Os crimes de sonegação fiscal, de apropriação indébita previdenciária e de sonegação de contribuição previdenciária são classificados como delitos materiais, ou seja, exigem resultado naturalístico para a sua adequação típica. Isto é, de acordo com a súmula vinculante 24 dependem de decisão fiscal terminativa que concluiu pelo lançamento do débito fiscal:
“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”
Nesse sentido, a Terceira Seção do STJ – Tema 157 - fixou o entendimento de que a caracterização dos crimes tributários federais deve ser feita em observância ao seguinte binômio: a) Lançamento definitivo do crédito fiscal; b) Crédito tributário superior a R$ 20.000,000 (vinte mil reais). Isso quer dizer: a justa causa para a persecução criminal dependerá da observância desses dois requisitos, ou seja, na ausência de uma das condições anteriormente indicadas, a conduta será considerada atípica:
“Assim, a tese fixada passa a ser a seguinte: incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da lei 10.522/02, com as atualizações efetivadas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda.
(REsp 1.709.029/MG, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 28/2/18, DJe de 4/4/18.)”
Como a justa causa para o início da persecução penal dependerá da falta de pagamento do débito fiscal apurado, caso o sujeito passivo faça o pagamento integral da dívida haverá a extinção da punibilidade, nos termos do art. 9º, §2º, da lei 10.684, de 30 de maio de 2003:
“§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”
A mesma norma prevê, também, que o deferimento do parcelamento fiscal é causa de suspensão da pretensão punitiva:
“Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
Em resumo, enquanto o pagamento integral da dívida tributária é causa de extinção de pretensão acusatória, o parcelamento da dívida suspenderá a justa causa punitiva, conforme entendimento pacificado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça:
“Realizado o parcelamento do débito tributário na vigência da lei 12.382/11, por sonegação fiscal ocorrida em 2012 e 2013, suspende-se o processo e a pretensão punitiva enquanto durar avença estipulada para o pagamento dos tributos em atraso.
Impossibilidade de se trancar a ação penal, por falta de justa causa, pois a extinção do débito tributário somente ocorre com o integral pagamento da dívida.
(RHC 71.158/SC, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 20/10/16, DJe de 11/11/16.)”
Importante realçar que o pagamento integral do débito tributário é a única forma de extinção de punibilidade. Isso quer dizer, por exemplo, que o oferecimento de bem à penhora em sede de embargos à execução fiscal não é causa de extinção de punibilidade, uma vez que não previsão legal para esse tipo de equiparação:
“Não obstante tenha sido oferecido bem à penhora em sede de embargos à execução fiscal, com valor de mercado suficiente para garantir a dívida com a Fazenda Estadual, tal medida não tem o condão de se equiparar ao pagamento do débito tributário, única medida capaz de extinguir a punibilidade do crime de sonegação fiscal, nos termos do art. 9º, § 2º, da lei 10.684/03 (Precedentes do STF e do STJ).RHC 42.644/SP, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 6/10/15, DJe de 19/10/15”
Nesse mesmo sentido, o ajuizamento de ação anulatória com o oferecimento de caução também não é suficiente para obstar o regular trâmite de inquérito policial instaurado para apurar o crime de sonegação fiscal:
“O ajuizamento de ação anulatória com o oferecimento de caução não é capaz de impedir o regular trâmite do inquérito policial instaurado para apurar a suposta prática de crime de sonegação fiscal, já que não tem o condão de obstaculizar os efeitos da constituição do débito tributário pela autoridade administrativa.
(HC 235.903/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 12/8/14, DJe de 21/8/14.)”
Sendo assim, ainda que o pagamento da dívida tributária ocorra após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, os efeitos reflexos do reconhecimento da extinção da punibilidade devem ser equiparados aos da prescrição da pretensão executória:
“Não há como se interpretar o referido dispositivo legal de outro modo, senão considerando que o pagamento do tributo, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado.
Como o édito condenatório foi alcançado pelo trânsito em julgado sem qualquer mácula, os efeitos do reconhecimento da extinção da punibilidade por causa que é superveniente ao aludido marco devem ser equiparados aos da prescrição da pretensão executória.
Ordem parcialmente concedida para declarar extinta a punibilidade do paciente, com fundamento no art. 9º, § 2º, da lei 10.684/03.
(HC 180.993/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 13/12/11, DJe de 19/12/11.)
Pode-se concluir que a justa causa para a persecução criminal dependerá da análise dos seguintes requisitos: a) Lançamento definitivo crédito tributário; b) Nos casos de tributos federais, o valor do crédito fiscal apurado deve ser superior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais); c) Inexistência de parcelamento fiscal; d) Inexistência de pagamento extemporâneo do débito tributário.
Sendo assim, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a inobservância desses requisitos será interpretado como ato abusivo do Estado, o que viabilizará a impetração de ordem de habeas corpus para resguardar o direito de ir e vir do cidadão.
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Lei 10.684, de 30 de maio de 2003.
(RHC 119.527/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 30/6/20, DJe de 6/8/20.).
(RHC 51.290/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 27/8/19, DJe de 9/9/19.).
(PET no Inq 583/PR, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, julgado em 4/11/15, DJe de 16/2/16.).
RHC 42.644/SP, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 6/10/15, DJe de 19/10/15.).
(HC 235.903/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 12/8/14, DJe de 21/8/14.).
(HC 535.063/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 10/6/20, DJe de 25/8/20.).
(HC 564.208/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 3/8/21, DJe de 18/8/21.).
(RHC 71.158/SC, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 20/10/16, DJe de 11/11/16).