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A expansão das funcionalidades das Cortes Supremas

Mesmo que uma lei tenha uma constitucionalidade presumida, demonstra-se imprescindível a atuação do poder judiciário com sua interpretação teleológica afim de conter arbitrariedades e prever revezes para com o coletivo.

25/5/2023

Com a aceitação do ideal da repartição de poderes pelos Estados, descrita pelo doutrinador Montesquieu, perpetuou-se um ideal de autonomia do poder legislativo, executivo e judiciário, tendo como limites a lei Suprema. Nesse viés, é cediço que, quando se inicia o questionamento sobre a inconstitucionalidade das leis e atos normativos com paradigma na Constituição, prioriza-se a presunção de constitucionalidade e a proteção ao legislador (criador das leis). Explicando melhor, sabe-se que uma normativa precisa ser elaborada pelo poder legislativo, na sua função típica e sancionada pelo poder executivo, na sua função peculiar. Destarte, para muitos juristas, a função do judiciário de julgar a inconstitucionalidade de uma lei deveria ser uma exceção, devido a um possível abalo na segurança jurídica constitucional.

Nessa perspectiva, para se tentar explicar esta concepção pontual dos magistrados, cabe ressaltar a importância intrínseca do tipo e da duração do provimento de cada membro de poder. Por conseguinte, os membros do poder executivo e legislativo, na maioria dos casos, são escolhidos por sufrágio universal, em um sistema democrático, com participação popular. Todavia, os membros do poder judiciário, adentram por meio de meritocracia, por concursos de provas e títulos, sem a participação dos cidadãos, tendo na vitaliciedade uma prerrogativa de função. Outrossim, pelo princípio da inércia constitucional, os magistrados somente podem atuar com a iniciativa da parte, devendo ser provocados, ao contrário do que ocorre no Senado Federal, por exemplo. Nessa toada, há um paradoxo exposto no sentido de ser o judiciário a dar a última palavra no tocante a inconstitucionalidade de leis e de atos normativos criadas e sancionadas pelo legislativo e executivo, respectivamente. Para se tentar entender este sistema constitucional, pode-se utilizar do contra-argumento de que a escolha de juízes e desembargadores tem abstenção de interesses políticos e abrange membros com alto conhecimento jurídico para julgar a inconstitucionalidade, com segurança e eficácia. Ademais, alguns juristas complementam que, em muitas democracias, o sistema eleitoral carece de uma reforma afim de conter arbitrariedades e nepotismos, perpetuando o apadrinhamento do pretérito. Enfim, o fato é que, mesmo após toda discussão sobre funções típicas e atípicas de cada poder, é notória a capacidade de hermenêutica dos magistrados que demonstram, diuturnamente, a importância como intérpretes das leis e atos normativos.

Nessa linha de discussão, após definir a importância do poder judiciário, faz-se necessário descortinar as três principais funções inseridas na doutrina e na jurisprudência das Cortes Superiores e suas decorrências. Nessa linha, especificamente no Supremo Tribunal Federal brasileiro, pode-se citar o papel contramajoritário (regra no ordenamento brasileiro), a função representativa (vontade do coletivo)  e a inovadora acepção iluminista. Ou seja, infere-se que o poder judiciário deve- se manifestar de acordo com cada demanda específica, em cada caso concreto, adaptando sua teleologia, sem utilizar da discricionariedade do poder legislativo. 

Outrossim, segundo o ministro Sepúlveda Pertence, na obra denominada “O Controle de Constitucionalidade do Supremo Tribunal Federal (STF)”, na Corte Suprema Norte Americana, em 220 anos, ocorreram somente 167 decisões declaratórias de inconstitucionalidade. Ou seja, confirma-se o que já foi descrito sobre a presunção de constitucionalidade e a proteção ao poder legislativo. Portanto, o papel contramajoritario do judiciário preconiza a retirada do ordenamento jurídico de normativas contrárias aos direitos fundamentais constitucionais, por exemplo, executando uma função de sentinela. Nesse contexto, muitos juristas o denominam de função contralegislativa, fato que pode causar um certo constrangimento em relação à repartição de poderes idealizada na teoria. 

Ademais, pode-se citar a função representativa do judiciário, que é pautada nos direitos fundamentais da população, mesmo contra a vontade das maiorias políticas, no caso de omissões e morosidades legislativas. Por conseguinte, prioriza-se a discussão de ideias por meio de movimentos sociais, das universidades, dos sindicatos,  das associações e dos cidadãos comuns - colocando as Cortes Supremas numa função de intérprete do sentimento social. Nesse sentido, para exemplificar, em 1954, nos Estados Unidos, havia a lei que impedia o estudo, na mesma escola, de pessoas brancas e negras, indo na contramão da 14ª Emenda Constitucional. Assim,  arrefeceu-se a  dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais à escolaridade e a cultura. Sabe-se que estes atributos dignificam o ser humano e o empoderam, trazendo benefícios ao próprio indivíduo e ao coletivo. Posteriormente, está mesma lei foi julgada inconstitucional, mesmo com contraposições de alguns Estados do sul dos Estados Unidos. Desse modo, houve a função representativa no âmbito nacional e, ao mesmo tempo, iluminista em relação aos Estados do sulistas, uma vez que se superou o senso comum. 

Finalmente, ainda é necessário descrever a vertente iluminista e sua proposta vanguardista dos magistrados das Supremas Cortes. Nessa perspectiva, sabe-se que o iluminismo surgiu com a Reforma Protestante e acabou por colocar em xeque alguns dogmas apresentados pela Igreja Católica, abrindo um leque de representatividade ao tecnicismo e ao conhecimento inovador. Assim, trazendo para a atuação jurídica iluminista da contemporaneidade, foi descrita a ação sui generis de algumas Cortes em interpretar as necessidades da população, mesmo indo contra aos interesses do Congresso Nacional e da maioria do povo, priorizando a dignidade da pessoa humana e os diversos princípios constitucionais altruístas. Exemplificando, em 1967, a Suprema Corte Americana utilizou-se do iluminismo na tratativa da inconstitucionalidade da lei que interditva casamentos entre pessoas brancas e negras. Nessa toada, muitos Estados americanos tinham leis anti-miscigenação, desencadeando muitas propostas de inconstitucionalidade e teve como decorrência a revolta do povo americano.  Ademais, especificamente no Brasil, decisões iluministas como a união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar revelou a problemática do preconceito e da vulnerabilidade de muitas pessoas trangêneros. Destarte, conclui-se que a premissa iluminista coaduna com a visão de impar confrontar a opinião dominante da população e do legislativo conservador. 

Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, “Mesmo nos países em que uma Corte dá a última palavra sobre a intepretação da Constituição e a constitucionalidade das leis, tal fato não a transforma no único- nem no principal- foro de debate e de reconhecimento da vontade constitucional a cada tempo. A jurisdição constitucional deve funcionar como uma etapa de interlocução mais ampla com o legislador e com a esfera pública, sem suprimir ou omitir a voz das ruas, o movimento social e os canais de expressão da sociedade”. Diante do exposto, é notória a importância do sistema de check and balances para que as funções típicas e atípicas de cada poder possam se complementar e não se contraditar. Nesse sentido, mesmo que uma lei tenha uma constitucionalidade presumida, demonstra-se imprescindível a atuação do poder judiciário com sua interpretação teleológica afim de conter arbitrariedades e prever revezes para com o coletivo. Outrossim, é visível o protagonismo do poder judiciário, utilizando-se das três funções supracitadas: contramajoritária, representativa e iluminista.

Joseane de Menezes Condé
Discente de Direito Anhanguera, estagiária do TRT 15, coautora do Livro Direito do Trabalho- Impactos da pandemia e das Revistas Judiciais TRT 15 e TRT 6 de 2022 e estuda pós graduação na Damásio.

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