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Os parâmetros da legalidade e da validade do modelo de franquia

É possível concluir que, uma vez cumpridos os requisitos da lei, está configurada a relação comercial de natureza civil, não configurando, portanto, vínculo trabalhista.

5/4/2023

Anteriormente à promulgação da lei de franquia 8.955/94, os negócios eram celebrados com fulcro na legislação ordinária, juntamente com pontos convencionados pelas partes, conforme eventuais necessidades daqueles negócios.

Ocorre que a falta de regulação específica não proporcionava qualquer segurança jurídica às partes contratantes, uma vez que, em caso de litígio, os julgamentos não eram uniformes e a divergência de posicionamentos se tornava cada vez mais comum.

Surge, portanto, a necessidade de uma legislação específica para tratar dos contratos de franquia, porquanto este é um dos setores empresariais de maior relevância a nível econômico no Brasil, sendo notório o crescimento acelerado do Sistema de Franchising no país, conforme informações disponibilizadas pela Associação Brasileira de Franchising – ABF1.

Nesta oportunidade, foi promulgada a Lei de Franquia, com o fito de assegurar, por meio da previsibilidade, maior transparência entre os contratantes e, consequentemente, segurança jurídica às partes litigantes, sendo esta indispensável neste modelo de negócio.

Frise-se que, para acompanhar as necessidades do referido modelo, foi promulgada a lei 13.966/19, revogando a antiga lei 8.955/94, dispondo, ainda, sobre o sistema de franquia empresarial.

Assim, a legislação específica do modelo de franquia – antiga lei 8.955/94, nova lei 13.966/19 – delibera a instrumentalidade necessária para garantir a segurança jurídica no momento da contratação deste tipo de negócio.

Antes de adentrarmos na discussão acerca da legalidade e da validade do modelo de franquia, cumpre esclarecer que este é caracterizado pelo modelo de negócios, por meio do qual uma empresa detentora de uma ou mais marcas celebra um contrato com outra empresa, com o intuito de lhe transferir know-how, bem como, licenciar o uso de suas marcas, mediante condições estabelecidas pela franqueadora.

Corroborando com este entendimento, destaca-se os ensinamentos do doutrinador Fábio Ulhoa Coelho2:

"A franquia é um contrato pelo qual um empresário (franqueador franchisor) licencia o uso de sua marca a outro (franqueado franchisee) e presta-lhe serviços de organização empresarial, com ou sem venda de produtos. Por meio deste tipo de contrato, uma pessoa com algum capital pode estabelecer-se comercialmente, sem precisar proceder ao estudo e equacionamento de muitos dos aspectos do empreendimento, basicamente os relacionados com a estruturação administrativa, treinamento de funcionários e técnicas de marketing. Isto porque tais aspectos encontram-se já suficiente e devidamente equacionados pelo titular de uma marca de comércio ou serviço e ele lhe fornece os subsídios indispensáveis à estruturação do negócio." (COELHO, 2011, p. 486) (g.n.).

Neste sentido, o contrato de franquia é composto, basicamente, por elementos de contratos de licença de uso de marca ou patente, de distribuição exclusiva ou semiexclusiva de produtos e/ou serviços e, eventualmente, de elementos de outros contratos, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.

Acerca da existência de subordinação empresarial, contudo, sem a caracterização do vínculo, explica André Luis Santa Cruz Ramos3:

"Assim como ocorre em todos os contratos de colaboração, há na franquia uma clara subordinação empresarial do franqueado em relação ao franqueador, sem que exista, todavia, vínculo empregatício. Essa subordinação, pois, diz respeito apenas à organização da atividade do franqueado que deve seguir as orientações traçadas pelo franqueador, já que este tem total interesse de que os seus produtos mantenham a sua qualidade e sua marca conserve o “respeito” adquirido junto ao mercado consumidor". (RAMOS, 2011, p.461) (g.n).

Referida forma de contrato atende aos interesses de ambas as partes, uma vez que é possibilitado ao franqueador a expansão de seus negócios e divulgação de sua marca, sem precisar construir novos pontos de negócios, e ainda, é possibilitada ao franqueado a aquisição de experiência administrativa e empresarial, recebendo subsídios necessários e indispensáveis à estruturação do negócio. Seguindo esta linha, tem-se a respeitável explicação de Fábio Ulhoa Coelho:

"A franquia consiste, pois, na conjugação de dois contratos: o de licenciamento de uso de marca e o de organização empresarial. Normalmente, o franqueado dispõe de recursos e deseja constituir uma empresa comercial ou de prestação de serviços. Contudo, não tem os conhecimentos técnicos e de administração e economia geralmente necessários ao sucesso do empreendimento nem os pretende ter. Do outro lado, há o franqueador, titular de uma marca já conhecida dos consumidores, que deseja ampliar a oferta do seu produto ou serviço, mas sem as despesas e riscos inerentes à implantação de filiais. Pela franquia, o franqueado adquire do franqueador os serviços de organização empresarial e mantém com os seus recursos, mas com estrita observância das diretrizes estabelecidas por este último, um estabelecimento que comercia os produtos ou presta os serviços da marca do franqueador. Ambas as partes têm vantagens, posto que o franqueado já se estabelece negociando produtos ou serviços já trabalhados junto ao público consumidor, por meio de técnicas de marketing testadas e aperfeiçoadas pelo franqueador; e este, por sua vez, pode ampliar a oferta da sua mercadoria ou serviço, sem novos aportes de capital." (COELHO, 2011, p. 486) (g.n).

A validade e a legalidade do contrato de franquia apoiam-se, portanto, em regulação específica, que dispõe sobre o sistema de franquia empresarial. Contudo, cabe destacar que, assim como qualquer contrato, as relações travadas entre os franqueados e os franqueadores continuam sendo regidas pelas cláusulas pactuadas e contratadas, não sendo estas inválidas em decorrência da existência de legislação própria.

Entende-se que, com a promulgação da nova lei, não haverá situações omissas nos contratos celebrados anteriormente. Contudo, não ficará facultado às partes a exigência unilateral de obrigações não pactuadas previamente, fazendo-se necessária a observância do contrato celebrado.

Conforme análise realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE4, a lei 8.955/94 foi elaborada baseada no modelo estadunidense, e exprime informações relevantes para o franqueado avaliar a viabilidade do negócio ofertado, por meio da Circular de Oferta de Franquias – COF. Ademais, a Lei de Franquias explica o conceito de franchising, utilizando-se dos elementos essenciais – licença de uso da marca, transferência de tecnologia de know-how, e direito de distribuição de produtos ou serviços de forma sistematizada.

Entende-se por Circular de Oferta de Franquias a proposta realizada pelo franqueador ao interessado em tornar-se franqueado, por meio da qual revela sua identidade, situação econômico-financeira, o produto ou serviço objeto da franquia, bem como, as exigências quanto a pessoa do franqueado.

Neste sentido, um dos elementos necessários para a validade, bem como, a caracterização do modelo de franquia é a Circular de Oferta de Franquias – COF, sendo esta, responsável por garantir os parâmetros do negócio, bem como, assegurar a integridade das partes, e ainda, a absoluta transparência nas negociações que antecedem a adesão do franqueado à franquia.

Segundo a antiga lei 8.955/94, revogada pela lei 13.966/19, toda oferta de franquias deve ser feita por meio da COF, sendo necessário que esta compreenda todas as informações detalhadas do negócio e, ainda, que seja entregue ao interessado ao menos dez antecedentes à data de assinatura do Contrato ou Pré-contrato de Franquia, ou mesmo, do pagamento de qualquer valor pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou a pessoa ligada a este.

À luz do art. 2º da nova Lei de Franquias, a COF deverá conter, obrigatoriamente, um histórico resumido do negócio franqueado, a qualificação completa do franqueador e das empresas às quais esteja ligado e seus respectivos números de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ, uma descrição detalhada da franquia, bem como uma descrição geral do negócio e das atividades que serão desempenhadas pelo franqueado, o perfil do franqueado ideal no que diz respeito à experiência prévia, nível de escolaridade e demais características que deve ter, obrigatória ou preferencialmente, e diversos outros requisitos elencados no dispositivo supramencionado.

Urge destacar que a omissão das informações supramencionadas, ou mesmo o veículo de informações falsas na COF incidirá em punições previstas em lei, sem prejuízo das sanções penais cabíveis à espécie.

No que tange ao histórico resumido e à qualificação completa, verifica-se a segurança da transparência com o franqueado, principalmente em relação à história da marca e o início das operações, possibilitando que as partes estejam a par de todos os elementos que julgarem necessários antes de celebrar o negócio.

O mesmo ocorre com relação à descrição detalhada da franquia e à descrição genérica do negócio, das atividades desempenhadas e do perfil do franqueado ideal, eis que referida descrição assegura a troca de informações necessárias para análise de adequação do negócio com o perfil profissional.

Outrossim, à luz do § 2º do art. 2º da referida lei, caso o franqueador não entregue a COF com a antecedência necessária, qual seja, 10 dias, poderá haver anulação ou nulidade do contrato, bem como, a restituição de todos valores pagos ao franqueadora e a terceiros por ele indicado e, inclusive, perdas e danos.

A lei determina, ainda, em seu artigo 7º, condições necessárias para a elaboração de contratos de franquia, especificamente no que diz respeito à linguagem adotada. Vejamos:

Art. 7º Os contratos de franquia obedecerão às seguintes condições:

I                 - os que produzirem efeitos exclusivamente no território nacional serão escritos em língua portuguesa e regidos pela legislação brasileira;

II              - os contratos de franquia internacional serão escritos originalmente em língua portuguesa ou terão tradução certificada para a língua portuguesa custeada pelo franqueador, e os contratantes poderão optar, no contrato, pelo foro de um de seus países de domicílio.

Por fim, urge destacar que o dispositivo 211 da Lei de Propriedade Industrial – Lei 9.279/96 – determina que os Contratos de Franquia serão registrados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, com o fito de produção de efeitos perante terceiros.

Contudo, importante mencionar que a ausência do referido registro do Contrato de Franquia perante o INPI não invalida seus termos, entretanto, produzirá efeitos somente entre as partes.

Ainda sobre a validade e eficácia do contrato, explica André Luiz Santa Cruz Ramos:

“O art. 6.º da Lei 8.955/1994, por sua vez, estabelece que “o contrato de franquia deve ser sempre escrito e assinado na presença de 2 (duas) testemunhas e terá validade independentemente de ser levado a registro perante cartório ou órgão público”. Não obstante, o art. 211 da LPI determina que os contratos de franquia devem ser registrados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), nos seguintes termos: “o INPI fará o registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares para produzirem efeitos em relação a terceiros”. Como conjugar, então, as duas regras? Ora, uma trata da validade do contrato, e a outra da sua eficácia perante terceiros. Assim, a ausência de registro da franquia no INPI não invalida o contrato, mas nesse caso ele só produzirá efeitos perante as partes contratantes – franqueador e franqueado –, não sendo oponível perante terceiros.” (RAMOS, 2017, p.630) (g.n).

Neste sentido, verifica-se que qualquer empresa pode franquear seu negócio, desde que obedeça à legislação vigente, de modo a celebrar um contrato de franquia, que deverá seguir os princípios gerais do Direito Civil, bem como, atender aos requisitos elencados na Lei de Franquias – antiga lei 8.955/94, nova lei 13.966/19.

Diante todo o exposto, é possível concluir que, uma vez cumpridos os requisitos da lei, está configurada a relação comercial de natureza civil, não configurando, portanto, vínculo trabalhista.

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1 https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-03/faturamento-do-setor-brasileiro-de-franquias-aume nta-68-em-2019

2 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 6. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil e alterações da LSA. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 1.

3 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial. 4. ed., Salvador: Juspodivm, 2011.

4 https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/conheca-a-legislacao-que-rege-o-sistema-de-franquias,99 ab39407feb3410VgnVCM1000003b74010aRCRD

Barbara Almeida Maia
Advogada na ASAF - Alex Santana e Antônio Fabrício Sociedade de Advogados, pós-graduanda em Direito de Empresas pela PUC Minas.

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