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Aspectos práticos e interdisciplinares da constituição da empresa

Um tema de relevância na vida da sociedade empresária é a questão do falecimento do sócio e o ingresso ou não do herdeiro na sociedade.

4/4/2023

I – INTRODUÇÃO.

Nos dias atuais, é comum ouvirmos que está simplificada a abertura de uma empresa no Brasil. Mas, ainda que seja verdade tal afirmação, ainda assim existem inúmeras exigências que precisam ser observadas para uma abertura correta e que atenda aos objetivos da empresa.

Para tanto, o estudo que ora se apresenta tem como finalidade apresentar, de forma simplificada, os atos e negócios jurídicos que antecedem a constituição da própria empresa. Uma vez definidos os rumos pelo empresário (ou pela sociedade empresária), entram em cena os aspectos interdisciplinares da constituição da empresa, envolvendo ramos do direito, tais como empresarial, civil, propriedade intelectual, administrativo, tributário, trabalhista e, por fim, a contabilidade, demonstrando, com isso, a real importância do futuro empresário ter uma correta assessoria jurídica e contábil para contribuir com os objetivos da atividade empresarial.

II – ATOS JURÍDICOS E DECISÕES À CONSTITUIÇÃO DA EMPRESA.

É sabido que a ideia da constituição de uma pessoa jurídica tem como objetivo separar o patrimônio e, assim, a responsabilidade da pessoa física (sócio) do patrimônio a ser empregado no desenvolvimento da atividade econômica.

Para tanto, é fundamental que o parceiro jurídico e o parceiro contábil auxiliem nas decisões a seguir descritas. Embora se estabeleça uma ordem abaixo, a rigor, tais atos e decisões correm em simultâneo.

a) Formação do Patrimônio da Empresa.

Primeiramente, os sócios devem se reunir para que discriminem a parcela do patrimônio pessoal que cada um destinará à constituição e desenvolvimento da atividade econômica.

Estabelece-se, desta forma, “a segregação desses patrimônios e das responsabilidades pelas obrigações assumidas. Sendo assim, a formação do patrimônio da sociedade (pessoa jurídica) requer a subscrição e a integralização do capital social. O capital social é dividido em quotas (sociedade limitada, art. 1.052 do Código Civil) ou em ações (art. 1.088 do Código Civil e art. 1º da LSA)”1. Em outras palavras, os sócios reúnem o conjunto de bens para formar o estabelecimento empresarial.

E não poderia ser diferente, pois como bem ensina o profº Fabio Ulhoa Coelho “Não há como dar início à exploração de qualquer atividade empresarial, sem a organização de um estabelecimento”2. Assim, os sócios deverão decidir onde alugar um local para as atividades, adquirir móveis, computadores, veículos, máquinas, firmar empréstimos, etc.

O que cada sócio contribuiu ou irá contribuir deverá ser descrito no contrato social para fins de subscrição do capital. Por sua vez, a integralização do capital social se dará em bens (com valor econômico) ou dinheiro. Com exceção de instituições financeiras, por exemplo, a lei não estabelece um capital social mínimo a ser observado, sendo livre a decisão quanto ao seu valor.

b) Fixação do Local da Empresa

Em paralelo, sob o aspecto de direito administrativo, a depender da atividade empresarial a ser exercida, faz-se necessário consultar o órgão municipal responsável e saber se a lei de zoneamento urbano municipal permite o exercício da atividade. Uma vez sendo possível, a Prefeitura emitirá irá emitir uma certidão de viabilidade e zoneamento. Caso o município não forneça o documento, outro endereço precisa ser definido.

 A título de exemplo, a Prefeitura de São Paulo possui um link de “Consulta Pública de Viabilidade e Risco”, que permite aos cidadãos de forma prévia e com os dados exigidos para a consulta, verificar “se existe algum impedimento para o exercício da atividade econômica pretendida no local desejado”.3

c) Nome empresarial e registro de marca no INPI.

É preciso, ainda, definir o nome empresarial, que será o elemento de identificação do empresário. Entramos agora na parte do Registro empresarial. Imprescindível, para tanto, que se faça uma pesquisa prévia na Junta Comercial e consultar se já houve registro do mesmo nome empresarial e com o mesmo ramo de atividade. Sem nome empresarial, a empresa (ou sociedade empresária) não se registra na Junta Comercial.

De forma singela, a lei civil estabelece duas espécies de nomes empresariais: a firma (formado apenas pelo nome civil), obrigatória para o empresário individual ou sociedade de responsabilidade ilimitada (art. 1.157, Cód. Civil); e a denominação (pode ser o nome civil ou elemento fantasia), obrigatória para a sociedade anônima ou a cooperativa.

Por sua vez, a sociedade limitada (Ltda.) e a Sociedade Limitada Unipessoal (SLU - art. 1052, §§1º e 2º, Cód. Civil)  podem adotar firma ou denominação (art. 1.158, Cód. Civil).

Faz-se necessário apenas uma observação quanto à EIRELI, pois com o advento da lei 13.874/19, dando origem à sociedade limitada unipessoal (SLU), a EIRELI perdeu o sentido de sua existência prática.

Além disso, o nome empresarial precisa respeitar, pelo menos, 5 requisitos: veracidade (do nome do sócio(s) e da atividade); novidade (nome diverso dos que já existem); identificação do tipo jurídico (Limitada, sociedade anônima, EIRELI, p. ex.); respeito à moral (não usar palavras de baixo calão); e, por fim, não utilizar siglas e denominações de órgãos públicos.

É possível, e altamente recomendável aliás, que sejam registradas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o nome da empresa, bem como a marca do produto ou do serviço que a empresa fornece.

Existem, em regra, 4 tipos de marcas que são registráveis:

  1. Marca Nominativa: é composta apenas por letras, palavras.
  2. Marca Figurativa: são os desenhos utilizados para fortalecer o nome da empresa;
  3. Marca Mista: É a combinação de letras e desenhos, estilizando os elementos nominativos e figurativos;
  4. Marca Tridimensional: é a proteção do formato da embalagem do seu produto.

d) Documento(s) de Constituição, Organização e Funcionamento da Empresa.

Uma vez constituída uma EIRELI ou uma Ltda., redige-se o Contrato Social. Na Sociedade Anônima (S.A) e na Cooperativa é elaborado o Estatuto Social.

No Contrato Social são formalizadas as tomadas das principais decisões anteriores, tais como o nome empresarial, o(s) ramo(s) de atuação, localização, capital social, administração e administradores, duração, direitos e deveres dos sócios/acionistas, fiscalização interna, participação nos lucros e perdas, direito de retirada da sociedade, apuração de haveres e, por fim, foro competente ou cláusula compromissória (arbitragem).

Um tema de relevância na vida da sociedade empresária é a questão do falecimento do sócio e o ingresso ou não do herdeiro na sociedade. Se o Contrato Social for silente a respeito, aplicam-se os artigos 1028 a 1032 do Cód. Civil. Mas os sócios podem estabelecer de forma diversa no Contrato Social. Aliás, é o recomendável, a fim de evitar litígios custosos e demorados.

Obviamente, novas questões sociais surgirão no decorrer da atividade empresarial e que as disposições contratuais estejam, de certo modo, genéricas. Caso isso ocorra, o ideal é sempre buscar um acordo entre os sócios e fazer que esse acordo valha também para os casos futuros, com a alteração no Contrato Social ou até por meio de Acordo de Sócios, anexo ao Contrato Social, a ser registrado na Junta Comercial.

O Estatuto Social, por sua vez, é o documento que regerá as relações da Sociedade por Ações (normalmente a S.A.), a Cooperativa e as Associações (entidades sem fins lucrativos). A Lei nº 6.404/76 (Lei das S/A’s) estabelece as regras e o conteúdo do Estatuto Social.

Por fim, o empresário individual solicita na Junta Comercial o “Requerimento de Empresário Individual”. Não se trata de Contrato e tampouco de Estatuto.

e) Requerer CNPJ, Inscrição Estadual e Registro na Junta Comercial

Normalmente, o setor contábil da empresa solicita o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e a Inscrição Estadual (I.E. - em caso de atividade comercial, industrial e Transporte e que, portanto, irá recolher o ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços).

Para obter o CNPJ, é preciso enviar as informações exigidas por meio do Documento Básico de Entrada (DBE), via web da Receita Federal (Portal Rede Sim4). É preciso fornecer, junto ao DBE, o quadro societário (QSA).

No Estado de São Paulo, a título de exemplo, a solicitação da Inscrição Estadual é feita no CADESP (Cadastro de Contribuintes do ICMS5).

f) Licenças e Alvarás

Na esfera municipal, a empresa se torna regular com a emissão de alvará de funcionamento. Cada município possui regramentos e condições próprias.

São comuns os seguintes documentos para o licenciamento da empresa:

  1. Documentos relativos à sede da empresa;
  2. Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros;
  3. Requerimento de empresário ou Contrato Social;
  4. CNPJ;

Estando com a documentação em ordem, e pagas as taxas incidentes, o alvará de funcionamento é expedido.

Em algumas cidades do país, como São Paulo por exemplo, após o início das atividades empresariais, será devida a TFE (Taxa de Fiscalização de Estabelecimento), espécie de tributo que é devido anualmente, cuja finalidade se destina ao custeio dos órgãos municipais que exercem o poder de polícia de controle e vigilância sanitária e do uso do solo urbano pelo estabelecimento empresarial.

g) Regime de Tributação (simples, lucro real ou presumido) – Definição

No início das atividades empresariais, o empresário individual ou os sócios se reúnem (recomendando-se que o jurídico e o contábil também participem), para definir o regime de tributação que será aplicado no decorrer do ano-calendário social (em regra, coincidente com o ano civil).

Existem 3 (três) regimes tributários: Simples nacional, Lucro Real ou Lucro Presumido. E cada regime é aplicável conforme o faturamento e o lucro auferido pela empresa. Não é o objetivo do texto aprofundar nesse tema, mas vale tecer breves considerações.

O regime do Simples Nacional, como o próprio nome diz, se presta a facilitar a abertura de microempresas (ME’s) e/ou empresas de pequeno porte (EPP) e microempreendedores individuais com faturamento inferior a R$ 4,8 milhões/ano. O sistema compartilha, em uma única fatura mensal, os tributos da União, do Estado e Municipal. É o regime utilizado pela maioria das empresas do país.

O regime do Lucro Presumido, por sua vez, o faturamento não pode ultrapassar R$ 78 milhões/ano e é aplicada uma tabela de presunção para tributação do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e para a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que são recolhidos trimestralmente. Os demais tributos incidentes são recolhidos mensalmente.

Por fim, o regime do Lucro Real é obrigatório para as empresas com faturamento superior a R$ 78 milhões/ano. O interessante é que, como diz o seu nome, os cálculos do IRPJ e CSLL são feitos com base no efetivo lucro auferido no respectivo período. Por outro lado, se a empresa tiver prejuízo no período apurado, os tributos não incidirão. Por isso, é crucial que haja um rigoroso controle contábil sobre as rendas e despesas do negócio.

Nada impede que a empresa mude de regime no exercício seguinte, tudo a depender da melhora ou piora da situação do negócio.

III – CONCLUSÃO.

Este estudo buscou, de forma breve, demonstrar a interdisciplinaridade da constituição de uma empresa, obrigando o advogado a ter um bom conhecimento de vários ramos do direito (civil, empresarial, administrativo e tributário, p. ex.) para, ao lado do empresário, ser o parceiro jurídico do negócio.

Demonstrou-se, ainda, que o empresário, além do apoio jurídico, necessita de uma assessoria contábil adequada para o controle das informações que contribuirão para os bons rumos da atividade empresarial.

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Fernandes, Edison Carlos e Neto, Arthur Ridolfo. “Contabilidade Aplicada ao Direito”, série GV-Law, 2014, Saraiva, pág. 81.

2 In e-book “Curso de Direito Comercial” Vol.1, cap. 5, RT, ed. 2019. 

3 In: https://e-licenca.prefeitura.sp.gov.br/ConsultaPublica 

4 Link: https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/redesim 

5 Link: https://www.cadesp.fazenda.sp.gov.br/(S(qkayvggfgilpesbv53vfvgo5))/Pages/Login.aspx 

Henrique Von Ancken Erdmann Amoroso
Sócio do escritório "von Ancken & Guidolin Advogados". Pós-graduado em Direito Público pela Escola Paulista da Magistratura. Foi Assessor Jurídico do Tribunal de Justiça de São Paulo de 1999 a 2007.

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