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Quais os limites da responsabilidade entre fabricantes e as assistências técnicas autorizadas?

Cabe aos fabricantes e fornecedores tomarem as cautelas necessárias para deixar bem evidente essas excludentes, facilitando assim as suas defesas.

18/5/2023

O Código de defesa do Consumidor dispõe em seu art. 3º, que o fornecedor é a pessoa que desenvolve atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

No ajuizamento de ações consumeristas que envolvem vício de produto, é muito comum que sejam incluídas no polo passivo tanto o comerciante quanto o fabricante e em algumas raras oportunidades a assistência técnica.

De acordo com o rol do art. 3º, quem seria a assistência técnica nesta cadeia?

A assistência técnica nada mais é do que a pessoa que realiza a prestação de serviços de reparo do produto, devendo sanar o vício no prazo de até 30 dias, conforme dispõe o artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor.1

Podemos concluir que a assistência técnica autorizada é uma empresa terceirizada que age à mando do fornecedor ou fabricante, durante a cobertura da garantia contratual.

Em uma ação consumerista que envolve vício de produto não sanado pela assistência técnica dentro do prazo de 30 dias, seria cabível a condenação solidária da assistência técnica e da fabricante?

Caso a impossibilidade em reparar o produto seja em razão do atraso no fornecimento de peças ou indisponibilidade das mesmas, não pode a assistência técnica ser penalizada, uma vez que resta evidente que essa é uma obrigação do fornecedor ou da fabricante.

Não são raras as decisões judiciais que reconhecem a ilegitimidade passiva da assistência técnica nas ações consumeristas cujo objeto é vício de produto, senão vejamos:

AÇÃO INDENIZATÓRIA JULGADA PROCEDENTE EM PARTE. HIPÓTESE EM QUE O APARELHO NOTEBOOK PASSOU A APRESENTAR PROBLEMAS POUCOS MESES APÓS TER SIDO ADQUIRIDO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS INTEGRANTES DA CADEIA DE CONSUMO (FABRICANTE E COMERCIANTE). CASO CONCRETO INDICANDO QUE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA OCORREU DE FORMA REGULAR, COM INDICAÇÃO DE QUE OS PROBLEMAS SOMENTE SERIAM SANADOS POR MEIO DE TROCA DO TECLADO, NÃO AUTORIZADA PELA FABRICANTE. HIPÓTESE EM QUE O PEDIDO DE INDENIZAÇÃO SE ENCONTRA LASTREADO NO VÍCIO DO PRODUTO, NÃO HAVENDO IMPUTAÇÃO DE MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS POR PARTE DA APELANTE. RECONHECIMENTO DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CORRÉ, PRESTADORA DE SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA. PRECEDENTES. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. Recurso de apelação provido. (TJ/SP - AC: 10286426220208260196 SP 1028642-62.2020.8.26.0196, Relator: Cristina Zucchi, Data de Julgamento: 14/2/22, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/2/22)

Logo, fica claro que a assistência técnica autorizada não pode ser responsável, tendo em vista que é obrigação da fabricante em disponibilizar peças de reposição no mercado, conforme dispõe o art. 32 :” Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto”;

E quanto à qualidade do serviço prestado, pode ser a assistência técnica responsável?

Caso a falha no atendimento seja exclusiva da assistência técnica, não possuindo relação com alguma obrigação do fabricante, esta pode ser responsabilizada.

Um exemplo dessa situação é quando a assistência técnica é contratada pelo consumidor para realizar atendimento fora da cobertura da garantia contratual fornecida pela fabricante e este fica insatisfeito com o serviço.

Além disso, a assistência técnica pode ser responsabilizada ao falhar no dever de informação, tendo em vista que o CDC determinada em seu art. 21 a utilização de peças novas e originais: “No fornecimento de serviços que tenham por objetivo a reparação de qualquer produto considerar-se-á implícita a obrigação do fornecedor de empregar componentes de reposição originais adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas do fabricante, salvo, quanto a estes últimos, autorização em contrário do consumidor”.

Logo, caso a assistência técnica não informe o consumidor adequadamente sobre a origem das peças utilizadas ou caso estas sejam usadas, ela também pode ser eventualmente responsabilizada.

Não são raros os casos em que o fabricante é acionado judicialmente em ações que envolvem a má prestação do serviço da assistência técnica, situação essa em que é perfeitamente possível a condenação solidária entre ambos.

Assim, de um lado temos o CDC que impõe a responsabilidade solidária entre os envolvidos na cadeia de consumo e de outro temos as excludentes de responsabilidade dessas empresas.

Cabe aos fabricantes e fornecedores tomarem as cautelas necessárias para deixar bem evidente essas excludentes, facilitando assim as suas defesas.

Os fabricantes e as assistências técnicas possuem uma relação de parceria, contudo, não são todas as situações em que o fabricante deve arcar com exclusivamente com as condenações judiciais, especialmente se for identificada alguma falha no atendimento da assistência técnica.

É muito importante que tanto os fabricantes quanto as assistências técnicas procurem um advogado de confiança para lhe prestar as informações necessárias e, caso sejam acionados, possam se defender adequadamente.

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1 Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III – o abatimento proporcional do preço

Marcio Pereira Mendes
Advogado e sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA). Formado em Gestão Ambiental pela Universidade Metodista de São Paulo e em Direito pelo Centro Universitário FMU| FIAM-FAAM, especializado em Direito Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas e em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito.

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