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Denúncia genérica em crimes societários

A denúncia genérica acaba por inverter o ônus da prova, pois a partir da inobservância por parte do órgão acusador do ônus da descrição mínima da conduta imputada na exordial - com a demonstração da potencial participação do denunciado nos fatos narrados.

15/6/2023

Sabe-se que a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. (HC 73.271/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 04/09/1996).

Em crimes societários, no entanto, criou-se a falsa ideia de que tais circunstâncias não precisam ser descritas, uma vez que em crimes tais não se exige a individualização pormenorizada das condutas.

Nasceu daí um sem-fim de erros e desacertos.

Isso porque muito embora não se exija uma descrição pormenorizada da conduta do agente nos crimes societários, isso não significa que o Parquet possa deixar de estabelecer um vínculo entre o denunciado e o fato a ele imputado, com tem ocorrido na prática.

Tem sido muito comum encontrar denúncias cuja responsabilidade criminal recai sobre um sócio, diretor ou administrador, pelo simples fato de que este agente consta no quadro societário da empresa, evidenciado uma flagrante situação de responsabilidade penal objetiva.

Ora, fazer parte de uma sociedade empresária não é crime.

Desse modo, não se pode autorizar que a persecução penal seja iniciada em desfavor de alguém sem que haja o mínimo vínculo entre as imputações feitas em desfavor desse agente e a sua efetiva atuação frente à empresa.

Nesse sentido os seguintes precedentes:

"HABEAS CORPUS. DESCAMINHO E SONEGAÇÃO FISCAL. DENÚNCIA CONTRA O SÓCIO DA EMPRESA. EXIGÊNCIA DA DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE DELITUOSA. CONSTRANGIMENTO CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Em se tratando de crimes societários, de autoria coletiva, a doutrina e a jurisprudência têm procurado abrandar o rigor do disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, dada a natureza dessas infrações, quando nem sempre é possível, na fase de formulação da peça acusatória, operar a uma descrição detalhada da atuação de cada um dos indiciados, admitindo-se, em conseqüência, um relato mais generalizado do comportamento que se tem como violador do regramento de regência. 2. Não se admite, contudo, pelo evidente constrangimento que acarreta, denúncia de caráter absolutamente genérico, sem ao menos um breve detalhamento da atuação de cada um dos indiciados, sem o que, por certo, se inviabilizará o exercício amplo do direito de defesa. 3. Mostrando-se inepta a peça acusatória, que invoca a condição do paciente de sócio majoritário da empresa para viabilizar a peça acusatória, sem fazer qualquer referência à sua participação na atividade considerada delituosa, evidenciado o constrangimento ilegal. 4. Habeas corpus concedido para trancar o andamento da ação penal em relação a Isaac Sverner, por inépcia da denúncia, sem prejuízo do oferecimento de um nova peça acusatória." (HC 40005/DF, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de 02/04/2007).

"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ESTELIONATO PERPRETADO CONTRA AUTARQUIA FEDERAL. EMPRESA DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEL. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. PACIENTES QUE FORAM DENUNCIADOS POR SEREM SÓCIOS-DIRETORES DA EMPRESA. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO MÍNIMA DE SUAS CONDUTAS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. 1. Embora não seja necessário a descrição pormenorizada da conduta de cada acusado, nos crimes societários, não se pode conceber que o órgão acusatório possa deixar de estabelecer qualquer vínculo entre os denunciados e a empreitada criminosa a eles imputada. 2. O simples fato de os réus serem sócios da empresa de transporte de combustível não autoriza a instauração de processo criminal por crimes praticados no âmbito da sociedade, se não restar comprovado o vínculo entre a conduta e os agentes, sob pena de se reconhecer impropriamente a responsabilidade penal objetiva. 3. A inexistência absoluta de elementos individualizados, que descrevam a relação entre os fatos delituosos e a autoria, ofende o princípio constitucional da ampla defesa, tornando, assim, inepta a denúncia. 4. Ordem concedida para, reconhecendo a inépcia da denúncia, por ausência de individualização das condutas, determinar o trancamento da ação penal instaurada em desfavor dos pacientes."(HC 54868/DF, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJ de 26/03/2007).

Em que pese a possibilidade de oferecimento da denúncia sem a discriminação precisa e individualizada das condutas, faz-se necessário, sem sombra de dúvidas, explicitar-se minimamente o nexo entre a conduta, o acusado e o resultado ilícito.

Portanto, mesmos nos crimes chamados societários ou de autoria coletiva, não se dispensa uma descrição, ainda que mínima, da participação de cada acusado na trama das ações tidas por delituosas, pois é dessa forma que se viabiliza o adequado exercício do direito de defesa.

É preciso registrar, por fim, que a denúncia genérica acaba por inverter o ônus da prova, pois a partir da inobservância por parte do órgão acusador do ônus da descrição mínima da conduta imputada na exordial - com a demonstração da potencial participação do denunciado nos fatos narrados -, em última análise implica na inaceitável incumbência do denunciado em demonstrar a sua não participação nos fatos ou a sua inocência, o que não se admite em um Estado democrático de direito.

Tainah Lasmar Leon
Advogada especialista em Direito Penal Empresarial. Foi Assessora Jurídica do Ministério Público do Estado de Mato Grosso por mais de uma década. Atuou no GAECO e em outros núcleos sensíveis.

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