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Confusão à vista: contribuição assistencial obrigatória

O STF está avaliando a criação de uma contribuição assistencial obrigatória para associados e não associados dos sindicatos laborais e empresariais.

25/4/2023

Depois de uma espetacular reviravolta, de vários do STF reformularam votos anteriores para autorizar a cobrança de uma contribuição assistencial dos associados e não associados dos sindicatos para a cobertura das despesas das negociações coletivas de trabalho (CCT).

O pagamento obrigatório de uma contribuição negocial ou assistencial ocorre em vários países devido ao fato de as negociações coletivas beneficiarem associados e não associados dos sindicatos. Mas, nesses países vigora um regime de liberdade sindical que permite a empregados e empregadores organizar os seus sindicatos do modo que quiserem e quando quiserem. Pode haver mais de um sindicato para a mesma categoria laboral ou empresarial. É o regime de pluralidade sindical.

No Brasil, vigora o regime de unicidade sindical. A Constituição Federal estabelece que pode haver um único sindicato para cada categoria e base territorial. Nessas condições, os sindicatos têm o monopólio para realizar as negociações coletivas e representar as respectivas partes em juízo.

A unicidade sindical garante um sistema monopolista. A pluralidade sindical se baseia em um sistema concorrencial. Essa é uma diferença de grande repercussão. No Brasil, se um sindicato não agrada os representados, eles não têm nada a fazer. Nos países de pluralidade sindical, eles podem se associar a outro sindicato ou criar um novo.

A transição para a pluralidade sindical

A passagem de um regime de monopólio para um regime de concorrência não é nada trivial. Quando existe mais de um sindicato laboral por categoria e base territorial, a lei estabelece que negocia com as empresas apenas o sindicato que for mais representativo. A representatividade é um conceito fundamental na liberdade sindical. Ela é estabelecida, por força de lei, aos sindicatos que têm o maior número de associados ou o que têm maior experiencia em negociação. Isso varia de país para país.

No Brasil, não existe a exigência de representatividade. Todos os sindicatos que possuem registro no Ministério do Trabalho são tidos como representantes dos seus representados. Mas, isso não é representatividade. A representatividade é dada pela proporção de associados aos sindicatos em relação ao número total de empregados ou empregadores de determinado âmbito da negociação coletiva.

No regime de liberdade sindical, os sindicatos se esforçam para conquistar a representatividade. Para tanto, oferecem aos seus representados os melhores serviços aos menores preços, incluindo aqui, a contribuição negocial ou assistencial. Além disso, eles limitam a utilização dos recursos arrecadados à sua finalidade principal que é a negociação coletiva de trabalho. 

A aferição da representatividade é periódica, rigorosa e regulada por lei ou por pactos sociais. O sindicato que deixa de ser representativo, deixa de ser o negociador e perde a contribuição negocial ou assistencial.

Dessa forma, a liberdade para as assembleias sindicais fixarem valores das contribuições sindicais é acompanhada por toda uma engenharia institucional que se baseia em um saudável sistema concorrencial.   

O risco de conceder poder na condição de monopólio

A decisão dos Ministros acima citados abre espaço para a cobrança de uma contribuição assistencial com base na situação de monopólio que é garantida pela Constituição de 1988 (art. 8º, Inciso II). Ora, se não há concorrência, qual é o estímulo que os sindicatos teriam para prestar o melhor serviço pela menor contribuição? Se os representados não tiveram liberdade de escolher outro sindicato o que estimulará a eficiência dos sindicatos?  Nada.

Ao contrário, com o poder de monopólio, os sindicatos terão o campo livre para organizar assembleias que aprovem os valores mais altos para a nova contribuição. Convém lembrar que, no Brasil nem o governo pode moderar o apetite dos sindicatos. O artigo 8º Inciso I da Constituição de 1988 diz claramente que o Poder Público não pode intervir nos negócios dos sindicatos.

Portanto, não tem cabimento autorizar os sindicatos a recolher contribuição assistencial num regime de monopólio onde nem a concorrência e nem a lei têm força para regular as decisões das entidades sindicais na fixação de qualquer contribuição.

Volto ao ponto inicial deste artigo. É necessário garantir aos sindicatos os meios e os recursos para fazerem a defesa dos seus representados nas negociações coletivas desde que sejam passíveis de algum controle, o que não ocorre no sistema brasileiro. Seria dar a faca e o queijo a quem pode fazer o que quiser na busca e na utilização de recursos provenientes de uma contribuição obrigatória.

Os ministros referidos se apoiam no direito de oposição que os representados teriam para não pagar a contribuição assistencial. Aqui também há a necessidade de regular essa matéria, pois, na prática atual, os sindicatos dificultam de todas as maneiras o exercício daquele direito. O que pode fazer o Poder Público para corrigir essas distorções se ele próprio está proibido de interferir na vida dos sindicatos? Nada.

A contribuição sindical e a reforma trabalhista

Como se vê, a generosidade dos Ministros em querer conceder o poder de fixar contribuições aos sindicatos brasileiros corre o risco de armar uma grande confusão e fazer voltar o caos existente antes da reforma trabalhista.

Por ocasião da discussão daquela reforma (2016-17), o Congresso Nacional cogitou realizar também uma reforma sindical. Mas, ficou claro que isso exigiria – e ainda exige – várias mudanças na Constituição de 1988. Por essa razão, os parlamentares limitaram o seu trabalho à modernização das regras trabalhistas constantes de uma lei ordinária – a CLT. Foram mantidas as contribuições existentes associativa, confederativa, assistencial e sindical, sendo esta modificada no que tange à compulsoriedade, decisão essa que foi tomada com base nos seguintes dados.    

  1. Com base no seu poder de monopólio, a obrigatoriedade da contribuição sindical tornava grande parte das entidades sindicais interessadas apenas nos recursos que caiam em seus cofres de forma automática e sem contestação, pois nem o Poder Público podia exercer controle sobre a sua utilização.
  2. Isso explicava em grande parte a proliferação de entidades sindicais no Brasil. Em 2017, havia 16.512 sindicatos, sendo 11.326 laborais e 5.186 empresariais.
  3. Em 2016, os recursos arrecadados da contribuição sindical para os sindicatos laborais e patronais chegaram perto dos R$ 4 bilhões. Além disso, os sindicatos coletavam recursos das contribuições associativa, confederativa e assistencial. As estimativas na época apontavam para um total de cerca de R$ 8 bilhões por ano.
  4. Na análise dos legisladores, constou que a maioria dos sindicatos não exercia as atividades de negociação coletiva. Ou seja, arrecadavam recursos sem prestar nenhum serviço aos empregados e empregadores no campo da negociação coletiva.
  5. Na ocasião, os parlamentares constataram o engajamento claro e notório das entidades sindicais nas atividades políticas, promovendo manifestações de apoio e de protesto a candidatos e partidos com violação à garantia fundamental da liberdade de expressão que é protegida pelo artigo 5º da Constituição Federal.
  6. Diante disso, o Congresso Nacional decidiu tornar a contribuição sindical voluntária e sujeita à manifestação expressa dos empregados e empregadores com base nos artigos 5º, Incisos IV e XVII e no artigo 8º, caput, que consagram as liberdades de associação, sindicalização e de expressão.

De lá para cá, nada mudou nas regras que garantem o monopólio dos sindicatos. Nem tampouco na regra que impede o Poder Público interferir nos seus negócios. É nesse ambiente que cairia uma nova contribuição compulsória. É confusão à vista.

José Pastore
Consultor em relações do trabalho do CAESP - Conselho Arbitral do Estado de São Paulo.

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