Os processos seletivos para ingresso nos Programas de Residência Médica exigem muita energia, dedicação e preparo com antecedência dos candidatos, afinal, como se sabe, trata-se de um cenário de concorrência extrema e que, por vezes, se assemelha ao período para ingresso na graduação.
A depender da especialidade escolhida pelo candidato, é possível afirmar que a concorrência pode ser ainda mais acirrada, isso porque o número de vagas disponibilizadas pelos programas de residência médica, por muitas vezes, não é compatível com o número de médicos recém graduados.
No entanto, após ter superado a primeira batalha, que é a aprovação e convocação para a matrícula na residência médica pretendida, inicia-se um novo desafio: o serviço desempenhado durante a formação, prática e intelectual, na especialidade aprovada.
Desligamento da Residência Médica e a injustiça da CNRM
Em relação à prática, existem pontos que devem ser analisados com cuidado como, por exemplo:
- O fato de que o médico residente pode se sentir insatisfeito com a rotina do serviço;
- É possível que ele tenha as suas expectativas frustradas sobre a qualidade técnica desempenhada em determinado hospital;
- Surgir algo ainda mais grave, como: episódio na vida do médico residente que o faça, às pressas, precisar abandonar o Programa de Residência Médica por um período.
Diante dessa última possibilidade, torna-se necessário requerer o desligamento da residência médica naquela oportunidade. Uma situação muito comum em que isso ocorre é quando o candidato é aprovado em uma localidade distante da sua família e, por alguma razão, precisa retornar para o seu estado de origem ou cidade.
A verdade é: são inúmeros os motivos que podem levar um médico residente a desistir da residência médica em determinado momento da vida.
No entanto, na contramão de todos os inúmeros infortúnios que podem acontecer no curso de uma especialização, a Comissão Nacional de Residência Médica, responsável por regular e supervisionar os Programas de Residência Médica no âmbito nacional, editou a Resolução 17 de 21 dezembro de 2022, que, dentre todos os seus novos regramentos, proíbe o ingresso de médico residente em especialidade a qual tenha iniciado um PRM e, posteriormente, desistido.
A Resolução 17/22 da CNRM, que tem como escopo dispor sobre o processo de seleção pública dos candidatos aos Programas de Residência Médica, inaugurou uma exigência que destoa completamente da realidade.
Conforme previsão contida em seu art. 41, transcrito abaixo, verifica-se que a resolução não faz ressalva alguma aos motivos que podem ter levado o médico residente a desistir do PRM, como se vê:
Art. 41. O médico residente em que esteja matriculado e cursando PRM, ao desistir antes do término da conclusão do PRM, fica vedado de efetuar nova matrícula em programa de mesma especialidade, mesmo sendo aprovado em novo processo de seleção pública.
A vedação arbitrária a simples possibilidade de um médico residente desistir de um Programa de Residência Médica, sob pena de nunca mais poder se tornar especialista naquela determinada formação, é inaceitável.
Não é minimamente proporcional ou razoável que a CNRM proíba um médico de, em determinado momento, abrir mão do seu PRM para posterior ingresso em outra instituição. Afinal, este médico terá como porta de entrada um processo seletivo pelo qual, assim como todos os demais candidatos, deverá obter êxito em todas as etapas para ser aprovado e realizar a nova matrícula.
CNRM mais uma vez age de forma ilegal
Os efeitos práticos da previsão contida no art. 41 da Resolução 17/22, da CNRM, são extremamente graves, exatamente porque, caso o residente não consiga concluir determinada especialidade na primeira oportunidade, ficará permanentemente impedido de se tronar especialista naquela área específica durante o resto da sua carreira profissional, o que é inaceitável e, sobretudo, ilegal.
Ao editar as normas regulamentadoras dos programas de residência médica, assim como todo o trâmite para os seus processos seletivos, a CNRM não pode, sob perspectiva alguma, realizar previsões afastadas do que determinam os conceitos de razoabilidade e proporcionalidade.
“Mesmo sendo aprovado em novo processo de seleção pública”, candidatos poderão ser impedidos de ingressarem
Além disso, ao analisarmos a disposição final do art. 41 da Resolução 17/22 da CNRM, é possível notar um trecho ainda mais problemático da norma, que impede o candidato desistente de ingressar em novo programa de residência médica, de mesma especialidade, mesmo sendo aprovado em novo processo de seleção pública.
Diante da exposição final da previsão contida no art. 41 da Resolução 17/22, é possível perceber que toda a demonstração de capacidade intelectual do candidato será, na prática, sumariamente ignorada, de modo arbitrário. Seu desempenho intelectual, avaliado e demonstrado durante todo o processo seletivo para ingresso em eventual PRM, não irá gerar nenhum efeito prático, tendo em vista o expresso impedimento em assumir a vaga, mesmo tendo logrado êxito para tanto.
Diante disso, é possível extrair a compreensão de que na própria norma editada pela CNRM, há um desprezo ao candidato melhor preparado e que figure como colocado nas primeiras opções. Essa decisão é completamente contrária ao espírito de todo e qualquer processo seletivo, que tem como objetivo a seleção de candidatos que se demonstram capazes e preparados a assumir o serviço, nos ditames exigidos por eventual edital de ingresso.
A nova previsão da CNRM pode ser questionada judicialmente
Nesse sentido, conclui-se que a nova previsão contida no art. 41 da Resolução 17/22 da CNRM é, sem sombra alguma de dúvidas, possível de ser questionada judicialmente, exatamente por se mostrar desproporcional e desarrazoada, vez que, na prática, será aplicada penalidade extremamente grave ao médico residente, sem que sequer seja analisada a sua motivação para desistência.