No que tange ao controle externo, a responsabilidade dos administradores de recursos públicos, escorada no parágrafo único do art. 70 da Constituição, segue a regra geral da responsabilidade civil.
Com efeito, segundo a jurisprudência consolidada do TCU, no âmbito dos processos de controle externo, a responsabilidade dos gestores de recursos públicos é de natureza subjetiva e o dever de reparar prejuízo causado ao erário independe da intenção do agente que praticou o ato irregular, bastando que tenha atuado com culpa lato sensu em qualquer uma de suas modalidades.1
Ou seja, para caracterizar a responsabilidade subjetiva do agente público devem estar presentes os seguintes elementos:
a) ação (comissiva ou omissiva) e antijurídica; b) existência de dano ou infração a norma legal, regulamentar ou contratual; c) nexo de causalidade entre a ação e a ilicitude verificada; e d) dolo ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia) do agente.
Sobre o tema, é relevante apontar interessante distinção entre responsabilidade no Controle Externo e Legislação Eleitoral. O TCU não exige a prática de conduta dolosa como requisito para a responsabilização do gestor público ou de quem tenha causado dano ao Erário. Por sua vez, a legislação eleitoral prevê expressamente a existência de dolo como requisito para a aplicação da sanção. O art. 1º, I, “g”, da lei Complementar 64, com a redação que lhe foi conferida pela lei Complementar 135 (lei da Ficha Limpa)2, estabelece que:
“são inelegíveis os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.”
Sendo assim, podemos concluir que a legislação eleitoral é mais restritiva do que a responsabilização no âmbito do controle externo pelo TCU, especialmente no que concerne à definição das condutas que ensejam a aplicação de sanções.
De todo, modo, no âmbito do controle externo espera-se do gestor probo e diligente que demonstre a boa e regular aplicação dos recursos. Age com culpa o gestor que não prova a aplicação dos recursos sob sua responsabilidade, pois a não comprovação, conduz, necessariamente, a dano que deve ser ressarcido.
O dever de indenizar nasce do dano causado por culpa do agente. São irrelevantes o dolo ou a prova de que tenha obtido benefício para si ou para outrem. A presença de dolo e de eventual locupletamento são circunstâncias que, quando presentes, conferem maior gravidade ao ato ilícito.3
Dessa forma, a ausência de dolo por parte do ordenador de despesa não o exime do dever de recompor o dano a que deu causa. Ocorre que, para que ocorra a correta apuração de irregularidade na gestão dos recursos públicos, se faz necessário avaliar a existência de atos administrativo de gestão por parte do prefeito.
A regra geral definida pela jurisprudência do TCU pauta-se no seguinte questionamento. Existe a prática de atos administrativo de gestão por parte do prefeito? Sim: responsabilidade pessoal do dirigente máximo, exceto quanto a aspectos técnicos específicos. Não: não responde, via de regra, exceto no caso de grave omissão no desempenho de suas atribuições de supervisão hierárquica. Sobre o tema confira:
“Agentes políticos somente podem ser responsabilizados quando praticarem atos administrativos de gestão ou, se não praticarem, quando as irregularidades tenham caráter de tal amplitude e relevância que, no mínimo, fique caracterizada grave omissão no desempenho de suas atribuições de supervisão hierárquica.” Acórdão 3769/2018-Segunda Câmara | Relator: MARCOS BEMQUERER.
Ou seja, quando não estão envolvidos na execução direta do contrato ou na gestão dos recursos que financiam as atividades públicas, os agentes políticos apenas podem ser alcançados se as irregularidades tiverem tal amplitude e relevância que, no mínimo, fique caracterizada grave omissão no desempenho de suas atribuições de supervisão hierárquica.4
A distinção jurídica apontada anteriormente, diferenciando a existência ou não de atos administrativo de gestão praticado pelo prefeito, sobreleva a importância de se aferir a possibilidade de delegação de competência e a sua consequência para fins de responsabilização.
Sobre o tema, a regra geral adotada pelo TCU é que o instrumento da delegação de competência não retira a responsabilidade de quem delega5. Ou seja, mesmo em casos de execução dos recursos conduzida por auxiliares vinculados ao gabinete do chefe do executivo municipal, a condição de agente político não afasta a responsabilidade do prefeito, que pode responder por culpa in vigilando.6
No entanto, a mencionada regra comporta algumas exceções contempladas pela jurisprudência do TCU. Segundo a Corte, para que seja afastada a responsabilidade do prefeito, uma das condições necessárias é a existência de uma delegação de competência feita por meio de lei municipal que indique com precisão a autoridade competente para a prática dos atos de ordenação de despesa.7
Ressalte-se que, a comprovação de que os atos de gestão do convênio foram praticados por secretário municipal, conforme competência prevista em lei municipal, afasta a responsabilidade do prefeito pela utilização dos recursos transferidos, mesmo que, na condição de agente político, figure como signatário do ajuste.8
A ratio decidendi reside na constatação, pela Corte, que em casos tais não haveria propriamente delegação de competência, mas sim uma atribuição legislativa de competência aos secretários municipais por meio de disposição expressa por meio de lei municipal.
Portanto, o TCU tem admitido afastar a responsabilidade pessoal do prefeito em função de ter havido delegação de competência à ocupante do cargo de Secretária Municipal, uma vez que tal delegação seja determinada por disposição de lei municipal e que os atos de gestão foram por esta praticados.
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1 TCU. Acórdãos 185/2016, Rel. Vital do Rêgo, 1.427/2015, Rel. Augusto Nardes e 1.512/2015, Rel. Bruno Dantas, todos do Plenário.
2 A Lei Complementar nº 184/2021 alterou a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, para excluir da incidência de inelegibilidade responsáveis que tenham tido contas julgadas irregulares sem imputação de débito e com condenação exclusiva ao pagamento de multa.
3TCU. Acórdão 2367/2015-TCU-Plenário, Rel. Benjamin Zymler, 5297/2013-1ª Câmara, Rel. José Múcio e 1942/2012-2ª Câmara, Rel. Aroldo Cedraz.
4 TCU. Acórdão 2083/2013-Plenário | Relator: ANA ARRAES
5 TCU. Acórdão 476/2008-Plenário, Acórdão 296/2011-2ª Câmara e Acórdão 894/2009-1ª Câmara.
6 TCU. Acórdão 10679/2021 – Primeira Câmara (Tomada de Contas Especial, Relator Ministro Benjamin Zymler.
7 TCU. Acórdão 10397/2021 – Segunda Câmara. Tomada de Contas Especial, Relator Ministro Substituto Marcos Bemquerer Costa.
8 TCU. Acórdão 8674/2021-Segunda Câmara, Redator: RAIMUNDO CARREIRO.