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Negativação do nome apenas mediante notificação: Proteção ou retrocesso?

Impossível não notar que o STJ provavelmente tenha perdido uma oportunidade de conseguir estabelecer uma regra que fosse mais conveniente para todos, beneficiando indistintamente os devedores, em detrimento dos credores.

15/6/2023

Em recente julgamento1, o Superior Tribunal de Justiça – STJ estabeleceu que o cadastro restritivo do consumidor perante os órgãos de crédito, a famosa negativação do nome, poderá ser efetuado apenas após a devida notificação no endereço de cadastro, nos termos do quando exigido pelo art. 43, §2º, do Código de Defesa do Consumidor – CDC. Em que pese ter mantido o quanto previsto nas Súmulas 3592 e 4043, ou seja, ter beneficiado a agilidade e maior informalidade do ato de cobrança com a dispensa do aviso de recebimento (AR), a 3ª turma do STJ, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, rechaçou a possibilidade de substituir a notificação impressa por meios de comunicação mais dinâmicos e modernos, como o e-mail ou sms.

O acordão, nesse sentido, levou em consideração que nossa sociedade ainda possui profundas desigualdades econômicas e sociais e, portanto, destacou que não pode ser ignorado o fato de que o consumidor poderia até possuir um e-mail, mas, ao mesmo tempo, não teria necessariamente acesso facilitado que permitisse, sem maiores dificuldades, a conferência do recebimento de eventual comunicação, “ressaltando-se a sua vulnerabilidade técnica, informacional e socioeconômica”.

Dentro deste contexto, estamos diante de uma delicada contraposição entre a tentativa de seguir dinamizando as relações comerciais, inclusive no que diz respeito à cobrança de eventuais dívidas, cientes de que a negativação do nome do consumidor é uma medida dura, porém, muitas vezes eficaz, e o potencial risco de lesionar o nome de um consumidor vulnerável que não teve condições de ter ciência da iminente negativação do seu nome.

Para fomentar essa discussão, se faz necessária a aplicação da lição aristotélica sobre igualdade, para que tratemos igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.

Nesse sentido, para que a preocupação demonstrada no acórdão proferido pelo STJ não seja ignorada, antes de rechaçar por completo a possibilidade de substituir a notificação formal no endereço do consumidor por um e-mail, por exemplo, é essencial que a natureza da relação de consumo e seu contexto sejam levados em consideração.

Cientes do dinamismo atual das relações de consumo, potencializado pela digitalização das relações durante a pandemia do covid-19, é inegável que nossa sociedade está adaptada à realidade das compras on-line por computador ou celular pessoal.

Dentro deste mesmo contexto, ainda que não realizada em ambiente virtual, muitas relações de compra e venda são concretizadas pessoalmente com o uso de tablets ou computadores e, portanto, viabilizariam o ajuste contratual para prever o e-mail, ou até mesmo o WhatsApp, como comunicação oficial até mesmo para fins de negativação.

No caso concreto, caso o devedor realmente seja vulnerável, é razoável que se exija o envio notificação para que a negativação possa ser efetivada. Entretanto, não provada a vulnerabilidade, seria igualmente razoável aceitar o quanto previsto em contrato (pacta sunt servanda), destacando que se houvesse previsão contratual para fixar o e-mail como meio de comunicação oficial, automaticamente, a comunicação por e-mail para fins de negativação deveria ser considerada suficiente.

O STJ, portanto, se valeu da interpretação contextual mais extremista e fixou a regra levando em consideração o parâmetro de casos mais extremos de vulnerabilidade, deixando de estabelecer qualquer exceção que pudesse minimamente levar em consideração o conceito aristotélico abordado.

A decisão se mostra acertada, protegendo, na dúvida, os consumidores de uma forma genérica, mas poderia ter sido mais precisa e ter tratado os consumidores na medida de sua desigualdade, o que certamente representaria um avanço.

Nesse sentido, talvez seja exagerado falar em retrocesso, na medida em que o direito dos consumidores, em sua essência, foi protegido. De qualquer maneira, impossível não notar que o STJ provavelmente tenha perdido uma oportunidade de conseguir estabelecer uma regra que fosse mais conveniente para todos, beneficiando indistintamente os devedores, em detrimento dos credores.

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1 REsp 2.056.285 (STJ).

2 Súmula 359 do STJ: Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição.

3 Súmula 404 do STJ: É dispensável o aviso de recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros. (SÚMULA 404, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/10/09, DJe 24/11/09).

Bruno Maglione
Sócio do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados (FF Advogados), responsável pelas áreas de contencioso cível, arbitragem e imobiliário. Mestre em Direito dos Negócios pela FGV/SP.

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