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Os efeitos na IN 1.888/19 da Receita Federal na declaração de criptoativos no Brasil

As informações prestadas de transações com criptoativos por força da INRFB 1.888/19 foi o que possibilitou a Receita Federal criar o sistema pré-preenchido de declaração de ativos como Bitcoin.

6/4/2023

A Receita Federal do Brasil (RFB) anunciou nesse ano a utilização de um sistema de pré-preenchimento para Declaração de criptoativos no Imposto de Renda. Nesse novo sistema, o contribuinte ao abrir o programa para fazer sua declaração anual já encontra sua ficha de bens e direitos com os dados referentes a todos os Ativos Digitais Criptografados (criptoativos, stablecoins, NFTs e os Tokens criptografados em geral) custodiados em Exchanges no Brasil. Mas como isso foi possível de acontecer e o que ela pode impactar na vida das pessoas que negociam Bitcoin e outros ativos semelhantes no Brasil?

A Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil (INRFB) 2.134/23, em seu art. 6º, § 1º, inciso VIII, menciona que o contribuinte pode fazer uso desse pré-preenchimento na hora de fazer a Declaração de Ajuste Anual dos Ativos Digitais Criptografados já com as informações relativas às operações realizadas com criptoativos a que se refere a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil (INRFB) 1.888/19.

Desta forma, pode-se afirmar que a mudança só foi possível por conta da própria INRFB 1.888/19 que trouxe para todas as corretoras de criptoativos (Exchanges) domiciliadas para fins tributários no Brasil o dever de “prestar informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (SRFB)”. Isso sucede independentemente do valor negociado ou custodiado por essas empresas, conforme consta no art. 6º, inciso I, da referida normatividade.

Essa prestação deve ser feita mensalmente trazendo de forma clara os dados dos clientes e quanto eles possuem na chamada Exchange brasileira. Além das informações de seus clientes, as corretoras que transacionam, intermedeiam ou que custodiam os Ativos Digitais Criptografados devem compartilhar com a SRFB, a data da transação, a outra parte envolvida, se foi permuta, doação, compra ou venda, qual foi o ativo especificamente negociado, “a quantidade de criptoativos negociados, em unidades, até a décima casa decimal” bem como o valor em Real da transação e quanto houve de pagamento de taxas na transação.

Negociações fora das Exchanges brasileiras

Caso o contribuinte só negocie fora das corretoras cripto brasileiras, seja por meio de das Exchanges internacionais ou pelo modo “peer-to-peer” (P2P), terá ele próprio o dever de prestar tais informações desde que a soma de as negociações mensais ultrapasse ao valor de R$ 30 mil, nos termos do art. 6º, § 1º, da INRFB 1.888/19.

Com essas informações cedidas, fica muito mais fácil para a RFB estabelecer o cruzamento de dados e trazer para os contribuintes o formulário já pré-preenchido ao que tange à Declaração de Ajuste Anual de Imposto de Renda (ou apenas Declaração de Imposto de Renda) dos Ativos Digitais Criptografados.

Mesmo as Exchanges estrangeiras podem se submeter as mesmas regras para as corretoras brasileiras trazidas INRFB 1.888/2019, ainda que a soma das transações de determinado cliente não chegue aos R$ 30 mil no mês. O contribuinte deve de estar atento às seguintes questões: (i) se a empresa estrangeira possui filial no Brasil? e se (ii) as operações contaram com a participação de uma empresa de criptoativos sediada no Brasil?

De acordo com o art. 23 da lei 9.430/96, uma empresa estrangeira por estar vinculada à pessoa jurídica no Brasil ainda que sua matriz esteja no exterior, poderá ser considerada para efeitos fiscais domiciliada no Brasil. Assim, uma corretora chinesa com filial no Brasil, tendo as operações ou parte delas feitas nesse segundo país terá de prestar todas as informações dessas negociações à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, conforme trazido no art. 6º, inciso I, da INRFB 1.888/19.

No caso de uma negociação “peer-to-peer”, em que um particular negocia diretamente com outro (sem terceiros participando da transação) há uma dificuldade maior para a Receita Federal cruzar os dados. O fato é que essas negociações são feitas como na troca de Real por Dólar entre particulares ou venda de uma obra de arte em dinheiro vivo.

Apesar de haver a regra da INRFB 1.888/19 da obrigatoriedade de prestação de informação à SRFB para a soma de transações mensais que ultrapassem R$30 mil, pode suceder a falta desse compartilhamento de informações pelos participantes do negócio. Mas se um deles prestar a informação, a Receita Federal certamente cruzará os dados. E, aquele que não cumpriu com a obrigatoriedade no período certo terá de arcar com multas previstas no art. 10 da INRFB 1.888/2019.

Outro ponto é que se a pessoa fez a transação P2P e aplicou todos esses ativos numa corretora brasileira, correrá o risco de pagar mais tributo. A atenção aqui tem de ser maior, pois se a pessoa, por exemplo, comprou modo P2P a unidade de Ether no dia 1º de março de 2022, por R$ 8.625,40 e decidiu colocar esses criptoativos numa wallet de corretora no dia 9 do mesmo mês, quando o ativo passou a valer R$ 7.424,56, a corretora não conhecerá o valor anterior ao aporte. As Exchanges nacionais atribuem ao criptoativo o valor do dia da transferência feita (“wallet in”) e não ao valor anterior ao aporte feito.

Até aqui não há perigo, mas se esse mesmo contribuinte se empolgou com a alta no dia 17 de março em que o ativo passou a valer R$ 9.449,10 e usou a corretora nacional como marketplace, aqui poderá ter problemas e pagar mais imposto no final.

Revendo os dados pré-prenchidos

Para evitar esse problema, o contribuinte terá de rever os dados pré-preenchidos pela Receita Federal. Conforme consta no Código Tributário Nacional (lei 5.172/66) em seu art. 147, §1º, a retificação da declaração de ajuste anual do imposto de renda por iniciativa do próprio declarante é admissível para reduzir e até mesmo excluir a tributação desde que esse comprove o erro em que se funde.

Assim, o contribuinte pode rever as informações do pré-preenchimento da RFB a fim de reduzir a tributação. No caso do exemplo mencionado a pessoa que adquiriu o Ether (criptoativo do sistema Ethereum) por R$ 8.625,40 e vendeu por meio de uma Exchange com domicílio fiscal no Brasil por R$ 9.449,10, terá de declarar o acréscimo capital de R$ 823,70 e não a diferença entre o valor da venda (R$ 9.449,10) e o do aporte feito da Exchange (R$ 7.424,56), o que resultaria em R$ 2.024,54 de ganho.

Caso essa mesma pessoa não venda o Ether e tenha mantido até o dia 31 de dezembro de 2022 na “wallet” custodiada pela Exchange brasileira deve estar ciente que a empresa cripto já prestou tal informação à SRFB e esses dados serão cruzados com o que será declarado por esse contribuinte.

Há a obrigatoriedade de fazer declaração mesmo quando a pessoa tenha preferido manter seus Ativos Digitais Criptografados numa “cold wallet”, ou seja, quando ela mesma faz a custódia por meio de um token como Ledger ou Trezor, ou até mesmo guarde num título em papel ou num dispositivo digital como um notebook ou celular usado somente para isso. Essas regras constam, inclusive, de forma clara no “Perguntas e Respostas IRPF 23”, produzido pela Receita Federal.

A diferença aqui é que a Receita Federal, de forma geral, não terá tanta facilidade em saber se a pessoas de fato possuem tais ativos e quanto elas realmente têm consigo, uma vez que não há a facilidade de cruzamento de dados como sucede em custódias feitas em Exchanges brasileiras.

Alexandre Magno Antunes de Souza
Advogado e jornalista. Graduado em Direito pela UFF. Mestre em Direito Constitucional pelo PPGDC-UFF. Pesquisador no Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Direito Administrativo Contemporâneo.

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