É matéria processual intrincada e polêmica o cabimento do recurso de embargos de declaração em face de decisão unipessoal de presidente ou vice-presidente de tribunal de justiça ou tribunal regional federal, que inadmite ou nega seguimento a recurso especial e recurso extraordinário.
Pois bem. É notório, por uma simples leitura do Código de Processo Civil de 2015, que são cabíveis os embargos de declaração em face de qualquer decisão judicial, seja ela decisão interlocutória, decisão monocrática de relator, sentenças e acórdãos proferidos por qualquer tribunal que detenha função jurisdicional.1
Importante mencionar, o fato de que os despachos não se sujeitam a recurso por serem irrecorríveis, pelo fato de não possuírem conteúdo decisório2, portanto impassíveis de integração jurisdicional. Dessa maneira, incabíveis os embargos nessa hipótese.
Na eventualidade de se considerar prejudicial um despacho por haver conteúdo decisório, deve-se entende-lo como uma decisão interlocutória, independentemente da nomenclatura que o juiz utilize no corpo da decisão.
Desse modo, caso o pronunciamento judicial, com efetivo conteúdo decisório, comportar algum dos vícios legalmente postos, como contradição, obscuridade, omissão ou mero erro material, não há razão para se obstar o cabimento e manejo do recurso.
Há de se dizer, que os embargos se consubstanciam em uma espécie de recurso vinculado, ou seja, não se prestam a rediscutir a decisão guerreada, abrindo uma via para um novo debate acerca dos argumentos lançados pelo julgador, fato que demonstraria a mera irresignação da parte a qual a decisão desfavorece.
Já tive a oportunidade de opinar sobre o tema, contribuindo no sentido de que os embargos são recurso de fundamentação vinculada, uma via estreita posta a favor da parte sucumbente, para que aponte algum dos vícios legais previamente elencados, de modo a integrar a decisão anterior.3
Observe que, tecnicamente, inexiste a possibilidade de anulação do julgado, mas sim da sua integração que poderá advir com efeitos modificativos, no sentido de aperfeiçoar o julgado e não o extirpar ou substituí-lo por completo.
Postas essas breves notas introdutórias acerca dos embargos de declaração, adentra-se a polêmica discussão acerca da possibilidade de seu manejo em face de decisões unipessoais de presidente ou vice presidente dos tribunais de segundo grau, na hipótese de inadmissão ou mesmo negativa de seguimento aos recursos excepcionais dirigidos ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.
Não é objeto de análise desse ensaio qualquer hipótese de recorribilidade de tais decisões, como a possibilidade de cabimento de reclamação ou ideias solucionadoras do entrave, como a aplicação da fungibilidade recursal pelo julgador de segundo grau, o que contornaria o problema e abriria as portas dos tribunais superiores.
Como afirmado acima, os embargos de declaração são cabíveis em face de qualquer decisão judicial, mas os tribunais superiores, em especial o STJ, vem entendendo que essa espécie de recurso não se revela cabível ante decisões denegatórias de recurso especial.4
Da leitura da ementa colacionada acima, ao final referida, denota-se sempre a mesma argumentação no sentido de que é pacificada na corte a opinião de que incabíveis os embargos em face daquelas decisões, mais precisamente afirmando que a sua oposição não interrompe o prazo para futuro agravo interno ou agravo de instrumento para os tribunais superiores.
Ora, cristalino está, na letra da lei, que, além de cabíveis em face de qualquer decisão judicial, os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo automático, mas interrompem o prazo para interposição de recurso futuro.5
Como então desconsiderar as duas premissas legais acima adotadas?
A meu ver, os embargos são absolutamente cabíveis em face das decisões unipessoais proferidas pelo presidente ou vice presidente dos tribunais locais.
Apenas podem ser considerados incabíveis os recursos intempestivos ou que não tenham preenchido os requisitos de admissibilidade recursal intrínsecos e extrínsecos, como intempestividade, falta de dialeticidade, irregularidade formal, falta de preparo, dentre outros, conferindo poderes ao relator para que, dessa maneira, sequer conheça da irresignação, em analogia ao não recebimento da petição inicial pelo juiz de primeiro grau através do indeferimento da inicial.
Por isso, estando o recurso de embargos de declaração em ordem, e preenchendo os requisitos recursais de admissibilidade listados acima, bem como os requisitos específicos do recurso, elencando algum dos vícios formais autorizadores de sua interposição, não é jurídico, processual e razoavelmente lógico argumentar pelo seu não cabimento.
Além disso, os tribunais superiores possuem o complicado entendimento de que por serem incabíveis, não interrompem o prazo para qualquer espécie de agravo, seja o interno (negativa de seguimento), seja o direcionado aos tribunais superiores (inadmissão).6
A jurisprudência cristalizada no seio das cortes de vértice causam enorme estranheza, como nos dois arestos acima colacionados e ao final referidos, pois afirma dois pontos os quais a legislação de regência oferece dispositivos de diretriz absolutamente contrários.
Na intenção de se frear o volumoso número de recursos diários a inundar as cortes superiores, passou-se a construir a jurisprudência defensiva, melhor seria dizer ofensiva (por ofender a lei), culminando no perplexo entendimento de que são incabíveis e não interrompem o prazo para interposição de recursos futuros, embargos de declaração regulares opostos em face de decisão denegatória de recurso especial e recurso extraordinário.
Esse entendimento causa imensos prejuízos aos jurisdicionados, que veem os seus direitos fulminados por criação jurisprudencial que vai de encontro a lei processual, nada podendo fazer sobre isso.
Em conclusão, e de acordo com a legislação pertinente, os embargos de declaração são cabíveis contra qualquer decisão judicial, por óbvio, com conteúdo decisório passível de posterior integração.
As decisões aqui em estudo, claramente possuem conteúdo decisório, cabíveis, portanto, o presente recurso.
Além disso, por imperativo legal, sendo cabíveis os embargos, automática é a interrupção do prazo para interposição de recurso futuro.
Por fim, tendo o recurso preenchido todos os requisitos de admissibilidade, além de tempestivo, deve ele ser conhecido e processado, além de ser recebido em todos os seus efeitos.
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1 Art. 1.022 do CPC
2 MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES, Novo Curso de Direito Processual Civil, Vol. 3, 9ª ed., Saraiva, 2016, p. 316
3 https://www.migalhas.com.br/depeso/378485/embargos-de-declaracao-e-uma-analise-de-caso-concreto
4 AREsp 671.167/DF
5 Art. 1.026 do CPC
6 ARE 688776 ED/RS