A Teoria de Imprevisão surgiu no período babilônico, no entanto, passou a ter relevância somente na Idade Média, com o surgimento da cláusula rebus sic stantibus, a qual prevê que o contrato só pode permanecer como está se assim permaneceram os fatos.
Embora a existência da respectiva Teoria seja de milhares de anos atrás, a sua aplicação efetiva se deu em 1915 na França, oportunidade em que houve o julgamento colegiado superior e admitiu-se sua utilização num caso concreto, em que o estilista não tinha como pagar o pactuado em razão da guerra advinda naquele período.
Em nosso país, por sua vez, o primeiro julgado em que se aplicou a respectiva Teoria, ocorreu tão somente em 1930, após 15 anos de sua primeira aplicabilidade e desde então, é admitida a sua utilização no ordenamento jurídico brasileiro, com fulcro nos art. 478 a 480 do CC.
Nesse viés, o entendimento jurisprudencial em sua atualidade prevê acerca da possibilidade de ocorrência de fatos novos que não podiam ser previstos pelas partes e nem serem imputados a elas perante as relações contratuais, de modo que, sendo previsíveis as mudanças, não é aplicável a Teoria da Imprevisão.
Diante disto, há diversos exemplos práticos que diz respeito à respectiva Teoria, sendo um deles, o REsp 945.166/GO:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE SAFRA FUTURA DE SOJA. CONTRATO QUE TAMBÉM TRAZ BENEFÍCIO AO AGRICULTOR. FERRUGEM ASIÁTICA. DOENÇA QUE ACOMETE AS LAVOURAS DE SOJA DO BRASIL DESDE 2001, PASSÍVEL DE CONTROLE PELO AGRICULTOR. RESOLUÇÃO DO CONTRATO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA. IMPOSSIBILIDADE. OSCILAÇÃO DE PREÇO DA "COMMODITY". PREVISIBILIDADE NO PANORAMA CONTRATUAL. (REsp 945.166 GO 2007/0092286-4, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado 28/02/2012, DJe: 28.02.2012)
Isto é, no respectivo acordão, restou claro que para ensejar a aplicação da Teoria da Imprevisão, é imprescindível o preenchimento de requisitos cumulativos como: (i) superveniência de um acontecimento imprevisível; (ii) alteração da base econômica do contrato; e (iii) onerosidade excessiva.
No que concerne à superveniência de um acontecimento imprevisível, frisa-se que para caracterização de resolução contratual por onerosidade excessiva, exige-se evento extraordinário, como por exemplo, a calamidade pública decretada com base na pandemia de Covid-19, tal circunstância não estava coberta pelos riscos do próprio negócio.
Assim como, em casos de desastres naturais e guerras imprevisíveis, se tem a probabilidade de revisão do negócio, uma vez que tais circunstâncias não se adequam a meras alterações que se inserem nos riscos ordinários.
Por conseguinte, quanto à alteração da base econômica do contrato, esta se direciona ao fato de que, tendo uma circunstância superveniente e imprevisível, como no caso da pandemia, em que houve nefastos na vida patrimonial dos brasileiros, consequentemente se resulta no desiquilíbrio da base objetiva do contrato.
E por fim, a onerosidade excessiva, se caracteriza, por exemplo, num cenário de calamidade pública, ainda que seja fato extraordinário, se tem a prestação extremamente sacrificante para uma das partes, desproporcionalmente vantajosa para com a outra.
Nessa perspectiva, em observância ao enunciado 366 da IV Jornada de Direito Civil, o doutrinador Flávio Tartuce discorreu acerca do tema, demonstrando de forma mais clara quanto à resolução contratual perante a onerosidade excessiva:
“A primeira tem relação com o Enunciado n. 366 do CJF/STJ prevendo que "o fato extraordinário e imprevisível causador da onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação". Segundo o autor do enunciado, o advogado e professor Paulo Roque khouri: "O regime da 'onerosidade excessiva superveniente' não pode ser acionado diante de uma simples oscilação econômica para mais ou para menso do valor da prestação. Essa oscilação encontra-se coberta pelos riscos próprios da contratação compreendida pelos riscos próprios do contrato". (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 536).”
Ou seja, tão somente a expressão “onerosidade excessiva” não é suficiente para revisão ou resolução contratual, sendo primordial a comprovação do acontecimento extraordinário, o qual é desconexo com os riscos ínsitos à prestação subjacente, para que assim, haja a aplicabilidade da Teoria de Imprevisão.
Para mais, a respectiva Teoria e seus efeitos ante as relações contratuais, já foi analisada pelo STJ, sob diversos enfoques, quais sejam, em contratos administrativos e no direito do consumidor.
Á vista disso, a ministra Nancy Andrighi, ao julgar o Recurso Especial 977.007/GO, assentou entendimento paralelo perante a um contrato de compra e venda de safra futura de soja, em que o fato de ter ocorrido ferrugem asiática não acarreta onerosidade excessiva, tal qual estabelecido pelo art. 478 do CC:
Civil. Recurso especial. Ação revisional de contratos de compra e venda de safra futura de soja. Ocorrência de praga na lavoura, conhecida como 'ferrugem asiática'. Onerosidade excessiva. Pedido formulado no sentido de se obter complementação do preço da saca de soja, de acordo com a cotação do produto em bolsa que se verificou no dia do vencimento dos contratos. Impossibilidade. [...] - Ademais, nos termos de precedentes do STJ, a ocorrência de 'ferrugem asiática' não é fato extraordinário e imprevisível conforme exigido pelo art. 478 do CC/02. Recurso especial ao qual se nega provimento. (REsp 977.007/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/11/2009, DJe 02/12/2009).
Dessa maneira, considerando o exposto, a interpretação da aplicação da Teoria da Imprevisão deve ser analisada caso ao caso e, sendo cabível ao feito, deverá restar demonstrado o preenchimento dos requisitos cumulativos apresentados, não podendo se arguir tão somente a mudança do cenário social e/ou econômico.