O Plano Diretor é um instrumento fundamental da política urbana que define como uma cidade vai crescer. Ele projeta a cidade para o futuro e tem um impacto significativo na vida de todas as pessoas.
Como Plano Diretor é uma construção para o futuro, cuja concretização acontece de forma diária e sistêmica, é necessário que existam revisões a cada tempo, com a finalidade de ponderar o que deu certo e rotas que precisam ser alteradas.
Em São Paulo, o Plano Diretor EstratégicoDE) de 2014 programou uma revisão intermediária para o ano de 2021, com o objetivo de realizar ajustes e aprimoramentos pontuais. No entanto, a pandemia da Covid-19 dificultou a participação popular, levando as manifestações contra a revisão naquele momento, em razão da impossibilidade de efetiva participação popular.
Diante dessa situação, a Prefeitura paulistana contratou, sem licitação, a Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE) para assessorar a revisão do PDE. No entanto, essa contratação foi suspensa pelo TJ/SP em agosto de 2021, o que contribui para impedir que a revisão intermediária ocorresse no período determinado.
É importante lembrar que o principal objetivo do Plano Diretor é construir territórios mais democráticos, dinâmicos, seguros, sustentáveis e atraentes para morar e empreender na cidade. A revisão intermediária visa corrigir rumos e aprimorar o Plano Diretor vigente, sem desfigurar ou desrespeitar os objetivos e diretrizes originalmente fixados para a política municipal de desenvolvimento urbano.
A Prefeitura de São Paulo realizou estudos técnicos via Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento e elaborou, por meio de um processo participativo relativamente extenso, uma proposta para a revisão intermediária do PDE. Em março de 2023, o PL 127/23 foi finalmente encaminhado pelo prefeito à Câmara Municipal.
Na Câmara, a Comissão de Política Urbana e Meio Ambiente foi o órgão inicialmente responsável pela análise do PL enviado pelo Executivo. Para cumprimento de nova etapa participativa, foram realizadas 53 audiências em apenas 40 dias, período de tempo demasiado curto para a discussão adequada de um assunto tão complexo.
Nesse contexto, a OAB/SP, por meio de sua Comissão de Direito Urbanístico, promoveu, em 12/5/23, um debate sobre o PL 127/23, contando com a presença de diversos especialistas, acadêmicos e representantes da sociedade civil. Vários pontos de atenção foram discutidos, incluindo o pedido para que o projeto de revisão da lei de parcelamento, uso e ocupação do solo urbano não fosse analisado antes da conclusão da revisão intermediária do PDE. Além disso, foi destacado o papel do Fórum SP 23, que produziu material técnico robusto voltado a subsidiar as discussões na Câmara Municipal.
Poucos dias após o evento que promovemos na Secional, foi apresentado pelo relator do projeto, vereador Rodrigo Goulart, um Substitutivo ao PL 127/23, cujo teor não só altera de forma significativa vários dispositivos do projeto originalmente elaborado pela SMUL como, também, extrapola o escopo da revisão intermediária, chocando-se com diversos objetivos e estratégias de ordenamento territorial fixados pelo PDE.
Dado seu altíssimo potencial de impacto sobre o território urbano, o Substitutivo suscitou muitas dúvidas quanto à legitimidade da propositura, pois as alterações propostas não se basearam em estudos técnicos e demandariam, no mínimo, a realização de amplos debates em preparação para sua votação, sob pena de restar violado o princípio jurídico da gestão democrática da cidade.
Entidades acadêmicas e profissionais que participaram do Fórum SP 23 manifestaram-se contrariamente ao Substitutivo, solicitando um processo participativo abrangente para avaliar suas propostas antes da votação pelo plenário da Câmara Municipal. Não obstante, o Substitutivo foi aprovado em primeiro turno de votação já em 31/5/23, iniciando-se, após, uma nova rodada participativa, com apenas oito audiências públicas programadas para discussão das propostas com a sociedade civil.
A forte mobilização da sociedade civil organizada contra o Substitutivo parece estar surtindo algum efeito, com alguns recuos anunciados para versão consolidada do PL 127/23 que será levada a segunda votação, em plenário.
Mostram-se especialmente problemáticos os seguintes pontos do Substitutivo:
- Alteração do traço de demarcação das áreas e influência dos eixos, com propostas de aumento dos limites atualmente estabelecidos, independentemente da real capacidade do tecido urbano de suportar os impactos ambientais, econômicos e sociais decorrentes do adensamento construtivo;
- Criação de “zonas de concessão” como territórios “em branco”, cujos parâmetros urbanísticos serão fixados via regulamento conforme o uso que se pretenda conferir aos ativos públicos concedidos ao setor privado;
- Aumento do gabarito de altura para áreas afastadas dos eixos de transporte, no intuito de permitir prédios mais altos, fomentando o aumento da densidade construtiva nos miolos de bairro por via transversa, com significativos impactos socioambientais no entorno;
- Estímulo à construção de vagas de garagem em áreas verticalizadas, contrariando a lógica de incentivar o uso do transporte público e diminuir emissões de gases com efeito estufa no setor de transportes;
- Uso dos recursos do FUNDURB para recapeamento de ruas e avenidas, despesas essencialmente de custeio, em completo desalinhamento com as normas gerais de política urbana postas pelo Estatuto da Cidade e com os compromissos de mitigação e adaptação climática assumidos pela cidade por meio do PlanClimaSP;
- Verticalização sem qualidade e predatória, sem controle adequado sobre a destinação das Habitações de Interesse Social construídas e sem atender à demanda da população de baixa renda, que concentra o maior percentual do déficit habitacional na cidade.
Existe, em suma, uma grande preocupação com os efeitos potencialmente prejudiciais do Substitutivo para a sustentabilidade da cidade de São Paulo, o que afetará todos os que nela vivem, trabalham e utilizam seus serviços. A disputa está em andamento e espera-se que o Legislativo leve em consideração as diretrizes e objetivos originários do Plano Diretor Estratégico e os rumos do desenvolvimento da maior cidade do país.