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Resgate do saldo do FGTS: Uma alternativa para o custeio da fertilização in vitro

O levantamento do saldo do FGTS para o custeio de fertilização in vitro pode ser uma realidade para famílias que enfrentam dificuldades financeiras, e que não disponham de tempo para esperar na fila do SUS, em respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e ao direito à saúde.

6/6/2023

É um sonho de muitas pessoas poderem constituir famílias e terem filhos, mas, por vezes, condições de saúde atrapalham e/ou impedem a concretização desse desejo. Assim, para muitos, a possibilidade de gerarem herdeiros passa pela necessidade de submissão ao procedimento de fertilização in vitro (FIV), que é um tratamento médico que oferece esperança e possibilidade de realização do sonho da maternidade/paternidade.

Mas na hora de recorrerem à técnica, muitas famílias encontram um grande obstáculo, pois o procedimento médico pode ter um custo muito elevado, tornando difícil (ou até impossível) para algumas pessoas arcarem com todas as despesas. E recorrer ao SUS, normalmente, leva muitos anos – algo contraditório para muitas pessoas, cujo relógio biológico está perto da contagem final.

Alguns cidadãos recorrem a uma última alternativa, que é buscar resgatar o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para custear o procedimento, mas esbarram numa negativa administrativa da Caixa Econômica Federal, sob a alegação de que esta hipótese de liberação do dinheiro não está prevista na legislação.

Assim, muitas famílias acabam desistindo do procedimento, e renunciando ao sonho de toda uma vida. Só que essas pessoas não sabem que uma solução possível para a realização do sonho da maternidade/paternidade é recorrer judicialmente ao resgate do saldo do FGTS para garantir o custeio da fertilização in vitro.

Hoje, as hipóteses de levantamento do saldo do FGTS estão elencadas no art. 20 da lei 8.036/90. E, teoricamente, a fertilização in vitro não se enquadra nesse rol de itens.

No entanto, com o passar dos anos, a jurisprudência dos Tribunais passou a interpretar este rol de itens como de caráter exemplificativo - o que significa dizer que as hipóteses ali dispostas seriam as mínimos possíveis, mas que outras não poderiam ser descartadas, se esbarrarem em emergências, doenças graves ou miserabilidade:

MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA OFICIAL. SALDO FGTS.

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SAQUE/LEVANTAMENTO DE SALDO DO FGTS. REPRODUÇÃO ASSISTIDA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PROTEÇÃO À FAMÍLIA. LEI 8.036/90. ART. 20. (IM) POSSIBILIDADE.

I. O direito do trabalhador à movimentação de conta vinculada ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço não é amplo e irrestrito, estando autorizada nas hipóteses elencadas na lei 8.036/90.

II- Considerando a iterativa jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça e desta E. Corte no sentido de permitir o saque dos valores depositados, a fim de que seja atendida a finalidade social do Fundo e atenta aos princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção e promoção da família e ao direito à saúde, devem os valores da conta vinculada da parte requerente ser imediatamente liberados de modo a fazer frente às despesas necessárias ao tratamento requerido.

(TRF-4 - AC: 50043311720224047114 RS, Relator: SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, Data de Julgamento: 26/4/23, QUARTA TURMA)

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA NECESSÁRIA. FGTS. LIBERAÇÃO DE VALORES. REPRODUÇÃO ASSISTIDA. CUSTEIO DE TRATAMENTO DE FERTILIZAÇÃO IN VITRO. POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO.

1. O rol do art. 20 da lei 8.036/90 é exemplificativo, podendo ser concedida a liberação dos valores da conta do FGTS em outras situações, mediante análise das particularidades do caso concreto.

2. A autora possui "infertilidade primária" e "baixa reserva ovariana", de modo que as moléstias a que está submetida em razão de sua condição habilitam-na ao enquadramento nas hipóteses do referido dispositivo.

3. Sentença mantida.

(TRF-4 - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL: 50158539620214047107, Relator: LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, Data de Julgamento: 6/4/22, QUARTA TURMA)

LEVANTAMENTO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PROTEÇÃO

À FAMÍLIA. REPRODUÇÃO ASSISTIDA. FINALIDADE SOCIAL DO

FUNDO.

Considerando a iterativa jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça e desta E. Corte no sentido de permitir o saque dos valores depositados, a fim de que seja atendida a finalidade social do Fundo e atenta aos princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção e promoção da família e ao direito à saúde, devem os valores da conta vinculada da parte requerente ser imediatamente liberados de modo a fazer frente às despesas necessárias ao tratamento requerido.

(TRF-4 - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL: 50198995720184047100 RS 5019899-57.2018.4.04.7100, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 18/09/2018, TERCEIRA TURMA)

Este posicionamento dos Tribunais tem seguido a linha de privilegiar e destacar a finalidade social do programa FGTS, notadamente quando estão em jogo os direitos individuais à vida, à saúde e à dignidade do cidadão.

E no caso da fertilização in vitro, muito embora a situação possa não envolver uma doença que coloque em risco à vida do cidadão, a Justiça tende a interpretar que aquele cenário se assemelha a um tratamento em razão de doença grave, previsto no art. 20, XIV, da lei 8.036/90, uma vez que todas as circunstâncias que o envolve tem o potencial de abalar a saúde psíquica daquela família, uma vez que a falta de acesso ao recurso impediria a realização do sonho de ter filhos.

Se analisarmos a situação pelo prisma da Constituição Federal, temos que a nossa Carta Magna considera a dignidade da pessoa humana como princípio estruturante do Estado Democrático de Direito, o listando no seu art. 1º, inciso III, tamanha a relevância desse preceito para nortear a condução de nossa sociedade.

Ademais, o art. 5° do decreto-lei 4.657/42 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro) aponta que o julgador deve aplicar a Lei visando o atendimento dos fins sociais a que ela se dirige, e às exigências do bem comum.

Com isso, ainda que o caso da fertilização in vitro não esteja previsto na legislação, o ordenamento jurídico - se analisado de forma sistemática e baseada em princípios -, bem como a própria jurisprudência, entendem que o rol do art. 20 da lei 8.036/90 não deve ser enquadrado de forma taxativa (ou restritiva), de forma que deve a Justiça autorizar a liberação do saldo do FGTS fora das hipóteses legais.

O tema é tão relevante para a sociedade que neste ano de 2023 passou a tramitar na Câmara dos Deputados o projeto de lei 55/23, proposto pelo deputado Marangoni (União/SP), que tem como objetivo alterar a lei 8.036/90, para incluir na legislação do FGTS a hipótese a movimentação da conta vinculada do trabalhador para o custeio do tratamento de reprodução assistida. Uma vez aprovada essa legislação, encerra-se em definitivo toda e qualquer discussão sobre 

Portanto, saiba que a possibilidade de resgate do saldo do FGTS para o custeio de fertilização in vitro através de uma ação judicial é uma alternativa concreta, que pode viabilizar o acesso ao tratamento para pessoas que enfrentam dificuldades financeiras. Existe posicionamento judicial relevante, no sentido de que deve ser sempre permitido ao cidadão o saque dos valores depositados no FGTS, a fim de que seja atendida a finalidade social do fundo, em observância aos princípios da dignidade da pessoa humana e ao direito à saúde - afinal, não se pode imaginar uma hipótese mais concretizadora da dignidade humana como o do alcance da maternidade/paternidade.

Evilasio Tenorio da Silva
Advogado, especializado em Direito da Saúde e Civil. CEO do Tenorio da Silva Advocacia, escritório referência nacional na defesa dos usuários de planos de saúde e SUS.

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