em que o STJ apreciou o tema objeto deste texto, com diferentes sinalizações acerca do (in) cabimento do mandamus.

Com efeito, é necessária análise cautelosa do resultado da Admissibilidade Recursal do REsp e RE realizada pela Presidência e Vice-Presidência dos Tribunais de Justiça e Regionais Federais, tendo em vista que pode provocar a interposição de Agravo Interno, perante a própria Corte Local,  e/ou AREsp/ARE, dirigido aos Tribunais Superiores (art. 1030, §§2º e 4º, do CPC). A interposição destes últimos recursos em caso que desafia o Interno provoca o não conhecimento recursal, sem que se fale em usurpação de competência e violação da Súmula 727/STF.

No tema:

“1. Inexiste usurpação de competência desta Suprema Corte na decisão que não conhece agravo em recurso extraordinário (artigo 1.042 do CPC/2015) interposto contra decisão que aplicou a sistemática da repercussão geral, passível de impugnação apenas por agravo interno (artigo 1.030, § 2º, do CPC/2015). 2. Hipótese de manifesto descabimento do agravo em recurso extraordinário interposto pelo reclamante, a afastar a incidência da Súmula 727 do STF. Precedentes: Rcl 24.145 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Primeira Turma, DJe de 25/10/2016, Rcl 24.365 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 25/08/2016, e Rcl 12.122 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe de 24/10/2013. 3. Impossibilidade de reexame de provas em sede de reclamação, que “não se qualifica como sucedâneo recursal nem configura instrumento viabilizador do reexame do conteúdo do ato reclamado, eis que tal finalidade revela-se estranha à destinação constitucional subjacente à instituição dessa medida processual” (Rcl 4.381 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, DJe de 5/8/2011). 4. Agravo interno desprovido” (Rcl 24885 AgR – 1ª Turma – Rel. Min. Luiz Fux – J. em  25/04/2017 – DJe 09/08/2017).

Em decisão de 2021, a Corte Especial do STJ ratificou o entendimento de que: “O Supremo Tribunal Federal tem decidido pela flexibilização de sua Súmula n. 727 nos casos de recursos manifestamente incabíveis, permitindo aos tribunais que não encaminhem ao próprio STF recursos que configurem evidente erro grosseiro, sem que isso importe em usurpação de sua competência” (AgRg no RO no AgRg no RHC 141534 / RS – Re. Min. Humberto Martins – Corte Especial – J. em 22/06/2021 – DJe 25/06/2021).

Nestes casos, portanto, envolvendo a flexibilização da Súmula 727/STF, não é passível de controle pelo mandado de segurança. Não há teratologia da decisão; pelo contrário, o erro grosseiro adveio do manejo do recurso manifestamente incabível, a justificar o seu trancamento imediato.

Essa flexibilização da Súmula 727/STF também é consequência do processo de massificação dos precedentes qualificados provocando uma atitude recursal correta, vedando a remessa de recurso manifestamente incabível e com erro grosseiro à Corte Superior.

Vejamos agora a segunda situação. A parte interpõe corretamente Agravo Interno após a negativa de seguimento do REsp/RE (art. 1030, I, e §2º, do CPC) e o Órgão colegiado mantém o óbice impedido de remessa do recurso ao Tribunal Superior. No caso, seria passível de mandado de segurança ou de Reclamação? Indagando de outra forma: seria cabível o remédio heroico contra Acórdão que manteve a negativa de seguimento do REsp/RE e, em última análise, obstou o acesso ao STJ/STF?

Não se pode esquecer que o MS não é sucedâneo recursal (Súmula 267/STF). A questão aqui a saber é se, além de eventuais EDs, existe outro recurso ou medida judicial diferente do mandamus a ser manejada após este Acórdão que manteve o óbice apontado pela Presidência ou da Vice-Presidência do Tribunal local?

No AgInt no MS 27637 (STJ Corte Especial – Rel. Min. OG Fernandes – J. em 1.09.2021 – DJe 13.09.2021), o STJ manteve entendimento de que é incabível o writ visando impugnar a certificação do trânsito em julgado do acórdão que apreciou o Agravo Interno, sob o fundamento de que a única medida cabível seria a oposição de aclaratórios. Vale citar passagens da Ementa do Acórdão:

“A orientação desta Corte é pacífica sobre o descabimento de Mandado de Segurança contra ato jurisdicional dos órgãos fracionários ou de Relator desta Corte Superior, a menos que neles se possa divisar flagrante e evidente teratologia [...]". (AgRg no MS 21.096/DF, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 05/04/2017, DJe 19/04/2017).2. A utilização do mandado de segurança para impugnar decisão judicial só tem pertinência em caráter excepcionalíssimo, quando se tratar de ato manifestamente ilegal ou teratológico, devendo a parte demonstrar, ainda, a presença dos requisitos genéricos do fumus boni iuris e do periculum in mora. 3. Na hipótese, não se verifica a ocorrência de decisão judicial teratológica, tampouco a existência de direito líquido e certo amparável pelo mandado de segurança, na medida em que foi impetrado contra decisão fundamentada, com motivação clara e consistente, embora em dissonância com a pretensão da ora impetrante. 4. A decisão impetrada, oriunda da Vice-Presidência do STJ, determinou a certificação do trânsito em julgado do feito, diante do fato de a parte ora impetrante não ter oposto o único recurso cabível contra o acórdão, que seria o de embargos de declaração, no prazo de 5 dias úteis, consoante prevê o art. 219 c/c art. 1.023 do CPC, e ter se limitado a protocolar petição após o trânsito em julgado. O processo de onde se originou a decisão atacada (AREsp 1.502.873/SP) é uma ação de improbidade administrativa ajuizada pelo MPSP contra o impetrante e outros no polo passivo, pugnando pela configuração de atos ímprobos previstos nos arts. 9º, 10 e 11 da lei 8.429/92. 5. Demais disso, a via mandamental não é adequada para veicular típica pretensão recursal, no sentido de que a parte recorrente postula a correção de um suposto erro de julgamento, o qual, segundo alega, teria ocorrido no julgamento da Vice-Presidência do STJ. 6. Com efeito, somente em um sistema recursal como o brasileiro, em que a sucessão indefinida de recursos e ações incidentais é a regra, é que se admite esse tipo de reiteração de conduta, porque, em verdade, inexiste qualquer sancionamento legal efetivo para esse comportamento processual, salvo eventuais condenações por recurso protelatório ou litigância de má-fé, as quais são, no mais das vezes, da mais clara ineficiência prática, diante de valores irrisórios atribuídos à causa”.

Em julgado mais recente, a Corte Especial ratificou o posicionamento quanto ao incabimento de Mandado de Segurança visando discutir pronunciamento judicial da Vice-Presidência do STJ que determinou o arquivamento dos autos, após a interposição de ARE contra acórdão que nega provimento ao AgInt interposto contra a decisão que negou seguimento ao RE em razão da falta de Repercussão Geral. No caso, a única irresignação seria mediante EDs, pelo que a impetração inadvertida do mandamus não impede o trânsito em julgado (não pode ser impetrado como sucedâneo recursal).

Esta é a Ementa:

“AGRAVO INTERNO NO MANDADO DE SEGURANÇA. ATO PRATICADO PELO MINISTRO VICE-PRESIDENTE DO STJ. DETERMINAÇÃO DE ARQUIVAMENTO DOS AUTOS PRINCIPAIS EM QUE CERTIFICADO TRÂNSITO EM JULGADO. TERATOLOGIA. INEXISTÊNCIA. 1. É manifestamente incabível o agravo (ARE) interposto contra acórdão que nega provimento a agravo interno desafiando decisão de negativa de seguimento a recurso extraordinário fundada em entendimento firmado em repercussão geral. Incidência da Súmula 322/STF ("Não terá seguimento pedido ou recurso dirigido ao Supremo Tribunal Federal, quando manifestamente incabível, ou apresentado fora do prazo, ou quando for evidente a incompetência do Tribunal"). 2. Desse modo, não há nenhuma ilegalidade ou teratologia na decisão objeto do mandado de segurança, mas apenas a evidência de que, não sendo cabível a espécie recursal utilizada (ARE), mas tão somente eventuais embargos declaratórios, cujo prazo decorreu in albis (artigo 1.023 do CPC), a certidão de fl. 898 atestou devidamente o trânsito em julgado. 3. Nesse quadro, sobressai a inexistência de direito líquido e certo do impetrante, que pretende utilizar o mandado de segurança como sucedâneo recursal, o que se dessume dos próprios argumentos expendidos, pretensão manifestamente inviável” 4. Agravo interno não provido” (AgInt no MS 27856 / DF – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – Corte Especial -J. em 22/02/2022 - DJe 25/02/2022).

Em maio de 2021, a 1ª Turma do STJ, no AgInt em RMS 53.790/RJ (Relator Min. Gurgel de Faria — J. em 17.05.2021), entendeu que, em razão do incabimento de Reclamação após o julgamento do AgInt (seguindo o padrão decisório advindo da Rcl 36.476/SP), é admissível o mandado de segurança na Corte de Origem1.

Antes de encerrar o texto, mister tratar situação envolvendo o (in)cabimento do Mandamus visando impugnar decisão judicial concedida em Habeas Corpus. Duas perguntas devem ser formuladas: é cabível a utilização do MS contra decisão advinda medida liminar concedida em HC? E a recíproca é verdadeira: é cabível impetração de HC contra decisão em MS?

Claro que as premissas (teratologia + incabimento de recurso) devem estar presentes.

As duas situações já foram enfrentadas pelo Superior Tribunal de Justiça. O Habeas Corpus 431.155/SP (Rel. Min. Laurita Vaz – J. em 21.12.2017) teve a liminar concedida contra decisão proferida em MS oriundo do TJE/SP.

A Corte, aliás, tem entendimento no sentido de que “concedida liberdade provisória, não se admite a impetração de mandado de segurança pelo Ministério Público para fins de atribuição de efeito suspensivo a Recurso em Sentido Estrito, que não o detém" (HC 389.496/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi – 5ª Turma, J. em 27/04/2017, DJe 09/05/2017).

Outrossim, em julgado recentíssimo, a 3ª Turma do STJ (RMS 66.683/MG - 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – J. em 08.03.2022), deu provimento ao Recurso em Mandado de Segurança e concedeu a segurança impetrada pelo credor de alimentos, contra decisão em Habeas Corpus impetrado pelo devedor, que obstou o cumprimento da ordem de prisão civil decretada com fundamento nos arts. 528, §3º  ou  911, do CPC.

Percebe-se, portanto, a grande variação de situações práticas que ainda (e sempre) provocam a discussão quanto ao cabimento de mandado de segurança contra decisão judicial.

José Henrique Mouta
Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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