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Honorários por equidade: até quando um dilema?

Nada obstante as vitórias já alcançadas, a luta contra o aviltamento dos honorários advocatícios continua árdua.

13/4/2023

Repercutiu, recentemente, o inconformismo do Ministro Herman Benjamin, Magistrado do Superior Tribunal de Justiça – STJ –, acerca da Tese alusiva ao Tema Repetitivo nº 1076, na qual foi definida a impossibilidade de os honorários advocatícios sucumbenciais serem arbitrados por equidade em causas de elevado valor.

Na sessão da 2ª Turma do STJ, realizada em 21 de março de 2023, o Recurso Especial 1.783.008/SP foi provido, por unanimidade, para condenar o Fisco ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais em consonância com o disposto no art. 85, §§ 3º e 5º, do CPC, afastando-se, por conseguinte, a incidência do § 8º em causa de elevado valor. 

No sobredito julgamento, houve, no entanto, eloquente ressalva: “Esse é um dos muitos exemplos que temos em que, ao aplicarmos a posição vencedora por maioria de votos na Corte Especial, nós estamos chancelando aqui no STJ honorários que são absolutamente incompatíveis com o sentido de Justiça.”

Qual foi, então, a suposta injustiça chancelada pelo STJ?

No caso concreto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aplicou o disposto no art. 85, § 8°, do CPC, para condenar, por equidade, o Fisco ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais no importe de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), substituindo, neste quadrante, a sentença na qual os honorários haviam sido fixados no importe de R$ 2.351.598,10 (dois milhões, trezentos e cinquenta e um mil, quinhentos e noventa e oito reais e dez centavos).

De modo evasivo, a drástica redução das verbas honorárias foi justificada pela “situação de contingenciamento econômico pelo qual perpassa o país e a realidade dos honorários em ações semelhantes” e consequente necessidade de se evitar “prejuízo de extrema onerosidade ao erário” e não condizente, sob o prisma dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, “com a efetiva complexidade e trabalho exigidos pela causa.”

Sucede que a equidade só pode ser invocada com expressa autorização legal, consoante teor do art. 140, parágrafo único, do CPC.

De tal sorte, é vedado ao juiz “afastar-se da lei ou da Constituição a pretexto de aplicar, a determinado caso, solução que lhe pareceria mais justa.”1 Do contrário, corre-se o risco de confundir equidade com razoabilidade, permeando-se decisões baseadas no arbítrio.2

No que se refere à fixação dos honorários advocatícios de sucumbência, o ordenamento jurídico não se afigura, no entanto, lacunoso. É o que se infere do extenso regramento contido no art. 85 do CPC, cujo normativo é estruturado em 20 (vinte) parágrafos e inúmeros incisos.

Desse dispositivo legal, o § 8º – no qual se encontra inserida a possibilidade de o juiz definir, por equidade, os honorários sucumbenciais devidos em causas de valor inestimável, irrisório ou pequeno – propiciou cenários de instigantes e acaloradas discussões, na medida em que tal norma também passou a ser aplicada às causas de elevado valor para a redução das verbas honorárias, transfigurando-se, por conseguinte, sua mens legis: assegurar remuneração digna ao advogado quando a condenação, o valor da causa e o proveito econômico não forem, por si sós, suficientes.

Em reposta à multiplicidade de Recursos Especiais, a Corte Especial do STJ concluiu, por maioria, pela impossibilidade de os honorários advocatícios sucumbenciais serem arbitrados por equidade em causas de elevado valor, a saber:

i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.

ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.

(REsp 1850512/SP - 2019/0352661-7, Relator: Og Fernandes, Corte Especial, DJe: 31/5/22)

Contudo, percebe-se que, no próprio STJ, a aludida tese ainda não foi assimilada por todos os seus Membros, cujas ressalvas infirmam a busca pela tão-almejada segurança jurídica, consubstanciada no dever (CPC, art. 926, caput) de os tribunais preservarem a estabilidade, a integridade e a coesão de suas jurisprudências, sobremais no dever de obediência (art. 927, III) às teses editadas na sistemática de recursos repetitivos.

Esse persistente e temerário cenário de insegurança jurídica desaguou nos ares da Supremo Tribunal Federal através da Ação Declaratória de Constitucionalidade 71, cujo objeto é a interpretação conferida ao art. 85, § 8º, do CPC, designadamente a declaração de que sua aplicação deve ser restrita às causas de valor inestimável, irrisório ou pequeno, de modo a não comtemplar (por interpretação analógica e extensiva e, o pior, em detrimento dos §§3º e 5º) as causas de elevado valor.

Retomando ao case, quanto será, enfim, o valor das verbas honorárias?

Seguindo, rigorosamente, o escalonamento dos parâmetros legais mínimos, o valor das verbas honorárias será de R$ 1.259.127,05 (um milhão, duzentos e cinquenta e nove mil, cento e vinte e sete reais e cinco centavos), conforme apurado em Planilha disponibilizada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF 4.3

Diante do proveito econômico obtido no caso em estudo, qual deveria ser, no senso de justiça do Ministro Herman Benjamim, o valor das verbas honorárias? R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) ou R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais)? E no senso de justiça de seus pares? Será que existiria desejável consenso? Deveria o STJ, à margem da lei, criar outros critérios de parametrização? “Por conta desse altíssimo grau de imprecisão e subjetivismo somente é possível o uso da equidade nos casos expressamente previstos na própria norma jurídica. Fora deles, o juiz não pode dela se valer, evitando um autoritarismo jurídico.”4

O fato é que o legislador (bem ou mal) já cuidou da parametrização da fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais, seja para as causas de valor inestimável, irrisório ou pequeno, seja para as causas de elevado valor. Não havendo lacuna normativa, a lei deve ser observada, respeitada e aplicada.

No nosso sentir, aliás, o legislador cuidou muito bem da matéria. Isso porque, ao criar faixas com percentuais flutuantes, restou preservado o livre convencimento motivado do Magistrado acerca dos critérios (grau de zelo do profissional; lugar da prestação dos serviços; natureza e importância da causa; trabalho realizado pelo advogado e tempo exigido para o seu serviço) previstos no art. 85, § 2º, do CPC.

Nessa senda, mesmo que uma estratégia jurídica possa ser adotada para solucionar diversas lides, se uma delas versar valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e outra de R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais), revelar-se-á como inquestionável a existência de diferentes níveis de importância econômica entre as causas, circunstância mais que suficiente para legitimar o deferimento de diferentes verbas honorárias, ainda que, em todas essas lides, os advogados atuem com o mesmo grau de zelo profissional, no mesmo lugar e os trabalhos demandem o mesmo tempo. E por quê?

Porque a responsabilidade civil por eventual falha (por exemplo, perda de prazo, o que, apesar de grave, é suscetível de ocorrer com os profissionais mais dedicados) numa causa com valor de R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) inviabilizará, fatalmente, a atividade de quase todos os advogados. Esta nefasta consequência, porém, pode ser contornada em causa com valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Como é o advogado quem assume os ônus de sua atividade, responsabilizando-se perante seus clientes por eventuais falhas, assim como todo e qualquer outro profissional liberal assume e se responsabiliza, os bônus devem ser auferidos em dimensão correlata.

Deveras, percebe-se que a norma inserida no art. 85, §§ 3º e 5º, do CPC, é, naturalmente, equitativa, haja vista que o valor da causa é, de forma mitigada, proporcional aos honorários advocatícios de sucumbência, cujo equacionamento aritmético – intercalado em 5 (cinco) faixas de percentuais decrescentes – não cria situação disruptiva, mas sim preserva a isonomia em sua vertente material.

Se, por um lado, o ordenamento jurídico assegura remuneração digna aos advogados, por outro, serve de mecanismo de controle ao enriquecimento sem causa, visando equilibrar a seguinte equação: bônus do advogado da parte vencedora vs ônus da parte vencida.

Em que pese o relevante inconformismo acerca da Tese alusiva ao Tema Repetitivo 1076/STJ, é lamentável (e, por que não, reprovável) o burocrático deferimento dos honorários advocatícios de sucumbência nos parâmetros legais mínimos estabelecidos no art. 85, § 3º, do CPC, a despeito de o processo haver tramitado (e, consequentemente, de o advogado haver atuado) nas Jurisdições Ordinária (de 1º e 2º Graus) e Extraordinária, o que impõe (§ 11) a majoração dos patamares mínimos a título de honorários recursais.

Entre a insegurança inerente à equidade e a segurança patrocinada pela lei, deve-se privilegiar, portanto, a aplicação do disposto no art. 85, §§ 3º e 5º, do CPC, no deferimento de honorários advocatícios sucumbenciais em causas de elevado valor, restringindo-se a apreciação equitativa às causas de valor inestimável, irrisório ou pequeno, uma vez que a exceção inserta no § 8º não comporta, por óbvio, interpretação analógica e/ou extensiva.

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1 MEDINA, José Miguel Garcia. Código de Processo Civil comentado. – 8. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters, 2022, pág. 225.

2 NERY JR, Nelson. Código de Processo Civil comentado / Nelson Nery Jr, Rosa Maria de Andrade Nery. - 20. ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

3 Disponível em: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=pagina_visualizar&id_pagina=3654 

4 FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: parte geral e LINDB – v.1 / Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald – 21. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2023, pág. 152.

Raphael Guimarães
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Sociedade de Ensino Universitário do Nordeste. Advogado atuante.

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