Na contemporaneidade, no Brasil, existem dois tipos específicos de controle de constitucionalidade, descritos como difuso ou incidental e abstrato ou principal. Nessa esteira, no pretérito, e cediço que a Constituição Brasileira de 1824 permitiu, inicialmente, a implantação do controle difuso, que concordava com o ideal presidencialista norte-americano inovador. Ou seja, todos os magistrados e tribunais dos Estados poderiam se utilizar do discernimento jurídico para extirpar ou não uma lei inconstitucional, de acordo com cada caso concreto. Todavia, neste sistema difuso, não havia a priorização das decisões vinculantes chamadas de (Stare decisis) , praticadas no controle americano, tendo como decorrências várias decisões conflitantes. Ou seja, se cada juiz ou tribunal julgasse de maneira diferenciada uma demanda repetitiva, poderia haver, teoricamente, um abalo na segurança jurídica e abarrotamento do judiciário.
Nesse contexto, com o controle difuso em sua plenitude, um número superlativo de recursos extraordinários e respectivos agravos trouxe com decorrência imediata reformas constitucionais e administrativas no STF. Por conseguinte, para se evitar a crise dos recursos extraordinários ou a crise do Supremo, foi descortinada no Brasil a Teoria da Transubjetivação dos direitos fundamentais – ato de concretizar direitos em um processo, priorizando a proteção real e efetiva, no qual parte-se do particular para o geral e vice-versa. Nessa toada, faz-se necessário argumentar sobre o caráter dúplice (objetivo e subjetivo) no qual os direitos fundamentais adquirem no processo de concretização no STF. Segundo o doutrinador Marco Aurelio Greco, “os dispositivos constitucionais não são mera expressão de propósitos ou de boa-vontade, estão lá para gerar efeitos concretos. Não há preceitos constitucionais meramente para tornar bela a obra feita por Constituintes. Todos devem ter sentido definidos e cabe a interpretação extrair, inclusive da norma programática, a maior eficácia positiva possível, no sentido de direcionar a ação dos respectivos destinatários”.
Outrossim, após toda a explanação sobre a concretização de direitos fundamentais, é importante que se descortine os três efeitos imediatos: o efeito irradiante, o dirigente e o horizontal dos diretos fundamentais. Ou seja, basicamente, há expansão dos efeitos no plano individual subjetivo para o objetivo institucional, além de interação entre as esferas públicas e as privadas, com atuação dos órgãos, das entidades e da população (visão tripartite). De acordo com o jurista Ingo Sarlet, “Esse processo de valorização de direitos fundamentais na condição de normas de direito objetivo enquadra-se de outra banda, naquilo que foi denominado de uma autêntica mutação de direitos fundamentais, provocada não só pelo Estado Liberal de Direito para o Estado Social de Direito, como também como pela conscientização da insuficiência de uma concepção de direitos fundamentais”.
Para continuar nessa discussão, é mister que se esclareça o diálogo existente entre o controle difuso, já apresentado, com o surgimento do controle concentrado no Brasil. Ou seja, é público, na doutrina, que se iniciou o controle abstrato com o intuito de se evitar intervenções federais no Brasil, colocando-se o Procurador Geral da República (PGR) como único responsável pelo feito. Destarte, descortinou-se o controle misto sui generis (difuso e abstrato), ao se visualizar o empoderamento do poder judiciário, uma vez que teria a palavra final na constitucionalidade do ordenamento jurídico. Nessa perspectiva, sabe-se que os atos normativos as leis têm presunção de constitucionalidade, pois foram criados pelo poder legislativo e aprovados pelo poder executivo, ou seja, ratificação por dois poderes institucionais. Nesse diapasão, a grande questão a ser exposta é sobre os limites de atuação judiciária no controle de constitucionalidade, uma vez que há tendência de aproveitamento de normas, tendo em vista a evitar sobrecarregar a produção e a aprovação de leis e atos normativos.
Nessa linha de discussão, apesar de toda a repercussão da transubjetivação dos direitos fundamentais, sabe-se que o aspecto objetivo e subjetivo devem resguardar a necessidade de positivação de políticas públicas conglobando com a dignidade da pessoa humana. Nesse viés, os direitos fundamentais descritos no artigo 5º da CRFB/88 tem uma dupla função: igualdade individual e repercussão estrutural adaptadora. Destarte, os direitos que já foram positivados na Carta Magna de 1988 perpetuam o ideal democrático republicano de extirpar as desigualdades sociais, sem, contudo, retirar a responsabilidade do Estado para com o cidadão contribuinte de impostos e deveres constitucionais.
Para finalizar, denota-se imprescindível discursar sobre e revolução digital na formação da Corte de precedentes na contemporaneidade. Explicando melhor, o STF tem a missão institucional de atuar de forma equânime, de acordo com o Estado democrático de Direito, pautando-se no mínimo de previsibilidade de decisões judiciais para se evitar insegurança jurídica. Para o ministro do STF Luiz Edson Fachin, “Não se teria genuínos precedentes constitucionais, se estes forem compreendidos a partir da sistemática do common law. Os precedentes brasileiros são sui generis, pois a forma de sua criação e elaboração não os aproxima nem dos precedentes do common law, nem jurisprudência romana, porque quiçá prescindem de uma precisa e necessária reiteração de julgados no mesmo sentido”. Nessa linha, o sistema brasileiro de controle possui uma fragilidade aparente, uma vez que se vincula as leis como primado para a segurança jurídica, devido a premissa do civil law enraizado na cultura do controle de constitucionalidade do pretérito. Portanto, pode-se concluir que para se transubjetivizar direitos fundamentais não basta seguir e respeitar a lei, faz-se necessário utilizar da hermenêutica abstrata com fundamentação de julgados e estar sempre adaptando ao ideal do interesse coletivo da população.
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