O superendividamento ocorre quando uma pessoa acumula dívidas de forma excessiva e não consegue mais pagar todas elas, prejudicando até mesmo a sua própria existência e a de sua família. É uma situação financeira bastante difícil, que exige bastante delicadeza e sensibilidade, mas existem medidas que podem ajudar a resolver o problema.
O Plano de Repactuação de Dívidas é uma alternativa para quem se encontra nessa situação. Ele consiste em buscar uma negociação com os credores para reestruturar as dívidas de maneira a torná-las mais viáveis de serem pagas, através de um processo judicial, feito com estratégia por parte do especialista. O objetivo é encontrar uma solução que seja justa tanto para o devedor quanto para os credores.
O processo começa com uma análise completa da situação financeira do devedor, levando em consideração suas dívidas, renda, despesas, descontos obrigatórios realizados no contracheque/holerite/bilhete de pagamento e demais obrigações. Com base nessa análise, é elaborado um plano de pagamento que seja realista e compatível com a capacidade financeira do devedor. Algo que deveria ser feito também pelos bancos, na concessão do crédito, mas sabemos bem qual é a realidade.
Esse plano pode envolver a renegociação de prazos, a redução de juros, o parcelamento da dívida e até mesmo a quitação com descontos, dependendo da negociação com cada credor. O importante é chegar a um acordo que permita ao devedor cumprir suas obrigações sem comprometer completamente sua renda e qualidade de vida.
Os bancos são flexíveis na hora dos acordos, porque influencia diretamente nas metas internas, métricas sobre lucro e prejuízo contábil. Quando ele empresta um dinheiro, e o consumidor fica inadimplente, aquilo é contabilizado como prejuízo, e o dinheiro dado em garantia fica “preso” no Banco Central. É o chamado provisionamento bancário. Convido-os para ler um pouco mais sobre o que é.
Portanto, após a elaboração do plano, ele é apresentado aos credores para análise e aprovação. Cada credor pode ter suas próprias políticas e condições para aceitar o plano. Alguns podem concordar facilmente, enquanto outros podem exigir contrapartidas ou prazos adicionais.
O que observamos pela nossa experiência prática, é que bancos particulares são mais maleáveis para se trabalhar, oferecendo acordos vantajosos, enquanto os bancos públicos e cooperativas são mais difíceis, e trabalhosas de conduzir um processo, mas ainda há margem para conseguir bons resultados para os clientes.
Uma vez que o plano é aceito pelos credores, com o motivo de liberar o provisionamento, conforme explicado acima, é importante que o devedor cumpra rigorosamente todas as condições estabelecidas. Isso inclui efetuar os pagamentos conforme acordado, evitar contrair novas dívidas e manter uma disciplina financeira adequada.
O Plano em si
Entrando em especificidades, há basicamente, três tipos de planos diferentes, quanto ao perfil do consumidor.
O primeiro ocorre quando o devedor contraiu dívidas que facilmente podem ser quitadas dentro dos 60 meses limites estabelecidos no plano, ou seja, ele tem uma alta capacidade pagamento (parâmetro subjetivo para avaliar a concessão de crédito). O segundo, consegue quitar as suas dívidas, mas no limite. E o terceiro, não conseguiria. Tudo isso, dentro dos 35% destinados ao pagamento das dívidas de natureza bancária, estabelecidos, no prazo de sessenta meses, de acordo com o artigo 104-A, já incluído o período de seis meses de carência.
Quando a pessoa consegue quitar as dívidas antes dos 60 meses propostos em lei: Nesse caso, o devedor consegue reunir os recursos necessários para pagar todas as suas dívidas antes do prazo estabelecido. Isso pode ocorrer por meio de renegociações vantajosas, obtenção de empréstimos (contraindicado) ou até mesmo por meio de recursos extras, como uma herança. Ao quitar as dívidas antes do prazo, o devedor se livra do processo de repactuação e recupera sua saúde financeira mais rapidamente.
Quando a pessoa quita utilizando os 60 meses: Esse é o cenário em que o devedor não tem condições de quitar as dívidas antecipadamente, mas consegue cumprir o plano de repactuação ao longo dos 60 meses estipulados em lei. Nesse caso, o devedor faz os pagamentos conforme o acordo estabelecido, respeitando as condições acordadas com os credores. Ao final dos 60 meses, se todas as obrigações forem cumpridas, o devedor estará livre das dívidas incluídas no plano.
Quando a pessoa não consegue quitar dentro dos 60 meses: Infelizmente, há situações em que o devedor não consegue cumprir o plano de repactuação dentro dos 60 meses. Isso pode ocorrer devido a mudanças nas circunstâncias financeiras, desemprego ou outras dificuldades imprevistas. Em 90% dos casos, os bancos emprestam um montante muito maior do que o consumidor poderia pagar, já que funcionários públicos possuem linhas de crédito altíssimas.
Nesses casos, é importante buscar orientação jurídica para discutir possíveis soluções, como uma revisão do plano ou até mesmo a busca por uma segunda repactuação, se for necessário. Tudo isso está previsto em lei, no caput do art. 104-B.
Um erro comum cometido pela parte contrária, no caso dos credores, é solicitar a extinção do processo com o argumento de que o Plano de Repactuação não foi apresentado na petição inicial. No entanto, de acordo com o artigo 104-A da lei 14.181/21, o plano não precisa necessariamente constar na petição inicial. Ele deve ser apresentado até a data da audiência de conciliação ou mediação designada pelo juiz.
E isso se dá por um motivo muito simples. Até a designação da audiência, em cartórios menos ágeis, já se passaram alguns meses consideráveis. E os descontos na folha e conta do consumidor continuam ocorrendo normalmente. Então ao apresentar o plano na propositura da inicial, em menos de dois meses, ele já estará desatualizado.
Portanto, é um equívoco argumentar que a ausência do plano na petição inicial inviabiliza o processo. É importante que a parte contrária esteja ciente de que o plano será apresentado durante a tramitação do processo, seguindo o prazo estabelecido pela lei, e buscar meios de negociação e acordo durante esse período.
O plano de repactuação de dívidas, assim como a lógica da lei de falência e recuperação judicial para empresas, segue uma ordem de pagamento de credores. Essa ordem estabelece uma hierarquia na qual os credores, aqui, não são agrupados em classes, mas em virtude do saldo devedor. As dívidas menores são pagas primeiro, para que assim, libere mais dinheiro do salário do consumidor, e seja distribuído nas outras dívidas. Isso agiliza bastante e faz com que o consumidor pague menos juros.
Essa lógica busca equilibrar os interesses dos credores e permitir uma reorganização financeira mais eficiente, visando à superação do superendividamento.
Outro ponto digno de nota é a aceitação compulsória do plano de repactuação quando um dos credores não está presente na audiência, nos termos do art. 104-A, § 2º. também. Quando ocorre a audiência de conciliação ou mediação, é fundamental que todos os credores sejam devidamente notificados e convidados a participar. No entanto, em alguns casos, pode acontecer de um ou mais credores não comparecerem à audiência.
Nessas situações, a legislação prevê que, se o plano de repactuação for apresentado em audiência, e um dos credores faltar de forma injustificada, ele será aceito compulsoriamente. em relação apenas ao ausente. Isso ocorre para evitar que a falta de comparecimento de um credor prejudique o andamento do processo e impeça a possibilidade de repactuação das dívidas.
O Plano de Repactuação de Dívidas é uma ferramenta importante para ajudar pessoas superendividadas a saírem dessa situação difícil. No entanto, é fundamental buscar orientação profissional, como um advogado especializado em direito bancário ou um órgão de defesa do consumidor, para garantir que seus direitos sejam protegidos e que o processo seja conduzido da melhor maneira possível.