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Integralização de capital social por meio de criptoativos

Percebe-se que o assunto dos criptoativos é bastante amplo e ainda requer muito estudo para que suas efetivas consequências jurídicas sejam compreendidas, de forma que haja uma regulamentação adequada e suficiente.

5/7/2023

Os criptoativos ainda dividem opiniões sobre sua utilidade frente à economia real e sobre a finalidade além da mera especulação de ativos. Seus apoiadores os chamam de revolucionários, enquanto seus críticos os consideram instáveis e até potencialmente perigosos. De qualquer forma, desde 2009 – ano de início da circulação do Bitcoin – uma das mais conhecidas criptomoedas –, o assunto não saiu de pauta. 

Diferentemente das moedas tradicionais, baseadas em quantidades físicas, os criptoativos (e mais especificamente as criptomoedas) são fundamentados na representação digital de um ativo, protegido por criptografia. Atualmente, são diversas as espécies em negociação no mercado, sendo algumas das mais conhecidas o bitcoin, a ethereum, a dogecoin, as stablecoins, etc. 

A velocidade e irreversibilidade das transações; o baixo custo por transação devido à independência de intermediários, tais como instituições financeiras; a confiabilidade das informações por conta da tecnologia do blockchain (que permite salvar cópias digitais repetidas de forma compartilhada, sincronizada e consensual em múltiplos locais de uma mesma rede) são suas principais características. Embora o Brasil (e o restante do mundo) ainda esteja compreendendo todas as possíveis aplicações e os riscos da adoção de criptoativos, caminhando a passos cautelosos no tocante à regulamentação destes ativos, a tendência é que sua crescente popularidade abra portas para utilização em maior escala. 

A lei 14.478/22, sancionada em dezembro, é um exemplo  das primeiras legislações brasileiras a versar sobre ativos virtuais, mesmo que de forma enxuta. Ela dispõe sobre as definições de ativos virtuais (ou criptoativos) e as diretrizes a serem observadas na prestação de serviços relacionados a estes ativos.  Mesmo não constituindo moeda de curso legal, as moedas virtuais são bens incorpóreos suscetíveis à avaliação financeira, devendo, inclusive, ser declaradas no imposto de renda, conforme orientação da Receita Federal.

Além dessa legislação, outro aspecto importante e bastante atual da discussão diz respeito ao Ofício Circular SEI 4.081/20/ME, publicado pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI), em face de questionamentos da Junta Comercial de São Paulo (JUCESP), referente à integralização de capital social por meio de criptomoedas, uma das diversas vertentes dos criptoativos. O ofício foi categórico em apontar para a permissividade deste tipo de integralização, seguindo a tendência internacional, a qual pode ser materializada no exemplo da Suíça, cujas transações de integralização de capital social envolvendo dinheiro digital têm sido registradas regularmente desde o ano de 2017, em face da ausência de impedimentos legais ou econômicos. 

De acordo com o DREI, este tipo de integralização é permitido, embora não haja disposições legais específicas a seu respeito – nem mesmo na lei 14.478/22, citada anteriormente. Essa permissão dá-se tanto em sociedades limitadas, quanto anônimas, em face da redação geral, respectivamente, do Código Civil (art. 997, inciso III), e da lei 6.404/76 (art. 7º). Ambos os diplomas legais indicam que a contribuição ao capital poderá ser feita em dinheiro ou por meio de qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação pecuniária. 

Ademais, a possibilidade de integralização do capital social com bens, e não necessariamente com dinheiro, já possui uma tradição consolidada no direito brasileiro, desde que, além de suscetíveis de avaliação em dinheiro, tais bens sejam atuais, penhoráveis e compatíveis com o interesse social. Percebe-se, assim, que as criptomoedas preenchem todos os requisitos mencionados. Inclusive, pode-se fazer um paralelo com a integralização do capital social por meio de ações, visto que ambas são tratadas como ativos financeiros do ordenamento jurídico brasileiro. 

A principal novidade apresentada pelo DREI, portanto, diz respeito à ausência de formalidades especiais exigidas no momento de registro de integralização do capital social com essa modalidade de bem. Este direcionamento, por sua vez, está intimamente ligado à Lei de Liberdade Econômica (lei 13.874/19), a qual possui, dentre seus objetivos, a desburocratização da atividade empresarial.  

Contudo, é importante ficar claro que para todo bônus há um ônus. Ou seja, a alta liquidez no mercado de criptoativos acarreta elevada volatilidade daquelas que não possuem lastro em ativos reais ou em moedas tradicionais. Com isso, alerta-se para o risco de o capital social anteriormente integralizado, que deve ser expresso em moeda corrente e que constitui garantia dos credores, sofra significativa redução devido às oscilações dos criptoativos, podendo os sócios responderem solidariamente pela integralização do restante do capital social (art. 1.052, do Código Civil). 

Assim, a lei 14.478/22 e o Ofício Circular SEI 4.081/20/ME demonstram avanços positivos na matéria de criptoativos. No entanto, percebe-se que o assunto dos criptoativos é bastante amplo e ainda requer muito estudo para que suas efetivas consequências jurídicas sejam compreendidas, de forma que haja uma regulamentação adequada e suficiente.

Maria Carolina Bertolini
Colaboradora da área de Direito Societário do escritório Silveiro Advogados e graduanda em Direito na FMP/RS (Fundação Escola Superior do Ministério Público).

Yan Viegas Silva
Advogado da área de Direito Societário e Contratos, é sócio de Silveiro Advogados.

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