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Licença-prêmio por assiduidade

Independentemente de prévio requerimento administrativo, o servidor federal inativo tem direito à conversão em dinheiro da licença-prêmio não usufruída durante a atividade funcional nem contada em dobro para a aposentadoria, sob pena de enriquecimento ilícito do ente público.

18/5/2023

A licença-prêmio por assiduidade é direito anteriormente previsto na redação original da lei 8.112/90 e possibilitava ao servidor(a) público(a), a cada cinco anos ininterruptos, se ausentar por três meses de seu cargo, mantendo a remuneração correspondente. A previsão original na legislação foi revogada em 1997.

Uma problemática relevante sobre o assunto diz respeito ao servidor que adquiriu o benefício e deixou de gozá-lo durante sua carreira, vindo a se aposentar com saldo a título de licença-prêmio.

Isso porque, muitas  vezes,  o  direito adquirido do servidor público acaba sendo negado pela Administração Pública.

Para esclarecer estas e outras questões, os profissionais de Cassel Ruzzarin Santos e Rodrigues Advogados, dedicados exclusivamente à defesa dos interesses de servidores e agentes públicos, prepararam um conteúdo especialmente sobre o assunto.

1. O que é pecúnia? O que significa pagamento em pecúnia? Pecúnia é o pagamento em dinheiro, com viés indenizatório àquele direito adquirido que não pode ser gozado em suas previsões originais.

1.1 O que é conversão de licença-prêmio em pecúnia?

A licença-prêmio por assiduidade é direito anteriormente previsto na lei 8.112/90, instituto revogado no ano de 1997.

A legislação então previa:

Art. 87. Após cada quinquênio ininterrupto de exercício, o servidor fará jus a 3 (três) meses de licença, a título de prêmio por assiduidade, com a remuneração do cargo efetivo.

Ao longo dos anos e até a mudança legislativa, vários servidores preencheram os requisitos do citado benefício, não os gozando até virem a se aposentar.

Por ter preenchido todos os requisitos para sua concessão com base em anterior legislação, o direito à licença prêmio incorpora-se ao patrimônio jurídico do servidor(a). Em caso de aposentadoria sem gozar da referida licença ou contar tal período em dobro justamente para fins de aposentadoria, há necessidade de convertê-la em pecúnia, ou seja, há necessidade de indenização para se evitar uma perda patrimonial.

A preservação do direito adquirido é um elemento fundamental do Estado Democrático de Direito, por isso a previsão contida no artigo 5°, inciso XXXVI, da Constituição da República de 1988, razão pela qual a Administração Pública não pode, simplesmente, desconsiderar  o  benefício   incorporado,  sob  pena de também ferir a segurança jurídica e ocasionar enriquecimento ilícito do ente.

Nesse sentido, é o entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entende ser direito adquirido do servidor à conversão em pecúnia das licenças prêmio não gozadas e não contabilizadas para aposentadoria, bem como estabelece que quando não efetivada essa conversão configura-se enriquecimento ilícito da Administração Pública, nos seguintes termos:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DIREITO À PERCEPÇÃO EM PECÚNIA DE LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADA. PREENCHIMENTO DE TODOS OS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA LICENÇA- PRÊMIO ANTES DA EDIÇÃO DA ECE 16/99. DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM ENTRE ABONO PERMANÊNCIA E O DIREITO À PERCEPÇÃO EM PECÚNIA DAS LICENÇAS- PRÊMIOS NÃO GOZADAS. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. PRECEDENTES UNÂNIMES DOS TRIBUNAIS. [...]

4. Ademais, a documentação acostada à fl. 27, comprova que o autor obteve 06 (seis) meses de licença-prêmio referente ao 2° decênio, que não foram gozados e nem incluídos no cálculo do tempo de serviço para aposentação.

5. O autor completou o segundo decênio de serviço, necessário à aquisição do direito à licença-prêmio, antes da vigência da Emenda Constitucional 16, de 04.06.1999, vale dizer, em agosto de 1998.

6. O direito à licença já havia sido adquirido pelo autor, mas o direito à sua conversão, que também já estava adquirido, foi apenas postergado, quanto ao seu exercício, ao momento de aposentação do servidor.

7. O abono de permanência não configura, assim, um bis in idem com o direito à percepção em pecúnia das licenças-prêmio não gozadas. [...] (AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.228.504 - PE (2018/0000187-2), RELATORA: MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES, DJ: 27/2/18).

O STJ também já se debruçou sobre o assunto através do Tema 1086:

Presente à redação original do art. 87, § 2º, da lei 8.112/90, bem como a dicção do art. 7º da lei 9.527/97, o servidor federal inativo, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração e independentemente de prévio requerimento administrativo, faz jus à conversão em pecúnia de licença-prêmio por ele não fruída durante sua atividade funcional, nem contada em dobro para a aposentadoria, revelando-se prescindível, a tal desiderato, a comprovação de que a licença-prêmio não foi gozada por necessidade do serviço.

2. Como o servidor público pode requerer a conversão de licença-prêmio em pecúnia?

Primeiramente o servidor que tiver saldo de licença- prêmio e não o utilizar em dobro para fins de aposentadoria pode - o que é recomendável - em requerimento administrativo próprio ou dentro e durante seu processo de aposentadoria, requerer a conversão deste benefício não gozado em pecúnia, a título de indenização.

Caso venha a obter uma negativa administrativa, especialmente por falta de previsão legal, algo comum no serviço público federal, o(a) servidor(a) publico(a) deve buscar um advogado de confiança e especializado em direito administrativo para acionar o judiciário.

Como discorrerá abaixo, recentemente o STJ entendeu ser desnecessário o prévio requerimento administrativo próprio (observada prescrição quinquenal desde a aposentadoria), tampouco a prévia comprovação de que o servidor público não a gozou sob interesse da administração pública.

3. Por que a conversão de licença-prêmio em pecúnia é um tema relevante para o servidor público?

A Administração Pública corriqueiramente nega direitos aos servidores públicos. Exemplos clássicos dessas negativas são os casos de conversão de licença-prêmio em pecúnia, nos quais o ente ignora o entendimento jurisprudencial e nega a indenização por falta de embasamento legal. Para evitar que direitos sejam violados é imprescindível o conhecimento das disposições legais e principalmente da jurisprudência, pautada por entendimentos recentes dos Tribunais Superiores.

4. Quando o servidor público pode pedir a conversão da licença-prêmio em pecúnia? O(a) servidor(a) público(a) pode pedir a conversão licença-prêmio em pecúnia quando for requerer sua aposentadoria, respeitado os requisitos citados acima de existência de saldo não gozado durante a carreira, tampouco a contagem deste período em dobro para aposentadoria ou mesmo anterior recebimento de abono de permanência.

5. Quais verbas devem incidir na base de cálculo da conversão da licença-prêmio em pecúnia? A indenização fruto da conversão de licenças-prêmio em pecúnia   deve   representar   a   remuneração   que o servidor perceberia caso tivesse gozado de tais benefícios, sob pena de haver enriquecimento ilícito por parte da administração Acerca do tema, o STJ, refirmando o seu entendimento, estabeleceu que a base de cálculo é o valor referente à remuneração do servidor antes da aposentadoria, devidamente excluída as verbas de natureza transitória: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. INCLUSÃO DO ABONO DE PERMANÊNCIA E DO AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO NA BASE DE CÁLCULO DA REMUNERAÇÃO PARA FINS DE CONCESSÃO DE LICENÇA-PRÊMIO. AGRAVO   INTERNO   DO   DISTRITO   FEDERAL DESPROVIDO. 1. O acórdão recorrido encontra-se em consonância com o entendimento adotado por esta Corte de que as rubricas que compõem a remuneração do Servidor deverão ser incluídas na base de cálculo da conversão da licença-prêmio em pecúnia, dentre elas o auxílio-alimentação, o abono de permanência e a saúde suplementar. Nesse sentido: Res. 1.489.904/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25.11.2014, DJe 4.12.2014. 2. Agravo Interno do DISTRITO FEDERAL desprovido. (AgInt no Agravo em Recurso Especial 475.822 - DF, Primeira Turma do STJ, Data de julgamento: 06 de dezembro de 2018)

Bem por isso, outros tribunais têm ajustado o seu entendimento, a exemplo do transcrito abaixo:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL INATIVO. LICENÇA PRÊMIO NÃO GOZADA E NEM UTILIZADA EM DOBRO PARA CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO. CONVERSÃO EM PECÚNIA. POSSIBILIDADE. BASE DE CÁLCULO. AUXÍLIO- ALIMENTAÇÃO E ABONO PERMANÊNCIA. INCLUSÃO.

1. É possível a conversão em pecúnia dos meses de licença prêmio por assiduidade não usufruídos pelo    servidor    aposentado    nem    computados em dobro para fins de aposentadoria ou abono permanência, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração. Precedentes.

2.O cálculo da licença-prêmio convertida em pecúnia deve se dar com base em todas as verbas de natureza permanente, em quantia correspondente à da última remuneração do servidor quando em atividade, inclusive auxílio-alimentação e abono permanência, quando for o caso. (TRF4, AC 5025848-53.2018.4.04.7200, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 8/9/20) (grifou-se)

Quanto ao abono de permanência, tal verba se faz devida uma vez que o entendimento do STJ é no sentido de que este tem natureza remuneratória, logo deve ser considerado na base de cálculo da conversão de licença-prêmio em pecúnia.

No caso do auxílio-alimentação, por exemplo, tem caráter permanente, sendo verba recebida a todos os servidores ativos, sem exceção de direito ao recebimento, não havendo qualquer restrição ao recebimento deste quando do usufruto de licença-prêmio.

Com   efeito,   a   inclusão   do   auxílio-saúde   decorre do mesmo fundamento para a inclusão do auxílio- alimentação, verbas com caráter permanente, cuja supressão no pagamento quando da conversão em licença prêmio em pecúnia não se justifica.

Em suma, se o abono permanência, o auxílio-alimentação e, por exemplo, o auxílio-saúde são normalmente pagos durante o gozo das licenças prêmio, não há justificativa para a sua exclusão da base de cálculo da conversão das licenças em pecúnia, sob pena de enriquecimento ilícito da administração.

Comisso, temos que verbas como abono de permanência, auxílio-alimentação e auxílio saúde devem compor a base de cálculo da conversão da licença-prêmio em pecúnia.

6. Quais novidades o servidor público espera sobre o assunto? A Primeira Seção do STJ, à guisa de unificar as decisões quanto ao tema, fixou a tese de que o servidor federal inativo, independentemente de prévio requerimento administrativo, tem direito à conversão em dinheiro da licença-prêmio não usufruída durante a atividade funcional nem contada em dobro para a aposentadoria, sob pena de enriquecimento ilícito do ente público.

O colegiado definiu, também, que não é necessário comprovar que a licença não tenha sido tirada por necessidade do serviço.

O ministro Sérgio Kukina, relator do caso, explicou que a tese promoveu o alinhamento com a orientação do Supremo Tribunal Federal (STF) referente ao Tema 635, que assegura o Direito de servidores públicos ativos à conversão de férias não gozadas em indenização pecuniária, em virtude da vedação ao enriquecimento sem causa da administração pública.

Sendo assim, independentemente de prévio requerimento administrativo, o servidor federal inativo tem direito à conversão em dinheiro da licença-prêmio não usufruída durante a atividade funcional nem contada em dobro para a aposentadoria, sob pena de enriquecimento ilícito do ente público.

Flavia Thais de Genaro Machado de Campos
Bacharel em direito, advogada com OAB/SP 204.044 especialista em Direito Tributário, Direito do Consumidor, Gestão em Recurso Humanos, Gestão Trabalhista e Previdenciária. Advogada e proprietária.

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