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A incompetência do Senai para lançar crédito tributário

Não há previsão legal e constitucional para que o Senai lance crédito tributário. Ou seja, é completamente nulo, ilegal e inconstitucional o exercício do lançamento de crédito tributário realizado pelo Senai.

4/7/2023

É o comum o lançamento de suposto crédito tributário pelo Senai, com base no art. 10 do decreto 40.466/67. O suposto crédito comumente lançado por aquela entidade é o previsto no art. 6° do decreto-lei 4.048/42, trata-se, portanto, da Contribuição Adicional em benefício do Senai, quando a empresa possuir mais de 500 funcionários.

Todavia, a exigência é ilegal e deve ser extinta, tendo em vista a ilegitimidade do Senai em lançar o suposto crédito tributário.

O ato de lançamento de crédito tributário é privativo da Administração Pública.

O Senai, tendo em vista o Ato Institucional 4/66 ter dado “força de lei” ao decreto 60.466/67, entende que o disposto no art. 10 do mencionado decreto não pode ter sido revogado pelo decreto de 10 de maio de 1991, uma vez que o decreto revogador seria norma hierarquicamente inferior.

Ainda que se considere que o decreto 60.466/67 não tenha sido revogado pelo decreto de 10 de maio de 1991, carece de legalidade o exercício do lançamento do crédito tributário pelo Senai, pela revogação tácita realizada pela lei  9.003/95, tendo em vista a incompatibilidade das previsões.

A lei 9.003, de 16 de março de 1995, reestruturou a Secretaria da Receita Federal e atribuiu a ela a finalidade da administração tributária da União. Veja-se:

“Art. 1º A Secretaria da Receita Federal, órgão central de direção superior de atividade específica do Ministério da Fazenda, diretamente subordinada ao Ministro de Estado, tem por finalidade a administração tributária da União. Art. 2º Constituem área de competência da Secretaria da Receita Federal os assuntos relativos à política e administração tributária e aduaneira, à fiscalização e arrecadação de tributos e contribuições, bem assim os previstos em legislação específica.”

O art. 10 do decreto 40.466/67 tem a seguinte redação:

“Art. 10. A taxa adicional de 20% (vinte por cento) devida ao Serviço Nacional de aprendizagem Industrial (SENAI) pelos estabelecimentos que tiverem mais de 500 (quinhentos) empregados, conforme dispõe o artigo 6º do decreto-lei nº4.048, de 22 de janeiro de 1942, e o artigo 3º do Decreto-lei nº 6.245, de 5 de fevereiro de 1944, será recolhida diretamente ao SENAI, a quem incumbirá sua fiscalização.”

A lei 9.003/95 reestruturou a Secretaria da Receita Federal do Brasil e definiu a sua competência, que consiste nos assuntos relativos à política e administração tributária e aduaneira, à fiscalização e arrecadação de tributos e contribuições, bem assim os previstos em legislação específica.

Conforme a Lindb, a lei mais recente que possui o mesmoconteúdo e é incompatível com a lei mais antiga, revoga esta, basta ver o art. 2°, §1°, do mencionado diploma.

A lei 11.457/07 deixou expresso que todas as atividades relativas à administração tributária e aduaneira são de competência da Receita federal, ao prever, em seu art. 1°, parágrafo único que: “são essenciais e indelegáveis as atividades da administração tributária e aduaneira da União exercidas pelas servidores dos quadros funcionais da Secretaria da Receita Federal do Brasil.”

Mesmo sendo dispensável, a mencionada lei, ao alterar a redação do art. 6° da lei 10.593/02, expressamente dispôs que é atribuição do cargo de auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil a constituição, mediante lançamento, do crédito tributário e de contribuições. Veja-se:

“Art. 6º São atribuições dos ocupantes do cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil:

I - no exercício da competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil e em caráter privativo:

a) constituir, mediante lançamento, o crédito tributário e de contribuições;” (no original não consta destaques)

Ou seja, a lei em sentido formal atribuiu a competência de constituição, mediante lançamento, de crédito tributário à Secretaria da Receita Federal do Brasil, o que revogou tacitamente a previsão do art. 10 do decreto 40.466/67. À toda evidência, o exercício do lançamento fiscal realizado por órgão incompetente é nulo, conforme o art. 59, inciso I do decreto 70.235/72. Veja-se:

“Art. 59. São nulos:

I - os atos e termos lavrados por pessoa incompetente;”

Portanto, ainda que se considere invalida a revogação da atribuição de fiscalização e cobrança do adicional previsto no art. 6° do decreto-lei 4.048/42 e art. 3° do decreto-lei 4.936/42, pelo decreto de 10 de maio de 1991, houve a revogação pela lei 9.003/95.

A atribuição da competência de constituição de crédito tributário à Receita Federal, que é órgão vinculado ao Ministério da Fazenda,encontra amparo na Constituição de 1988. Como será demonstrado, o art. 10 do decreto 40.466/67 não passou pelo filtro da Constituição de 1988, ou seja, não foi recepcionado pela norma superior.

O art. 150 da CF tem a seguinte redação:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;” (no original não há destaques)

Atente-se que esta previsão atribui a competência de exigir tributo aos entes políticos. O art. 145 também corrobora esta competência, assim como o art. 149 da Constituição, que dá, inclusive, base constitucional para a instituição de contribuições parafiscais (RE 849.126 AgR, rel. min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18/08/2015), como é o caso do adicional para o Senai. Vejam-se as previsões:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo

Tais previsões, no contexto em que estão inseridas, não atribuem competência para instituir apenas por meio de leis os tributos, mas, também, para fiscalizar e cobrar os tributos, por meio do lançamento tributário.

O texto legal que criou o Instituto do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) - trazido pelo decreto 4.048 de 22 de janeiro de 1942 em nenhum momento incumbiu ao respectivo órgão proceder às atividades de fiscalização e de lançamento das contribuições cobradas, se restringindo, tão somente ao aspecto material de sua existência. Diante disso, não há como entender que o Senai seja o sujeito ativo da contribuição, nem que ele detenha competência para constituir, arrecadar e cobrar os respectivos créditos tributários, pelo tão só fato de o art. 10 do decreto 60.466/67 ter-lhe permitido fiscalizar o recolhimento da contribuição adicional do art. 6° do decreto-lei 4.048/42, sem nada falar a respeito sobretudo do lançamento.

Pelo exposto, não prospera o decreto 60.466/67 frente à revogação do decreto de 10 de maio de 1991. Ainda que assim não se entenda, a previsão do decreto 60.466 não foi recepcionada pela Constituição de 1988 ou pelas leis em sentido estrito que instituíram e atribuíram a competência de lançamento de crédito tributário à Receita Federal do Brasil. Entender que tal comando ainda prospera no ordenamento jurídico é ignorar todas as previsões em sentido contrário à disposição.

O STJ tem entendido como válida tão somente a Ação de Cobrança da Contribuição Adicional realizada pelo Senai, nos termos do REsp771.556/RJ, que permite ao Senai figurar no polo ativo na cobrança de créditos não recolhidos, o que não indica que o mesmo fiscalizou ou procedeu ao lançamento do referido crédito.

Para que a cobrança tributária seja legítima, o título executivo deve ser revestido de liquidez e certeza e, para isso, deve ser precedido do lançamento tributário, à toda evidência, por órgão competente para fazê-lo.

Portanto, conforme demonstrado, a União é, atualmente, o sujeito ativo da contribuição devida ao Senai, cuja constituição, arrecadação e fiscalização está a cargo dos Auditores -Fiscais da Receita Federal do Brasil, a quem cabe, também, proferir decisões em processo administrativo fiscal, restando à Procuradoria da Fazenda Nacional a eventual cobrança judicial dos respectivos créditos e ao Senai o produto da arrecadação.

Ainda que os argumentos expostos até aqui não sejam considerados, a revogação do art. 10 do Decreto n° 40.466/67 não escapa do conflito com a Constituição, em seu art. 146, inciso III, alínea “b”, que determina que cabe à lei complementar estabelecer normas sobre lançamento, e, como se sabe, o Código Tributário Nacional foi recepcionado como lei complementar. A previsão sobre a determinação da Constituição está no art. 142 do CTN, que atribui a atividade de lançamento à autoridade administrativa.

Veja-se:

“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.”

Frise-se, o Senai detém natureza jurídica de direito privado, e, por isso, não pode realizar ato de lançamento fiscal, de natureza eminente administrativa, nos termos do art. 142 do Código Tributário Nacional.

O STJ entende da mesma maneira que foi exposto acima ao julgar o recurso especial 1.571.933/SC. Veja-se:

“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES DESTINADAS ATERCEIROS. SERVIÇO SOCIAL AUTÔNOMO. AUTO DE INFRAÇÃO. LAVRATURA NA VIGÊNCIA DA LEI N.11.457/2007. NULIDADE.

  1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2).
  2. O decreto 494/62, que dispõe sobre o Regimento do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), não se enquadra no conceito de lei federal para fins de interposição do recurso especial, tendo em vista não ter sido expedido pelo Presidente da República, mas, à época, pelo Presidente do Conselho de Ministros.
  3. "O ente federado detentor da competência tributária e aquele a quem é atribuído o produto da arrecadação de tributo, bem como as autarquias e entidades às quais foram delegadas a capacidade tributária ativa, têm, em princípio, legitimidade passiva ad causam para as ações declaratórias e/ou condenatórias referentes à relação jurídico-tributária" (EREsp 1.619.954/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2019, DJe 1º/7/19).
  4. É nulo o ato de fiscalização conduzido pelo SENAI, na vigência da lei 11.457/07, que culminou na lavratura de auto de infração destinado à exigência de contribuição adicional.
  5. Agravo interno desprovido.” (não destaque no original)

Portanto, não há previsão legal e constitucional para que o Senai lance crédito tributário. Ou seja, é completamente nulo, ilegal e inconstitucional o exercício do lançamento de crédito tributário realizado pelo Senai.

Gustavo Leite
Advogado.

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