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As listas antidemocráticas para os tribunais responsáveis pela defesa da democracia

Ou a democracia se fortalece em todos os seus espaços, ou os direitos igualitários que ela pretende assegurar serão sempre examinados com os olhos da parcialidade e da injustiça estrutural.

25/4/2023

A democracia, para ser vigorosa, requer esforços em muitas frentes. Longe de estar relacionada apenas à realização de eleições íntegras, demanda respeito às instituições, aos direitos fundamentais e a seus valores basilares (liberdade e igualdade) em toda a organização social. O respeito às instituições, por sua vez, demanda que as instituições sejam respeitáveis e organizadas de acordo com os valores democráticos.

Como decorrência da igualdade, a representatividade feminina tem sido uma das grandes lutas democráticas, através de políticas públicas e de arcabouço normativo com ações afirmativas, como as cotas para a candidatura de cargos proporcionais. Esse empenho, porém, é insuficiente para assegurar à mulher o acesso aos espaços públicos, se outros ambientes democráticos são descuidados, ou pior, violados.

Dado que a democracia requer o bom funcionamento institucional, é inadmissível que as listas de candidaturas para integrar tribunais eleitorais que julgarão questões democráticas diversas e sobre a representatividade na política possam ser compostas só por homens, ou não tenham qualquer compromisso com a paridade. É incoerente que a própria estrutura dos tribunais eleitorais não observe esse equilíbrio.1

Diante do reconhecimento de que as mulheres estiveram afastadas dos espaços públicos decisórios por razões históricas, todo e qualquer ambiente institucional em uma democracia que envolva a atuação política (como é a nomeação para os tribunais nos casos em que o critério não for apenas merecimento ou antiguidade), deve procurar concretizar a igualdade. Tanto a representatividade o exige (a servir de parâmetro e modelo para outras mulheres), como a competência para analisar questões jurídicas, que demandam diversidade e pluralismo, também impõe a busca por critérios paritários de nomeação.

Além da violação à ética, trata-se de resolver uma incoerência jurídica dentro do ordenamento que tem como premissa o reconhecimento da importância da igualdade em sentido material e do bom funcionamento das instituições para a adequada vivência democrática. Quanto às listas referentes à advocacia, a questão se torna mais sensível diante do dado de que, desde 2021, as mulheres são maioria2. Apenas um ambiente machista, ou seja, um meio onde reina a injustiça de estruturas históricas justifica essa visão distorcida.

Ou a democracia se fortalece em todos os seus espaços, ou os direitos igualitários que ela pretende assegurar serão sempre examinados com os olhos da parcialidade e da injustiça estrutural.

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Outros dados já nos levaram a escrever muito sobre o tema e continuaremos a escrever, fazendo da palavra instrumento de luta, até que a realidade se modifique. Para maiores informações consultar O espaço insubstituível das mulheres na democratização da Justiça, disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/356811/o-espaco-insubstituivel-das-mulheres-na-democratizacao-da-justica, e Justiça Eleitoral é masculina, por mais democracia institucional e igualdade nas cortes, disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/335977/justica-eleitoral-e-masculina--por-mais-democracia-institucional-e-igualdade-nas-cortes.

2 Pela primeira vez na história, número de advogadas supera o de advogados.

Raquel Cavalcanti Ramos Machado
Mestre pela UFC, doutora pela Universidade de São Paulo. Professora de Direito Eleitoral e Teoria da Democracia. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP, do ICEDE, da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/CE e da Transparência Eleitoral Brasil.

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