Migalhas de Peso

Tributo prescrito e parcelamento de débito, como combater

Um panorama de como o devedor tributário deve agir diante de uma confissão de débito baseada em tributação já prescrita.

10/4/2023

Encontra previsão, no art. 3º do CTN, o tributo como sendo o grande impulsionador de investimentos de um Estado organizado.

Ao afirmar, na lei, que ele se apresenta como uma prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção por ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, essa afirmação traduz a máxima de que o tributo além de necessário, legal, ele representa como um elemento essencial ao progresso de uma sociedade.

E aqui não nos referimos ao riscos que a sociedade corre quando é governada por péssimos gestores, o que há se destacar é que o tributo impõe a possibilidade de realização obras, serviços, produtos e toda uma gama de ações vertidas à população, preservando, ao máximo, a distribuição de renda igualitária, o respeito ao princípio da isonomia, dando dignidade a sua gente.

Quando falamos na importância dos tributos para progresso social, tal assertiva se assemelha, em muito, ao princípio do subsídio cruzado, extremamente concentrado nas políticas de saneamento público do Brasil, destacadamente no preços das tarifas de água e esgoto, que traduz a ideia de justiça social, ou seja, os sistemas mais caros sustentam os mais vulneráveis, respeitando a isonomia e concedendo os mesmos direitos a todos.

Todavia, há sempre de se indagar: pagar tributo é bom? Cremos que a grande maioria da população vai dizer que não. E pagar tributo quando o mesmo está inquinado de alguma irregularidade ou falha, em sua constituição? Aí é que vem a complicação!

A força de uma execução fiscal, o poder devastador dos efeitos de um processo executório (penhora de contas bancárias, bloqueio de carros, imóveis, ativos, etc.), aliada a nova temática imposta pelas novas medidas executórias, em seu art. 139, IV do CPC1 (bloqueio de CNH, cartão de crédito, passaporte do devedor, etc.), levam ao devedor executado a refletir e agir de forma rápida, quando não dispõe de suporte financeiro para enfrentar uma boa contenda na justiça, a aderir ao parcelamento de seu débito tributário.

Sem deixar de mencionar que o débito tributário, ainda, expõe o contribuinte devedor a demanda na seara criminal, por algum ilícito penal (por exemplo, sonegação fiscal), podendo levar a uma condenação, interferindo, sem sombra de dúvida, na rotina do devedor e em seu futuro, quer seja na vida social, quer seja na caminhada empresarial.

Todos estes gatilhos, como dito alhures, levam ao contribuinte, que se encontra em débito tributário, a aceitar o parcelamento da dívida, como forma de se afastar dos amplos riscos suscitados, corroborando, “cegamente”, com a assunção dos valores impostos pelo Fisco, de forma parcelada, suspendendo os efeitos deletérios de uma execução fiscal ou, até mesmo, de uma ação penal contra o mesmo.

Isso induz a não analisar, de maneira aprofundada, a origem do tributo cobrado, não se verifica se o mesmo encontra-se atingido por alguma falha que não o levaria a produzir qualquer efeito no mundo jurídico. Dentre essas falhas, podemos citar a ilegalidade do tributo, inconstitucionalidade da lei que o fundamenta, erro, dolo, fraude, simulação e a prescrição.

Para melhor clarear as ideias, podemos esmiuçar, de maneira rápida, o sentido de cada um dos equívocos apontados, vejamos:

Agora, por sua vez, trazemos à tona o mais comum dos institutos mencionados, que é a prescrição tributária. Para falar dela é necessário destacar que se trata de um fato jurídico representado pela perda do direito subjetivo de ajuizamento de ação de execução (fiscal) do valor do tributo, ou seja, quando o Fisco perde o time para exercer sua cobrança, em plenitude.

E aqui não trazemos, necessariamente, a distinção entre prescrição “pura” e a intercorrente, haja vista que o objetivo do que ora se ressalta é retratar a possibilidade do Fisco impor ao contribuinte a cobrança de um tributo já prescrito e este, por sua vez, por desconhecimento do tema ou, até mesmo, pela não valoração da importância na contratação de um Advogado especialista, assume aquele débito tributário, procede com o parcelamento e quita-o, mesmo em prejuízo.

O contribuinte não consegue vislumbrar sequer a possibilidade de suscitar tal tema em uma defesa administrativa/judicial, bem como, discernir que a prescrição e, até mesmo a decadência, por si só, podem levar, por exemplo, a extinção de uma punibilidade penal nos crimes contra a ordem tributária, quanto mais produzir efeitos na seara cível.

Tanto a doutrina, quando a jurisprudência são contundentes no sentido em defender a decadência e a prescrição como causas extintivas de crédito tributário e de punibilidade penal. (STJ. REsp 789.506/CE e STF, HC 81.611).

Voltando para a temática cível, reforçando o que foi dito anteriormente, pode-se questionar a hipótese em que o contribuinte devedor, diante de uma cobrança do Fisco (no campo administrativo ou judicial), ciente dos riscos que aquela exação pode causar em sua vida, em seu patrimônio, assume um parcelamento de débito, como forma de postergar os efeitos das medidas processuais.

Pergunta-se: com o parcelamento feito impõe-se uma blindagem sobre aquela negociação? Ou seja, não se poderia mais o contribuinte trazer questionamentos sobre o tributo parcelado? E se o tributo, objeto do parcelamento, estava prescrito? O que fazer?

São questionamentos extremamente contundentes, mas que tem como resposta um “sim” em favor do devedor, posto que não existe a possibilidade de tornar imutável, intocável, inabalável, qualquer indagação que venha a ser feita pelo contribuinte no parcelamento que por ele foi realizado.

É bastante natural que o Fisco se utilize da ideia de que com a realização do parcelamento se torna, praticamente, impossível abrir às discussões a respeito dos aspectos fáticos da obrigação tributária que originou o fatiamento do débito. Ledo engano. Tanto a doutrina Pátria, quanto a jurisprudência dos tribunais brasileiros são uníssonos em verbalizar que em toda e qualquer confissão de débito tributário não impede que o mesmo seja objeto de discussão judicial, tocantes a temas jurídicos que possam atingir a credibilidade do tributo.

Isso quer dizer que mesmo diante de um cenário de parcelamento de um tributo, o contribuinte pode questiona-lo, em juízo, mediante ação declaratória ou anulatória fulcrada nos aspectos jurídicos da obrigação e, mais precisamente, na prescrição do tributo.

O próprio STJ, sob a sistemática de recursos repetitivos, já havia firmado tese (tema 375), que explana o seguinte:

“A confissão da dívida não inibe o questionamento judicial da obrigação tributária, no que se refere aos seus aspectos jurídicos”.

Esta hipótese, inclusive, é baseada no princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto da Constituição Federal, em seu art. 5º, inc. XXXV. Bem como, a jurisprudência rema no mesmo sentido, quando reconhece que a confissão de um débito tributário leva ao reconhecimento, pelo devedor, da precisão dos fatos, todavia, não rechaça a possibilidade de discutir os aspectos jurídicos da cobrança. (TRF4; AG 5051348-56.2019.4.04.0000).

A temática debatida no STJ traz à tona o entendimento de que a confissão de dívida, realizada com a finalidade de obter parcelamento da dívida tributária, não pode inibir questionamentos judiciais, destacadamente quanto aos seus aspectos jurídicos; até mesmo a matéria de fato, oriunda da dívida parcelada, pode naturalmente ser invalidada se for comprovado o defeito, levando a nulidade do ato jurídico.

Inclusive, é bom ressaltar que a própria administração tributária tem o dever de revisar seus atos, de ofício (por exemplo, lançamento), quando se comprova a presença de erro de fato que macula a exação, conforme regra do art. 145, III c/c art. 149, IV, ambos do CTN. Não se admite levar tais equívocos para a confissão e parcelamento da dívida, haja vista que a mesma poderá ser invalidada.

Todavia, nestes casos, esperar pelo Fisco para corrigir seus erros talvez não seja a melhor escolha; caberá ao contribuinte que se sentiu prejudicado contratar um Advogado especialista na área, ajuizar ação anulatória/declaratória, suscitando a prescrição do tributo parcelado, objetivando anular a confissão pactuada e buscar o ressarcimento daquilo que foi pago erroneamente.

A prescrição tributária é causa flagrante de extinção do crédito tributário, conforme reza o art. 156, V do CTN. Assim, tem-se que desaparecido o crédito, será decomposta a obrigação tributária, que não pode subsistir na ausência do nexo relacional que atrela credor e devedor.

De mais a mais, é salutar o contribuinte, que suportou o ônus econômico do pagamento errado, se atentar para o detalhe da ação judicial a ser manejada, bem como, para a repetição do indébito tributário (recuperar o que foi pago equivocadamente, com base no art. 165 CTN). Registre-se que se pode recuperar os últimos 5 (cinco) anos.

Portanto, resta claro que quando o contribuinte assumir um parcelamento de um débito tributário já prescrito, cabe a ele questionar em juízo ou fora dele, como forma de combater esse comportamento do Fisco, visando, além de anular a confissão, a recuperação do que foi pago equivocadamente, até porque, nestes casos, não há, como ficou provado, a imutabilidade dos questionamentos da confissão de débito realizada.

O Fisco não pode enriquecer com base em tributação prescrita. Essa é a máxima.

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1 Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

2 "Enquanto o 'erro de fato' é um problema intranormativo, um desajuste interno na estrutura do enunciado, o 'erro de direito' é vício de feição internormativa, um descompasso entre a norma geral e abstrata e a individual e concreta.

Assim constitui 'erro de fato', por exemplo, a contingência de o evento ter ocorrido no território do Município 'X', mas estar consignado como tendo acontecido no Município 'Y' (erro de fato localizado no critério espacial), ou, ainda, quando a base de cálculo registrada para efeito do IPTU foi o valor do imóvel vizinho (erro de fato verificado no elemento quantitativo).

'Erro de direito', por sua vez, está configurado, exemplificativamente, quando a autoridade administrativa, em vez de exigir o ITR do proprietário do imóvel rural, entende que o sujeito passivo pode ser o arrendatário, ou quando, ao lavrar o lançamento relativo à contribuição social incidente sobre o lucro, mal interpreta a lei, elaborando seus cálculos com base no faturamento da empresa, ou, ainda, quando a base de cálculo de certo imposto é o valor da operação, acrescido do frete, mas o agente, ao lavrar o ato de lançamento, registra apenas o valor da operação, por assim entender a previsão legal. A distinção entre ambos é sutil, mas incisiva." (Paulo de Barros Carvalho, in "Direito Tributário - Linguagem e Método", 2ª Ed., Ed. Noeses, São Paulo, 2008, págs. 445/446).

Allisson Carlos Vitalino
Advogado do Escritório VSM Advocacia, João Pessoa-PB; pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET.)

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