Dentre lembranças de brincadeiras da infância, uma, outro dia, devido a uma associação com o presente, emergiu no horizonte, eram supostos títulos de filmes que, além de nunca terem existido, revelavam uma pilhéria, um chiste: A volta dos que não foram; As tranças do rei careca; Poeira em alto mar e Meu tio é filho único foram exemplos clássicos.
Após tantos anos, em nosso atualíssimo presente, embora Freud desde muito aconselhasse observarmos com melhor cuidado os chistes, a ficha finalmente caiu e o sentido (ou o nonsense) se revelou. Ao que parece, no Brasil, alguns desses títulos continuam em cartaz e ainda são blockbusters (para usar um termo da época).
Sem delongas, uma vez que falamos para entendidos.
Notários e Registradores concursados de todo o país aguardam entre os dias 14 a 24/4/23, na modalidade virtual, o julgamento da ADIn 1183 que, em poucas palavras, dirá, dentre outras coisas mais, o quanto vale a já tão gasta tinta com a qual foi escrita nossa chamada Magna Carta.
Naqueles autos, o Supremo Tribunal Federal, em 21/6/21, proferiu Acórdão no qual, dentre outros efeitos, conheceu da ADIn para declarar inconstitucional o exercício em serventias extrajudiciais(cartórios) de substituições ininterruptas por prepostos não concursados, indicados pelo titular ou pelos tribunais de justiça, por períodos superiores a 6 (seis) meses. Declarou, ainda, que para essas longas substituições (superiores a 6 meses) a solução constitucionalmente válida é a indicação, como substituto, de outro notário ou registrador, sem prejuízo da abertura de concurso público.
Na referida ação, embora com acerto devido à necessidade de cessação das iniquidades existentes, o Tribunal se prestou a dizer o óbvio, pois se trata do que já se encontra dito expressamente no texto constitucional.
Contudo, surpreendentemente, a parte Autora da ADIn, o Partido Comunista do Brasil – PC do B, aviou inexplicáveis embargos de declaração, em despropositada inovação processual, no qual pretende a modulação dos efeitos quanto ao decidido para atingir somente as vacâncias futuras após o trânsito em julgado da ADI.
Observemos: ao final e a cabo o que está em jogo é se o § 3º do art.236 da Constituição possui eficácia plena ou, sugerimos, “eficácia plena natimorta”.
Explicamos. O referido dispositivo é de uma clareza solar: O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. (3º do art.236 da CR).
Porém, referida cláusula, de reconhecida aplicabilidade imediata, há 33 anos é frontalmente descumprida por todo o país.
Diante da contingência e evidência dos fatos não podemos falhar no rigor da observação e nem nos furtar a conjecturar novas teorias sobre as eficácias constitucionais: a contida, a condicionada, a plena e a natimorta.
Também é legítimo pressupor que, no caso do inusitado provimento de tais embargos teríamos consagrado no Direito nacional uma novidade hermenêutica, também propomos chamá-la de cláusula constitucional “Walking dead”, uma vez que, ao fim e ao cabo, estaríamos consagrando um aborto constitucional autorizado aos 33 anos de gestação.
Mas por que a associação inicial com os filmes? Pelo nonsense, pela prestidigitação das palavras que levam ao curto-circuito lógico que, por sua vez, levam a paralisia, ou ao riso de escárnio. Nesse cenário, “A volta dos que não foram”, apesar do cômico, nos parece um nome de um filme sobre esperança e tragédia.
Como, no Estado de Direito, na Ciência Jurídica, se permite tal fraqueza ao vigor do dispositivo constitucional e, em contrapartida, tamanha lhaneza com seus ofensores?
É de se assombrar a novel e inaudita pretensão da parte autora, o PC do B de, em rota de colisão com a constitucionalidade reestabelecida, pretender ressuscitar e perpetuar a ilegalidade pela própria ilegalidade, sob inacreditável fundamento venire contra factum proprium, ou seja, já que a ilegalidade se encontra “pacificada”, que seja mantido o status quo (ilegal), projetando para o futuro o restabelecimento do devido Estado de Direito.
Em outras palavras, pretendem que sejam mantidas as delegações eternizadas e indevidas, sem concurso, por conseguinte, mantidos os prejuízos aos delegatários legalmente investidos via certame público.
O não provimento dos Embargos de Declaração, que serão julgados na ADIn 1183 e seus efeitos sobre todos os Tribunais de Justiça do país, para além de constitucional, será definitivo para assegurar a titularidade legítima do extrajudicial brasileiro, impedir nomeações contrárias aos princípios da moralidade e impessoalidade, findar a permanência de substituições eternizadas na atividade de forma a burlar a exigência do certame público.