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Produtos com prazo vencido de validade: O drama jurídico que afeta o bolso de todos

A exigência legal atual é de tolerância zero, situação que nem o maior dos varejistas e com mais recursos consegue atingir.

26/5/2023

São impróprios ao uso e consumo os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos. É o teor do art. 18, §6º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor. Trata-se de situação em que a lei do consumidor presume potencial de dano. Com isso, a simples exposição do produto que esteja com o prazo vencido de validade nas prateleiras é considerada infração administrativa pelos órgãos de proteção e defesa do consumidor.

Na rotina administrativa de fiscalização dos PROCON/SP, o agente fiscal ingressa no supermercado ou estabelecimento congênere, na busca de produtos com prazo vencido de validade. Ao identificar uma grande quantidade de produtos ou um único exemplar nesta situação, lavra-se um Auto de Infração e Imposição de Multa em valor que representa 1,5% do faturamento mensal bruto do estabelecimento.

Importante destacar que não há proporcionalidade entre o dano potencial presumido de um único produto ou de um departamento inteiro com validade vencida, o valor da multa administrativa aplicado pelo PROCON/SP é o mesmo.

Ainda, no âmbito administrativo do PROCON/SP, não se discute dolo (intenção) ou culpa (negligência) da infração administrativa. Aplica-se a responsabilidade objetiva e com isso, para fins de responsabilização, basta que se prove a relação de causalidade entre o ato infracional e o dano. Em outras palavras, basta identificar o produto vencido exposto à venda na prateleira.

Nesses termos, independentemente de o estabelecimento comercial agir com a intenção de vender produtos vencidos e de possuir mais da metade dos seus produtos impróprios ao consumo, ou do estabelecimento agir com culpa e ter apenas um único produto vencido, a sanção administrativa é a mesma, em igual proporcionalidade e intensidade.

A falta de critérios que permitam incorporar esses elementos na dosimetria faz com que não seja dado o adequado estímulo do setor público para que o consumidor seja protegido.

Adotando-se uma linha pragmática-jurídica de raciocínio, indaga-se: por que investir em sistemas, pessoas e protocolos de controle de produtos vencidos em sua validade se a sanção administrativa é a mesma para quem nem sequer se preocupa com essa questão e ainda age com o dolo de prejudicar o consumidor?

Neste exato ponto de raciocínio é preciso invocar uma preocupante reflexão.

A exposição à venda de produtos com prazo vencido de validade também constitui crime contra as relações de consumo. É o teor do art. 7º, inciso IX da lei 8.137/90. A pena é de detenção de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa, admitindo-se a modalidade culposa para reduzir a pena de 1/3 ou a multa à quinta.

Extraem-se do tipo penal duas questões de interesse para fins de dosimetria da pena: (i) admite-se a modalidade culposa como forma de conduta; bem como (ii) se admite a redução da pena de multa à quinta parte, ou seja, reduz-se em 80%.

Importante lembrar que é reservado ao direito penal a reprovação de condutas fragmentárias, ou seja, apenas aquelas que não são possíveis prevenir ou reprimir por outros meios de direito.

Utilizando-se dos critérios de dias-multa estabelecidos na referida lei, tem-se que a pena de multa criminal pode chegar ao máximo de R$ 126 mil reais no caso de crime doloso e de R$ 25 mil no caso de crime culposo, devendo-se avaliar no caso concreto outras circunstâncias criminais que poderiam reduzir ainda mais a pena.

A título de comparação, um estabelecimento supermercadista com faturamento bruto de R$ 10 milhões, em que um colaborador tenha negligenciado um único produto vencido teria uma multa administrativa aplicada pelo PROCON/SP no valor de R$ 150 mil, enquanto a multa criminal seria de no máximo R$ 25 mil.

Já um estabelecimento que dolosamente tenha se proposto a vender produtos vencidos ao consumidor teria uma multa administrativa aplicada pelo PROCON/SP no valor de R$ 150 mil, enquanto a multa criminal seria de no máximo 126 mil.

Essa clareza que o olhar macro da legislação traz sobre as penas aplicadas no caso de exposição à venda de produtos vencidos é necessária por dois motivos: a) as multas são internalizadas como prejuízos pelos estabelecimentos, os quais repassam esses valores ao consumidor na composição de custo do preço de outros produtos; e b) a cada dez estabelecimentos varejistas de alimentos fiscalizados, dez são autuados pela exposição à venda de produtos vencidos.

Existe uma grande complexidade na operação de dispor milhares de produtos em prateleiras ao consumidor e controlar para que nenhum vencido permaneça lá. Fosse uma questão de fácil solução, certamente aqueles estabelecimentos que mais têm recursos para investir não seriam penalizados, pois não teriam produtos vencidos expostos à venda. Entretanto, a exigência legal atual é de perfeição, de risco zero, de zero tolerância, situação que nem o maior dos varejistas e com mais recursos consegue atingir.

 Mais do que o medo de aplicação de uma multa ou de cometer um crime, os estabelecimentos estão preocupados em bem atender o consumidor, até porque concorrência não falta nesse setor da economia.

É preciso refletir sobre a atual política pública que penaliza a conduta de expor produtos vencidos à venda. Não para descriminalizar ou tornar lícita a conduta, mas para prestigiar aquele que tem maior esforço, em detrimento daquele que age com desídia, desleixo ou até mesmo dolo, não onerando o consumidor com o repasse de multas desarrazoadas no custo dos produtos.

Por todas essas razões tem-se que reconhecer que se existe proporcionalidade da pena de multa de acordo com a intensidade do dano na esfera criminal, a última ratio do direito, não há razão lógica jurídica para que no campo administrativo continue a existir tamanha inflexibilidade.

Guilherme Farid M. B. Chebl
Especialista em Direito do Consumidor e Direito Público e sócio do escritório Edgard Leite Advogados Associados.

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